Presidente do Fortaleza desde novembro de 2017, Paz levou o Leão do Pici à primeira final internacional de sua história. Equipe de Vojvoda enfrenta a LDU hoje, no Uruguai, a partir das 17h

A chegada do Fortaleza à final da Copa Sul-Americana representa mais do que a possibilidade do primeiro título continental para uma equipe do futebol nordestino. O jogo contra a LDU (Equador), às 17h de hoje, no estádio Domingo Burgueño, na cidade uruguaia de Maldonado, pode ser o ápice de um projeto que começou em 2017. No final daquela temporada, o clube subiu para a Série B, encerrou oito anos seguidos na terceira divisão e, logo depois, Marcelo Paz, de 40 anos, assumiu a presidência, após a renúncia do antecessor.

O trabalho feito sob o seu comando — foi reeleito em 2018 e 2021 —, desde então, mostra uma ascensão meteórica e um exemplo de gestão profissional. Em campo, o clube conquistou: uma Série B (2018), duas Copas do Nordeste (2019 e 2022) e cinco Campeonatos Cearenses (consecutivos, de 2019 a 2023).

No comando, o treinador argentino Juan Pablo Vojvoda mantém um trabalho de dois anos e meio, um dos mais longos do futebol brasileiro, e está prestes a conquistar o maior título de sua carreira. Passando a limpo os seis anos de gestão à frente do Leão do Pici, Paz conversou com O GLOBO sobre a chance da conquista neste sábado.

O que pensava em fazer quando se tornou presidente?

Eu fui diretor de futebol por, praticamente, três anos, e fui vice-presidente por seis meses. Já conhecia os desafios, as dificuldades, as oportunidades... Meu intuito era profissionalizar cada vez mais o clube. O Fortaleza sempre teve uma torcida que chegou junto, mas precisava que essa grandeza se consolidasse cada vez mais dentro de campo, criando um ciclo virtuoso. A gente buscou fazer isso através de gestão, e formar uma equipe de diretoria competente, qualificada. Não política e, sim, técnica.

Os dirigentes do Fortaleza são todos remunerados: dedicação exclusiva ao clube. Devagarinho, a gente foi implantando esse modelo, e sempre com muito olhar para o campo. O que sustenta tudo isso é o futebol, é o resultado esportivo que te dá força, respaldo e visibilidade. Via um clube com muito potencial, que vinha de um período muito difícil, com muitas defasagens de investimento.

Por que o Fortaleza ficou tanto tempo na Série C?

Ao longo desse período, houve alguns erros. Teve vezes que não subiu por detalhe esportivo. Classificou em primeiro, não perdeu no mata-mata, e foi eliminado pelo gol qualificado. Não quer dizer que o trabalho foi ruim. Houve gestões que fizeram seu melhor. A maioria das campanhas foram boas, mas, na última hora, não conseguia. A cada ano, o peso emocional era cada vez maior. Acho que o que a gente tem que olhar mais para trás ainda é porque caiu. Anos de muitas contratações, falta de estabilidade no comando técnico, muita troca de treinador... tudo isso vai gerando dificuldade.

Qual o diferencial da torcida?

É muito apaixonada e intensa. Para abraçar e para criticar. Quando tem um momento ruim, ela cobra, se posiciona. É paixão à flor da pele para os dois lados. Nos últimos anos, cada vez mais, tem tem crescido, do ponto de vista de crianças. 

O Fortaleza sempre foi conhecido como o clube da garotada, um slogan que vem desde a década de 70, e eu tenho visto isso muito efervescente. A gente tem uma geração de torcedores que tem criatividade para fazer mosaico, para organizar lindas festas de arquibancada. Uma geração que aprendeu a ter o jogo também como espetáculo. É uma soma de gente apaixonada e engajada.

Quais os maiores desafios?

Primeiro, manter o equilíbrio financeiro e econômico. As demandas são enormes e as expectativas e custos são muito altos. Levamos ao pé da letra o desafio de pagar tudo em dia. Tem que ter a maturidade para lidar com a paixão do torcedor, porque ele quer sempre algo a mais, o que é natural. O Fortaleza, especificamente, tem um desafio logístico. 

A gente compete com os principais clubes do Brasil e da América do Sul com a distância geográfica muito grande. Nossas viagens são mais longas. É difícil atender a essas expectativas sempre.

Torcida do Fortaleza faz mosaico no Castelão — Foto: Matheus Amorim / Fortaleza EC

Como chegaram ao Vojvoda?

A gente teve uma experiência muito boa com o Rogério Ceni. Tinha um modelo de jogo agressivo, de buscar sempre o gol, priorizar o ataque, ter a bola, ser protagonista em campo. Deixou de ser “o time menor do Nordeste que vai para se fechar e tentar achar uma bola”. Queríamos repetir isso. Procuramos inicialmente o Fernando Diniz, mas, na época, ele não quis vir, e foi correto e coerente conosco. E aí a gente não identificou no Brasil um outro treinador livre com esse perfil. No mercado exterior, surgiu o nome do Vojvoda. Identificamos que tinha essas características, e trouxemos.

Como é o desafio de mantê-lo no clube?

A sondagem é natural, do ponto de vista de que as pessoas querem o que é melhor. O Vojvoda tem feito um bom trabalho e desperta o interesse de clubes. O melhor argumento para manutenção dele é o dia a dia do trabalho. A experiência que a gente tem trabalhando junto dá a ele uma segurança, que aqui vai ter suporte, sobretudo, nos momentos difíceis. É muito fácil falar do Juan Pablo Vojvoda que está ganhando. Ano passado, nós ficamos 14 rodadas na lanterna do Campeonato Brasileiro, e a gente confiou no trabalho dele.

Como avalia a política de contratação, com valores pagos cada vez maiores? O que projeta para os próximos anos?

Acima de tudo, a gente tem que se manter competitivo, e eu gostaria muito que a gente fizesse isso também utilizando atletas da nossa base no elenco profissional. Quatro ou cinco meninos que possam fazer um jogo grande, para que, não necessariamente, tenha sempre que se contratar sempre um time inteiro de titulares e reservas. Eu gostaria muito que a gente conseguisse dar esse passo.

O que tem diferente na SAF do Fortaleza? Quais os benefícios?

A gente virou uma SAF para ter um modelo de gestão ainda mais profissional. O modelo associativo tem travas, dificuldade estatutárias. Na SAF, há uma possibilidade de governança mais moderna, de acesso a crédito no mercado, de modelo de gestão que possa facilitar o dia a dia operacional. E a gente fez isso sem vender ações do clube, nesse momento. 

Entendemos que as pessoas que estão aqui hoje, dentro de um modelo mais moderno, podem fazer com que o clube siga crescendo. Não temos nenhuma intenção de venda de controle. Mas, podemos, sim, fazer uma venda minoritária para capitalizar o clube, dar fôlego, e fazer mais investimentos.

Equipe do Fortaleza tem a chance de ganhar o primeiro título internacional da história do clube — Foto: Mateus Lotif / Fortaleza EC

Como está a dívida e o fluxo do caixa?

A dívida é baixíssima, totalmente controlada. Está dentro do Profut, paga mensalmente. Não temos dívidas trabalhistas. O fluxo de caixa é um desafio, mas tem que ter sempre esse exercício de cuidado e controle. O Fortaleza é um dos clubes menos endividados do Brasil. É até bom para atrair investimento, porque ele vai vir para fazer crescer, não para pagar passivo.

Em 2022, o clube foi bem na Libertadores, mas teve dificuldades no Brasileirão, fazendo depois um segundo turno histórico. O que mudou nesse ano para ser mais estável?

É um processo de amadurecimento. Foi a primeira vez que a gente jogou a Libertadores da América. Então, a gente tinha que performar em três competições muito difíceis (também o Campeonato Brasileiro e Copa do Brasil). Em algum momento, faltou fôlego, faltou peças. A gente aprendeu essa lição. Investimos mais este ano, em um elenco mais robusto. Isso está se refletindo em campo: final da Copa Sul-Americana e uma Série A muito bem feita, eu acredito, para um clube que tem menor investimento.

Como vê o modelo de final única e a mudança de estádio que foi feita pela Conmebol?

Conceitualmente, eu prefiro a final em dois jogos. É muito ruim, tanto para o torcedor do Fortaleza, quanto para o da LDU, não ver o seu time de perto numa final. Os torcedores acompanharam a competição inteira, e a maioria não vai conseguir ir para o Uruguai, por questão financeira e de distância. 

Mas eu entendo a Conmebol buscar fazer em um jogo. É um modelo que, na Europa, funciona muito bem, e está tentando se encontrar na América do Sul. Todo o futebol sul-americano vai parar e olhar para aquele jogo. Tem esse lado positivo.

Sobre a mudança de cidade, sem dúvida, para a logística, Montevidéu era melhor. Tem mais oferta de voos, de hotelaria. Mas não foi possível, teve que ir para Maldonado. Nós conhecemos, jogamos lá esse ano, e Punta Del Leste também é uma cidade turística. Não cabe à gente ficar aqui lamentando. Tem que se adaptar, tentando levar o máximo de torcedores, e fazer o melhor jogo possível, para buscar o título.

Qual o tamanho histórico desta temporada do Fortaleza, com a possibilidade do título sul-americano?

A campanha, em si, já é histórica. É algo que dá muito orgulho ao torcedor do Fortaleza, e ao torcedor nordestino. O título é a consolidação. É, definitivamente, entrar para a história do futebol sul-americano, se ele acontecer. Passa também uma mensagem para os demais clubes do Nordeste: de que é possível avançar mais. 

Muito trabalho, tempo, sequência, curva de aprendizado, acerto e erro. Não foi com investimento ou um mega patrocinador bancando tudo. Foi mão a mão, pessoa a pessoa, dirigente a dirigente, torcedor a torcedor... trabalhando para que este momento chegasse.


Fonte: O GLOBO