Planalto articula para adiar a recriação da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos e modular uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC)

Na esteira da CPI do 8 de Janeiro, que terminou com pedidos de indiciamento de militares de alta patente, o governo Lula age para mitigar outras possíveis frentes de atrito com as Forças Armadas. Auxiliares do Palácio do Planalto articulam para adiar a recriação da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, que depende de um decreto presidencial cuja minuta está em análise na Casa Civil. Em outra frente, governistas atuam para modular uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) em tramitação no Senado que busca restringir a entrada de militares da ativa na política.

Relator da PEC na Comissão de Constituição e Justiça, o senador Jorge Kajuru (PSB-GO) promete incluir uma exigência de que militares se afastem em definitivo da caserna caso assumam posto de ministro ou de secretário-executivo. O texto apresentado pelo líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), apenas obrigava a passagem à reserva para os que se candidatassem em eleições. Pela regra atual, a depender da patente, o militar candidato pode voltar à ativa.

A base do governo articula, porém, para que a versão mais enxuta prevaleça antes da votação em plenário. Ao GLOBO, Wagner reiterou ontem que considera a restrição em ministérios prejudicial aos militares, por se tratar de algo distinto de uma candidatura, “que só depende” do próprio militar.

— Entendemos, em um debate feito a muitas mãos, que a questão do ministério é uma prerrogativa do presidente. É importante agir com razoabilidade nessa matéria — afirmou Wagner.

Kajuru, por outro lado, afirma já ter levado a Wagner seus argumentos para incluir o veto em ministérios, e chamou para si a responsabilidade da decisão. Embora faça parte da base do governo, o senador tem perfil considerado mais “independente”.

— Essa era a única discórdia, mas minha decisão (de incluir a vedação em ministérios) está tomada e creio que temos votos, mesmo que algumas vozes eventualmente discordem — disse Kajuru.

O senador deve se reunir hoje com o ministro da Defesa, José Múcio, antes de emitir seu relatório. A PEC apresentada no Senado foi gestada no Ministério da Defesa, em interlocução com os comandantes das Forças Armadas, e previa tanto o veto eleitoral quanto ao cargo de ministro.

Parte dos interlocutores de Lula teme que o bloqueio aos ministérios seja mal recebido na caserna. Wagner apresentou a PEC em setembro sem esse trecho, atendendo a um pedido do senador Otto Alencar (PSD-BA), seu aliado, que chegou a ser cotado como relator. Múcio, por sua vez, sinaliza para uma pacificação.

— Não causa nenhum atrito (com as Forças), a ideia original da PEC já era vedar a participação em ministérios. Alguns senadores entenderam que, retirando isto, a tramitação seria mais fácil. Isso é parte da dinâmica do Parlamento — minimizou o ministro.

Sem 'revanchismo'

Já a proposta de recriação da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, extinta em dezembro de 2022, é um tema mais sensível para interlocutores do Planalto. O Ministério dos Direitos Humanos, sob a gestão de Silvio Almeida, formulou uma minuta de decreto presidencial para reativar o colegiado. A Casa Civil pediu pareceres ao Ministério da Justiça — a pasta, chefiada por Flávio Dino, se disse favorável— e à Defesa, que ainda não se manifestou formalmente.

Segundo interlocutores do ministro José Múcio, ele vem conversando com Almeida sobre a importância de aguardar um momento menos “turbulento” para tratar da retomada da comissão, que historicamente causa incômodo a militares. Aliados do governo Lula no Congresso também avaliam que é preciso cautela para evitar uma imagem de “revanchismo”.

A Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos foi criada em 1995 para identificar vítimas da ditadura e indenizar familiares. O governo Bolsonaro mudou a composição do colegiado, com sete membros, e formou maioria para encerrar as atividades. Auxiliares de Lula anteveem desgaste com a recriação.

Desde o início do ano, quando estremecimentos na relação entre Lula e as Forças Armadas após o 8 de Janeiro levaram à troca do comando do Exército, auxiliares do Planalto tentam distensionar a relação. Episódios recentes exigiram mais movimentos diplomáticos de interlocutores de Lula para apaziguar possíveis tensões. 

Além do relatório final da CPI dos Ataques Golpistas, apresentado pela senadora Eliziane Gama (PSD-MA) com pedidos de indiciamento de 31 militares ou ex-militares, incluindo dois ex-comandantes do Exército e da Marinha e outros sete generais, outro episódio foi a prisão e a delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, investigado por fraudes em cartão de vacinação e por atos antidemocráticos.


Fonte: O GLOBO