Vírus da influenza (gripe) aviária de alta patogenicidade (IAAP/H5N1), que ameaça a avicultura e a saúde humana, chegou às praias do Sul do país

O vírus da influenza (gripe) aviária de alta patogenicidade (IAAP/H5N1), que ameaça a avicultura e a saúde humana, chegou às praias do Sul do país. Ele causa a maior mortalidade de leões e lobos-marinhos já registrada no Brasil. De 1º de outubro até ontem, 548 animais mortos haviam sido contados por cientistas no litoral do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. Mas eles podem passar para humanos? Qual a gravidade da doença? Tem vacina? Há risco de uma nova pandemia? Entenda tudo o que você precisa saber sobre o caso.

Que cuidados as pessoas devem ter?

Evitar qualquer tipo de contato e aproximação com animais doentes e mortos. Também devem avisar a agentes sanitários sobre ocorrências.

Qual o risco para seres humanos?

Até o momento, o risco de propagação em humanos é considerado baixo porque o H5N1 não se transmite de uma pessoa para outra e sim pelo contato direto com animais mortos ou doentes. Ou ainda através do contato com suas secreções, de qualquer tipo. Por isso, o risco de transmissão é pequeno. Mas o sinal de alerta aumentou.

Por que?

O aumento de casos em mamíferos sugere que o vírus tenha se tornado mais facilmente transmissível também para seres humanos. Como se trata de uma doença altamente letal, é preciso cuidado máximo.

E há indícios de alteração no vírus?

Sim. A professora da Universidade de São Paulo (USP) Helena Lage Ferreira, presidente da Sociedade Brasileira de Virologia, explica que dados do Chile mostram que o vírus sofreu uma mutação no gene PB2, importante para se replicar em mamíferos, incluindo humanos. Vírus com a mutação foram identificados em leões-marinhos e num homem no Chile e numa menina no Peru. Porém, mais estudos precisam ser feitos.

Qual a taxa de letalidade em seres humanos?

Ela é muito alta, mas mudou a partir do final de 2020, quando o vírus sofreu um rearranjo (troca de genes entre diferentes cepas de influenza). Segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC, na sigla em inglês), ela hoje é de 18%, com 11 casos no mundo. A título de comparação, a do coronavírus Sars-CoV-2 em março de 2021 no Brasil, quando houve pico de mortes, era de 4%. De 2003 até 2020, houve 868 casos de H5N1 humana no mundo, com 54% de letalidade.

Quando vírus surgiu?

O vírus emergiu em 1996 em Hong Kong e foi erradicado. Voltou a ressurgir na China em 2003. Em 2020, em plena pandemia de Covid-19, voltou a passar por novo rearranjo na Ásia e de lá se espalhou pelo mundo.

Por que o H5N1 é considerado um vírus de potencial pandêmico?

Porque os vírus influenza têm elevada taxa de mutação e rearranjo (capacidade de trocar genes com outros vírus). Isso aumenta o risco que o H5N1 sofra alguma alteração que o torne mais transmissível para seres humanos. Como esses vírus são transmitidos por via respiratória, seu potencial de propagação é explosivo.

E em aves?

Ele é extremamente transmissível. A letalidade varia entre espécies. Algumas gaivotas, como as skuas, parecem mais resistentes. Já aves domésticas, como as galinhas, são muito suscetíveis e têm taxa de praticamente 100% de letalidade.

E em mamíferos?

A letalidade varia de uma espécie para outra e não é bem conhecida porque são poucos os casos. Mas se acredita que a transmissão ocorra só por meio de contato com aves. Helena Ferreira conta que causou apreensão no mundo um surto numa fazenda de criação de furões na Espanha em plena pandemia de Covid-19. Nesse caso, houve indícios de que o vírus se transmitiu de um furão para outro. O surto, porém, foi controlado.

Existe tratamento?

Não. Nem para humanos nem para animais. Em humanos os sintomas são tratados.

E quais são os sintomas?

Doença respiratória grave e problemas neurológicos, que podem incluir convulsões e desorientação.

Existe vacina para aves?

Sim, mas só é usada quando há surtos comerciais. Em outras situações, dificultaria a identificação de sintomas e atrasaria o controle da doença. A vacinação tornaria impossível detectar a entrada do vírus nas criações já que todas as aves teriam anticorpos, dificultando a distinção entre animais que expostos ao vírus daqueles que foram apenas vacinados.

E para as aves selvagens?

A mesma vacina poderia ser usada, mas sua aplicação em animais de vida livre é inviável.

E para outros animais?

Não existe.

Há vacina para a gripe aviária em humanos?

Existe um protótipo de vacina para seres humanos, que poderia ser produzida em maior escala, em caso de necessidade. A Organização Mundial de Saúde (OMS) tem as bases para essa vacina. O Instituto Butantan tem algumas dessas bases, chamadas de sementes. A intenção é produzir a vacina se preciso no Brasil.

As vacinas contra a gripe disponíveis oferecem proteção contra o H5N1?

Não. Mas são eficientes para evitar os vírus influenza que circulam este ano no Brasil, têm causado grande número de casos de gripe e deixam a população mais vulnerável a doenças infecciosas.

Que tipo de impacto a gripe aviária pode trazer?

No momento, a maior ameaça é econômica porque não apenas o país é o mais exportador de frangos, como a avicultura movimentada toda uma cadeia produtiva, da produção de carne e ovos, à produção de vacinas e medicamentos dentre outros.

E o risco ambiental?

Para a vida selvagem, pode levar à extinção local de populações de espécies e a um desequilíbrio ambiental. Também é um risco para espécies endêmicas, nas quais o Brasil é rico, caso o vírus se adapte a elas.

Comer carne de aves e ovos transmite o vírus?

Não. Esse risco não existe. O vírus não resiste ao cozimento.


Fonte: O GLOBO