É a ciência ajudando a desafiar mitos que jogam sobre a mulher obrigações supostamente ‘impostas pela natureza’

Menopausa é o termo médico para o último ciclo menstrual de uma mulher, que marca o fim do período reprodutivo e geralmente acontece entre 45-55 anos de idade. É um fenômeno muito bem documentado em fêmeas humanas, e em algumas espécies de baleias. Pessoas que menstruam já nascem com um número determinado de folículos (células reprodutivas) nos ovários, que vão se desenvolver em óvulos desde a primeira menstruação (menarca) até a última (menopausa).

Recentemente, um grupo de pesquisadores dos EUA conseguiu, pela primeira vez, observar menopausa em primatas não humanas: chimpanzés. Isso quebrou alguns paradigmas. A existência da menopausa é uma espécie de enigma: se a evolução “premia” quem deixa mais descendentes, qual o sentido de pôr um fim na fertilidade feminina? Durante muito tempo, acreditou-se que a menopausa entre humanas (e baleias) poderia ser explicada pela “hipótese da vovó”: as fêmeas mais velhas, já sem filhos pequenos para cuidar, ajudam as mais novas, aumentando a probabilidade de sobrevivência da linhagem. Outra hipótese é a do conflito reprodutivo, em que a menopausa eliminaria a competição entre as gerações de fêmeas. O estudo recente desafia ambas as hipóteses.

Os cientistas observaram 185 fêmeas de chimpanzé na comunidade Ngogo, no parque nacional de Kibale, Uganda, durante 21 anos, de 1995 a 2016. Neste período, registraram o número de anos em que as fêmeas sobreviviam após o último filhote, e para comprovar a menopausa, retiraram amostras de urina periodicamente, medindo os hormônios. Verificou-se que as fêmeas Ngogo passam, em média, 20% de suas vidas no período pós-menopausa. Ainda que não seja tão longo quanto nas humanas, que podem passar mais de 40% da vida na etapa pós-menopausa, ou de baleias orca, 30%, ainda assim é muito mais do que o quase zero observado anteriormente para a maioria das espécies de primatas não humanos.

Um aspecto que certamente facilitou esta observação – e que pode comprometer os resultados – é de que a população de chimpanzés Ngogo realmente vive mais tempo do que outras. Isso pode ser por uma série de motivos, incluindo a ausência de predadores (animais e humanos) no parque. A abundância de alimento na área também ajuda. 

A comunidade Ngogo fica mais para o centro do parque, longe do contato humano, o que protege esses chimpanzés de doenças transmitidas pelo Homo sapiens. Pode ser que outras populações de primatas, se em condições desse tipo, também possam apresentar menopausa. Isso reforça o questionamento sobre a origem da menopausa, e se traz alguma vantagem adaptativa. Pode ter aparecido na história da evolução muito antes do que imaginávamos.

A hipótese da vovó fica abalada depois deste estudo, já que as fêmeas jovens de chimpanzé deixam suas comunidades natais e não têm contato próximo com suas mães e avós, como acontece em comunidades humanas. Claro que isso não exclui a possibilidade de que mesmo assim seja uma vantagem para populações humanas, e talvez seja um fator que possibilite um período não reprodutivo pós-menopausa tão longo. 

Mas certamente põe em xeque toda uma família de explicações simplistas, supostamente “baseadas na teoria da evolução”, para a menopausa, incluindo a de que o fenômeno só existe em humanas, e só porque as avós ajudam a cuidar dos netinhos. É sempre interessante ver a ciência contribuindo para desafiar mitos que, mesmo que contenham um grão de verdade, contribuem para justificar uma noção patriarcal da realidade e jogam sobre a mulher obrigações e expectativas supostamente “impostas pela natureza”.


Fonte: O GLOBO