A reclamação do goleiro Ederson sobre o preço dos ingressos expõe o projeto elitista da CBF

Em 2017, Ederson se tornou o segundo goleiro mais caro da história do futebol, ao ser negociado pelo Benfica com o Manchester City por 40 milhões de euros. Quanto custa ver um jogador desse nível em ação no estádio? Segundo levantamento do site “The Athletic”, que hoje responde também pela seção de esportes do jornal “The New York Times”, o ingresso mais barato para um jogo do City na temporada 2023/24 sai por 44 libras esterlinas, o equivalente a 270 reais. 

O mais caro custa 75 libras, ou 460 reais. Correndo o risco de levar uma bronca do meu colega Rodrigo Capelo, somei os preços, dividi por dois e arbitrei, sem o menor rigor científico, que o tíquete médio seria então de 366 reais – acima, portanto, dos 318 de Brasil x Venezuela de quinta-feira, em Cuiabá.

Isso significa que Ederson está errado ao reclamar do preço que a CBF cobrou para a partida? Claro que não. Trata-se apenas de estabelecer uma base para a boa discussão levantada pelo goleiro da seleção. Vê-lo em ação pelo City é algo que se pode fazer ao longo de todo o ano, pelo Campeonato Inglês e pelas copas. 

Há opções como comprar ingressos para a temporada, que têm bons descontos, ou aderir ao programa de sócio torcedor, o que também ajuda a reduzir os custos. E o potencial comprador tem, naturalmente, mais chances de escolher quando ir ou não ao estádio, seja pela atratividade da partida ou por uma avaliação de sua situação financeira naquele momento.

Jogos de seleção são eventos muito mais raros. No caso do Brasil, os amistosos, já há décadas, passaram a ser vendidos para outros países. Resta ao torcedor brasileiro esperar as Eliminatórias para ver de perto os astros que atuam no futebol internacional, e o rodízio de sedes que a CBF costuma promover – e que a diretoria atual pretende manter – faz com que a oportunidade seja única. 

Quem mora em Belém ou Cuiabá, as contempladas até agora, não pôde se dar ao luxo de deixar para depois ver Ederson e seus companheiros ao vivo. Era pagar os 318 reais que incomodaram o goleiro ou largar.

Sob uma ótica exclusivamente financeira, a lógica é simples: se o número de ingressos à venda é pequeno e a demanda é alta, o preço sobre. Mas clubes e seleções não são apenas negócios. Embora tenham naturezas diferentes, nem uns nem outras podem tratar seus torcedores como simples consumidores. Se o Manchester City tem um papel como representante de uma comunidade, o do Brasil é ainda mais amplo. E a CBF, que gosta de se identificar como entidade sem fins lucrativos, deveria se sentir na obrigação de levar mais brasileiros aos estádios.

Os 12,7 milhões de reais arrecadados na Arena Pantanal – e vaiados por parte da torcida, num estádio que não lotou justamente por causa do preço dos ingressos – não fazem grande diferença no balanço de quem arrecada tanto com repasses da Fifa, contratos de publicidade e direitos de TV. 

Belém e Cuiabá não foram escolhidas por motivos financeiros, mas sim para atender a interesses políticos. Por que, então, repassar os custos ao bolso do torcedor? O que Ederson percebeu o projeto da CBF: levar a seleção para ser exibida aos ricos de várias partes do Brasil.


Fonte: O GLOBO