Estatal vai rever política de indicações. Mercado vê risco de ingerência política e impacto na distribuição de lucro a acionistas, um dos fatores que impulsionaram a valorização recente da petroleira
As ações da Petrobras despencaram ontem mais de 6% na Bolsa depois que a companhia informou ter aprovado a revisão de seu estatuto social. A medida tem o objetivo de mudar a política de indicação de cargos da alta administração e do conselho fiscal, além de criar uma reserva de remuneração de capital.
A leitura do mercado é que a medida deve significar dividendos (parcela do lucro distribuída a acionistas) menores adiante, além de abrir brecha para ingerência política na companhia. Em um dia, a estatal perdeu R$ 32,3 bilhões em valor de mercado, o equivalente a uma Cosan ou uma Engie na Bolsa, e passou a ser avaliada em R$ 483,4 bilhões.
Os papéis com direito a voto (ordinários) caíram 6,03%, a R$ 38,35, e os sem voto (preferenciais) recuaram 6,61%, cotados a R$ 35,35. Para que as mudanças propostas sejam postas em prática, porém, será necessária a aprovação em assembleia geral extraordinária, ainda a ser convocada. Para analistas, no entanto, o risco para a governança corporativa da petroleira já está dado.
Em comunicado, a Petrobras afirmou que busca excluir vedações para a indicação de administradores prevista na Lei nº 13.303/2016 (a Lei das Estatais, aprovada no governo de Michel Temer, na esteira dos casos de corrupção da Lava-Jato) consideradas inconstitucionais por meio de decisão do Supremo Tribunal Federal, em uma referência à liminar do ministro Ricardo Lewandowski, que suspendeu trechos que restringiam a indicação de políticos a cargos na diretoria de empresas públicas.
Novo comunicado após reação do mercado
Segundo a Lei das Estatais, indicados a cargos nestas empresas têm que ter perfil técnico, com experiência comprovada para exercer a função. A Petrobras acrescenta no comunicado que somente considerará hipóteses de conflito de interesse formal nos casos expressamente previstos em lei.
Na avaliação do Goldman Sachs, a proposta deixa “espaço para nomeação de indivíduos com exposição política para cargos de gestão”. O banco destaca que observava no estatuto social da Petrobras uma “camada adicional de proteção contra intervenção na empresa”.
Diante da repercussão do comunicado, após o fechamento do mercado, a Petrobras divulgou novo comunicado, no qual afirma que as alterações não reduzem exigências da Lei das Estatais. No texto, a petroleira afirma que o objetivo é alinhar o estatuto ao disposto na Lei das Estatais, “quaisquer que venham a ser as decisões judiciais a respeito do tema”.
Pedro Galdi, analista da Mirae Asset, criticou as mudanças e avalia que elas alimentam incertezas:
— É justamente o que o mercado tinha medo de que acontecesse. Estão mudando as regras para colocar as pessoas que querem nos cargos, mesmo sem qualidade técnica.
Roberto Gonzalez, especialista em Governança Corporativa, diz que o mercado teme que políticos sem experiência no setor de petróleo e gás ocupem cargos estratégicos, como já aconteceu no passado, mas avalia que o governo não está disposto a correr esse risco:
— Em uma empresa privada, se o controlador colocar o filho sem nem o ensino médio para tomar decisões, o mercado vai reagir como? As ações também vão cair. A questão chave é ter pessoas qualificadas. Acredito que o governo vai praticar o bom senso. Pode ser que entre algum político, mas com capacidade de contribuir.
A revisão da orientação de indicações políticas mexeu com a percepção dos investidores ao evocar riscos do passado na companhia, mas também pesou muito na análise do mercado a leitura de que a criação de uma reserva de remuneração pode afetar os dividendos.
4 conselheiros contra
De acordo com a Bloomberg, quatro dos 11 membros do Conselho de Administração, que representam os acionistas minoritários, votaram contra a proposta, segundo fontes a par do assunto ouvidas pela agência. Em seu comunicado, a Petrobras enfatiza que a política de remuneração aos acionistas segue vigente.
Para analistas e operadores, a criação da reserva pode reduzir o potencial para futuros pagamentos extraordinários de dividendos.
— O mercado entendeu que os lucros distribuídos serão menores. Com essa incerteza, os investidores aproveitaram para vender as ações, que já acumulavam valorização de mais de 90% desde janeiro com a alta do petróleo, para realizar lucro — afirma Flávio Conde, analista da Levante Investimentos.
Para o Goldman Sachs, a proposta aumenta as incertezas em torno da previsão do banco para o pagamento de um potencial dividendo extraordinário.
A política de dividendos é um dos temas mais sensíveis para a companhia. No governo anterior, a Petrobras chegou a ocupar o papel de maior pagadora de dividendos do mundo, no segundo trimestre de 2022.
No ano passado, como um todo, foi a segunda empresa no planeta que mais distribuiu recursos aos investidores. Com a perspectiva de retomada de investimentos, porém, a companhia divulgou este ano uma nova política que tenta conciliar a remuneração ao acionista e a necessidade de capital para apostar em áreas consideradas estratégicas.
Mais investimentos
Na avaliação do mercado, a criação da reserva é uma forma de financiar a ampliação de investimentos de interesse do governo. A Petrobras deve apresentar em breve um novo plano estratégico de cinco anos, que deve superar o anterior, de US$ 78 bilhões.
A estatal já informou anteriormente que pretende destinar até 15% dos investimentos para projetos de energia renovável e de baixo carbono. O mercado teme que isso resulte em apostas em investimentos menos rentáveis.
— As mudanças ligam um alerta em relação a gerência e governança da empresa. A reserva não impacta em nada os dividendos, porque ela só seria feita após o pagamento dos dividendos — avalia o estrategista de investimentos da Nexgen Capital, Heitor Martins.
Fonte: O GLOBO
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