Europeus estão preocupados com a estagnação e a desigualdade, enquanto nós esperamos que o carnaval não acabe nunca

Aurelio de Laurentiis, produtor de cinema e proprietário da Napoli, saiu insatisfeito da negociação que a liga da Itália acaba de conduzir por seus direitos de transmissão. “O futebol italiano vai morrer”, disse o dirigente a repórteres, após os clubes aceitarem a oferta das emissoras. A afirmação é um tanto catastrófica e até cinematográfica — o que nos mostra que cartola é cartola em qualquer lugar do mundo. Mas ela indica também a insatisfação que tem tomado parte do futebol europeu.

A venda tratou dos direitos domésticos da primeira divisão italiana por cinco temporadas, entre 2024 e 2029. Enquanto a DAZN colocará 700 milhões de euros por ano para transmitir os jogos em sua plataforma de streaming, a Sky pagará outros 200 milhões de euros para exibir três das dez partidas por rodada na TV fechada. Fica tudo mais ou menos como já está, tanto em quem transmite quanto no valor a ser distribuído aos clubes, a soma, por volta de 900 milhões de euros por temporada.

Faz pouco mais de um mês, a liga da França também se frustrou com a comercialização de seus direitos. Quando os clubes abriram o envelope para descobrir qual empresa compraria os jogos para transmitir no próprio país, não havia nada dentro dele. O Canal Plus, que transmite a primeira divisão desde 1984, disse que não participaria da concorrência por causa do alto valor mínimo exigido. Mais um revés para a relação entre emissora e liga que, sobretudo durante a pandemia, piorou bastante.

Talvez falte aos franceses um frasista, para atrair a atenção do público dizendo que seu futebol morrerá. Tanto faz. O problema é o mesmo. Os clubes se acostumaram por três décadas a negociar seus direitos de transmissão, a cada ciclo, por valores mais altos. Assim eles podiam gastar cada vez mais, jogadores recebiam salários maiores, agentes se metiam no processo para cobrar comissões, e todo mundo saía da festa satisfeito. Mas todo carnaval tem seu fim. E o fim parece ter chegado.

Quando se comparam os valores obtidos por cada país com a transmissão da primeira divisão, os atuais e os do ciclo anterior, Itália, França e Alemanha têm arrecadações menores do que tinham. A Espanha conseguiu elevar um pouco seu valor, porque negociou cinco anos de direitos, em vez de apenas três. Só a Inglaterra ainda consegue expandir seu faturamento — e isto por causa dos direitos internacionais, puxados pela audiência estrangeira, não por causa do mercado do Reino Unido.

Dirigentes de lá se desesperam porque a disparidade na arrecadação acaba em concentração de talento. Se o futebol inglês ainda dá um jeito de elevar seu faturamento, enquanto as outras ligas andam de lado ou para trás, a Premier League tende a reter os melhores jogadores do mundo. E aí uma coisa puxa a outra. Atletas melhores chamam mais audiência, que atraem mais transmissão pelo mundo, que paga mais pelos direitos, o que eleva os salários de atletas. Mas só para quem está na Inglaterra.

Os europeus têm ligas de clubes para negociar os direitos. Nós, no Brasil, não. Eles vendem direitos internacionais por valores significativos. Nós, não. Eles têm moedas e economias mais fortes do que a nossa. Eles têm jogadores e técnicos melhores e mais famosos do que os nossos. E, mesmo assim, eles estão preocupados com a estagnação e a desigualdade entre os mercados deles, enquanto nós persistimos na desunião e na esperança de que, especiais que somos, o carnaval não acabe nunca.


Fonte: O GLOBO