Recursos represados podem ser usados para diminuir o déficit nas contas públicas, que deve ficar perto de R$ 100 bilhões

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva está com R$ 27,4 bilhões represados nos ministérios, com destaque para as pastas de Saúde, Desenvolvimento Social e Educação. O valor é mais que o dobro do registrado no ano passado, quando os recursos parados chegavam a R$ 13,3 bilhões até agosto, de acordo com os dados mais recentes do Tesouro Nacional.

Se esses valores seguirem parados até o fim do ano, isso vai ser uma alternativa “barata” para a equipe econômica reduzir o rombo das contas públicas em 2023, segundo especialistas ouvidos pelo GLOBO. Por outro lado, indica uma dificuldade de execução de políticas públicas, já que a maior parte desse dinheiro é composto por investimentos e outros recursos discricionários — aqueles sobre os quais o governo pode decidir.

O dinheiro parado é chamado pelos técnicos de “empoçamento” — já que são recursos paralisados como uma poça d’água. É um dinheiro que o Tesouro liberou para ser gasto, mas que não tem sido usado pelo ministério.

O recurso não pode ficar de um ano para o outro, como um “saldo”. Dessa forma, esse dinheiro parado ajuda o governo a entregar um resultado melhor para as contas públicas.

Tempo curto e vinculações

O atraso de uma licitação de um projeto ou a falta de tempo para o planejamento dos gastos são fatores que levam, ano a ano, ao empoçamento de recursos. Outro fator que explica isso são as vinculações orçamentárias. Neste caso, um recurso só pode ser gasto para determinado fim. Se o projeto não anda, o dinheiro fica parado.

O aumento do Orçamento do governo para este ano, com a PEC da Transição, também foi um fator para o crescimento dos recursos que estão parados nos ministérios. A proposta aprovada no fim ano passado elevou em mais de R$ 160 bilhões os gastos para este ano. Grande parte desse valor foi destinado para despesas com investimentos e manutenção da máquina, que dependem de projetos, licitação e outras formalidades para serem executadas.

— Foi previsto no Orçamento um aumento substancial de investimentos públicos. Em que pese a necessidade de recompor o investimento, é difícil a administração pública conseguir destravar todos os recursos em um único ano, porque precisa de um planejamento maior. A execução precisa de um tempo para se realizar de forma eficiente — avalia Vilma Pinto, diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado Federal.

O Ministério da Saúde lidera em recursos represados, com cerca de R$ 8 bilhões, seguido pela pasta de Desenvolvimento Social, com R$ 3,6 bilhões.

As despesas previstas no Orçamento do ano, mas não executadas no exercício, geram um resultado positivo do ponto de vista fiscal. Isso porque o resultado das contas públicas considera só o que foi, de fato, pago. Ou seja, o dinheiro que saiu do caixa do governo. Se uma despesa está programada, mas não foi efetivada no ano, o valor ajuda a melhorar o resultado das contas públicas no balanço do fim do ano.

Para 2023, a projeção para o déficit primário está em R$ 141,4 bilhões, nas estimativas do Ministério do Planejamento e Orçamento. O objetivo do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é reduzir o rombo para menos de R$ 100 bilhões.

— É um mecanismo muito barato para o governo conseguir de alguma forma gerar esse tipo de resultado (melhora nas contas públicas). É uma prática que vem se tornando comum, porque há uma demora para aprovar o Orçamento. Quando você consegue aprovar, o tempo fica curto para fazer todo o processo burocrático — analisa a economista Juliana Inhasz, professora do Insper.

Prioridades de cada pasta

Os investimentos públicos são exemplos recorrentes de gastos represados. Uma obra, por exemplo, exige planejamento e um trâmite normalmente longo para a execução, que pode passar de um ano. Como o pagamento não foi efetivado, mas foi autorizado, o valor fica na conta do Tesouro.

— Nesses casos, o dinheiro foi autorizado, mas nem foi mexido. Logo, não acontece nada (não entra como despesa primária) — explica Valmir Leôncio da Silva, especialista em contas públicas.

Em nota, o Ministério da Fazenda afirma que cada órgão deve priorizar a execução das despesas, em conformidade com suas necessidades, observando a programação financeira estabelecida para o ano em que forem executadas.

O Ministério da Saúde diz que os investimentos e custeio da pasta seguem com um pagamento regular. A previsão, até o momento, é “de plena execução dos recursos destinados”.

“Cabe ressaltar a análise criteriosa que o ministério faz de todas as demandas recebidas, garantindo a liberação de recursos de forma a atender às necessidades da população e o seu compromisso com a melhor gestão dos recursos públicos”, comenta o ministério, em nota.

A pasta da Educação afirmou que os recursos estão sendo repassados após “verificada a regular liquidação do empenho”, ou seja, das contratações dos serviços ou compra de bens: “É importante ressaltar que os programas ainda estão sendo executados e parte das despesas apresenta sazonalidade na execução orçamentária e no fluxo de pagamentos”.

O Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) também sustenta que os valores estão sendo pagos regularmente.


Fonte: O GLOBO