Levantamento nas redes de pastores, cantores, políticos e coaches mostra que crise no Oriente Médio superou temas como aborto e casamento gay

Os desdobramentos dos ataques do Hamas contra o Estado de Israel e da retaliação israelense na Faixa de Gaza se transformaram no principal tema dos maiores influenciadores evangélicos do Brasil nas redes sociais. Desde o início da guerra, no último sábado (7), a defesa enfática de Israel tem superado até mesmo pautas caras ao setor que estão em debate no Congresso, como o aborto e o casamento gay.

É o que mostra um levantamento da equipe do blog nos perfis de 44 personalidades do segmento com mais de 2 milhões de seguidores no Instagram, a rede social mais popular do país na atualidade. Foram avaliados perfis de pastores, cantores gospels, coaches, youtubers e políticos.

O monitoramento utilizou a mesma rede de influenciadores mapeada pela consultoria Nosotros, do antropólogo Juliano Spyer, autor de “Povo de Deus - Quem são os evangélicos e por que eles importam”, voltada para estudos sobre o segmento.

Fazem parte do mapeamento integrantes de diferentes denominações como a Igreja Batista da Lagoinha, a Assembleia de Deus Vitória em Cristo, a Igreja Presbiteriana, Sara Nossa Terra e entre outras.

Na última semana, pelo menos 28 desses 44 influenciadores fizeram manifestações pró-Israel. A mobilização, que começou já no último sábado e se estendia até o fechamento deste texto, rendeu ao menos 77 publicações sobre o tema - mais de dez vezes o quantitativo de posts a respeito do aborto (seis) e muito à frente do casamento gay (um).

Os números podem ser ainda maiores porque o levantamento não considera stories – publicações que desaparecem após 24 horas e não ficam arquivadas para o público – eventualmente publicados pelos influenciadores. Entre os que não se manifestaram estão personalidades que, segundo o mapeamento da Nosotros, costumam evitar confrontos e posicionamentos sobre temas polêmicos e têm perfil mais “diplomático”.

Apesar de a lista contar com lideranças estridentes como Silas Malafaia, as personalidades que a consultoria considera terem maior influência sobre os fiéis são em boa parte desconhecidas fora da bolha evangélica e nem sempre são campeãs no número de seguidores, como a pastora Eyshila, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, e a cantora Midian Lima.

O aborto e o casamento gay servem como parâmetro de comparação por conta da mobilização da bancada evangélica nas últimas semanas frente à ofensiva do Congresso contra o Supremo Tribunal Federal (STF). Parlamentares de direita têm se mobilizado contra a pauta da descriminalização do aborto, em julgamento no tribunal, e a jurisprudência da corte a favor da união homoafetiva.

No último domingo, o bolsonarismo organizou uma manifestação antiaborto em Belo Horizonte. O evento, que contou com a presença do ex-presidente Jair Bolsonaro, acabou esvaziado, mas a bancada evangélica mantém a pressão nas redes para pautar o chamado Estatuto do Nascituro, texto que visa endurecer a legislação e vetar até mesmo os casos em que a interrupção da gravidez é permitida pelo Código Penal.

Já no âmbito dos direitos LGBT, uma comissão da Câmara deu sinal verde a um projeto de lei que proíbe o casamento entre pessoas do mesmo sexo na última terça-feira (10). A proposta ainda precisa passar por outras instâncias da Casa.

Apesar do apelo, os dois assuntos não tiveram o mesmo impacto que a comoção pelo conflito no Oriente Médio, que já provocou mais de 3 mil mortes tanto em Israel quanto na Palestina.

O conteúdo vai muito além da solidariedade às vítimas israelenses e palestinas. As mensagens com forte caráter religioso e carregadas de versículos bíblicos fazem uma defesa vigorosa de Israel, um Estado judeu, e seu papel espiritual para o mundo cristão diante da ameaça do Hamas.

aízes históricas, como as referências à nação de Israel no Antigo Testamento, e a concepção de uma terra sagrada e prometida na região.

“Há algumas décadas esse seria um conflito externo, mas hoje, evangélicos reagem como se eles próprios tivessem sido atacados. E é essa a sensação: de que o cristianismo é um tipo de nacionalidade e que Israel é um território em certa medida mais importante simbolicamente do que o próprio país”, avalia o antropólogo Juliano Spyer, da Nosotros.

Em alguns casos, há até mesmo um endosso tácito à violência.

O pastor André Valadão, da Igreja da Lagoinha, substituiu sua foto de seu perfil com 5,8 milhões de seguidores no Instagram pela bandeira israelense e publicou ao menos cinco vezes sobre o conflito. Em um dos posts, até chegou a prestar solidariedade aos palestinos vítimas do conflito, mas adotou uma linguagem agressiva.

“Levanta Israel! OH Guarda de Israel tem misericórdia. Com sua destra ESMAGUE O INIMIGO”, publicou o pastor no último domingo. “De todas as boas promessas do Senhor à nação de Israel, nenhuma delas falhou; todas se cumpriram”, acrescentou, em referência a um versículo do livro de Josué.

O pastor Elizeu Rodrigues, da Assembleia de Deus, compartilhou com seus 2,5 milhões de seguidores a notícia sobre uma jovem israelense de 25 anos que impediu um massacre em uma vila em uma ação que matou mais de 20 terroristas do Hamas e celebrou.

“Guerreira!”, diz a legenda da foto. “Um dos significados de preparo, vigilância e ‘empoderamento’”.

Em outras publicações, Rodrigues também mesclou conteúdos políticos a mensagens de repúdio aos ataques.

“Quando orares pela nossa nação, lembre-se de pedir que Deus nos livre da esquerda!”, escreveu junto de uma ilustração que mostra um integrante do Hamas usando um bebê como escudo humano contra um soldado israelense, possivelmente em alusão à reticência de setores progressistas em condenar frontalmente os atos terroristas.

O pastor da Assembleia de Deus é uma das poucas exceções na abordagem política do conflito entre as personalidades monitoradas, uma tendência mais característica dos parlamentares influenciadores que compõem a lista da consultoria Nosotros.

É o caso do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), um dos organizadores da marcha realizada em Belo Horizonte no último sábado, a senadora Damares Alves (Republicanos-DF), eleita sob a bandeira antiaborto, e o deputado Marco Feliciano (PL-SP), crítico aberto do casamento homoafetivo. Curiosamente, os três foram os únicos influenciadores a citar o aborto desde sábado, sempre no contexto da discussão do Estatuto do Nascituro.

Campeões nas menções a Israel, eles se destacaram pela mobilização dos seguidores enquanto o Congresso repercutia a crise. Nikolas e Feliciano exploraram, por exemplo, a confusão na Câmara dos Deputados envolvendo a votação de moções de repúdio ao Hamas e ao Estado de Israel na última quarta-feira (11). Também criticaram tanto o governo Lula quanto a esquerda por uma suposta leniência com o grupo terrorista.

A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, sempre cotada pelo seu partido, o PL, para cargos majoritários em 2026, foi mais discreta: se ateve à reprodução de salmos bíblicos relacionados a Jerusalém e compartilhou um discurso de seu enteado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) criticando o assessor do PCdoB que, como antecipamos no blog, foi demitido por zombar de uma mulher israelense sequestrada pelo Hamas.


Fonte: O GLOBO