Em entrevista ao GLOBO, Antônio Barra Torres fala também da proibição da flor da maconha para fins medicinais e dos próximos passos da instituição

O diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antônio Barra Torres, diz que o órgão regulador está atento ao crescimento do uso do Ozempic, remédio para diabetes que virou febre como atalho para o emagrecimento.

Ele pontua que a Anvisa autorizou apenas a utilização prevista em bula e que a prescrição fora deste escopo abre caminho para “efeitos que podem não ser desejáveis”.

Barra Torres afirma ainda que a agência acostumou-se a pressões na pandemia e, por isso, a apresentação de um projeto de lei no Senado sobre a regulamentação de cigarros eletrônicos não vai alterar o rito em andamento na Anvisa, que reavalia se manterá a proibição.

“Estamos bem resilientes”, reforça.

O Ozempic, remédio para diabetes, virou febre entre quem deseja emagrecer. O uso desenfreado preocupa?

O Ozempic é foco da nossa atenção. Monitoramos o uso do que aprovamos aqui. Entretanto, o que é aprovado por nós é a indicação de bula. Na prática médica do Brasil, o uso fora da bula é aceito nos conselhos de classe, que são as grandes autoridades nessa questão: o que é prescrição de bula e o que é o poder do médico de indicar aquilo que não está presente na bula. Não temos uma atuação sobre a prescrição fora da bula.

Mas a Anvisa está acompanhando os efeitos adversos desse remédio?

Os efeitos adversos são aqueles que constam de bula para o uso a que a medicação é indicada. Quando você está usando algo que é feito para tratar A com um uso B, você abre um leque para uma outra série de efeitos que podem não ser desejáveis para uma prescrição diferente daquela que o desenvolvedor pesquisou e construiu. Não atuamos nesse campo.

A agência reguladora dos EUA já recebeu ao menos 270 relatos de reações adversas envolvendo tendências suicidas associadas ao uso do Ozempic e Mounjaro, outro remédio para diabetes que vem sendo usado por quem quer emagrecer. A Anvisa recebeu algum relato?

Teria que verificar. Eu reitero que isso não faz parte dos efeitos adversos do uso de bula. Se está acontecendo no off label, é realmente um evento sério que precisa de atenção.

A Anvisa proibiu a importação da flor de maconha para fins medicinais. A decisão afeta o avanço dos tratamentos com Cannabis?

Não. A importação de partes da flor não estava autorizada desde o início, mas identificamos que era preciso explicitar. Então deixamos mais explícito, porque se não fosse assim, estaríamos autorizando a importação da planta em si. E não é esse o propósito. O objetivo era autorizar os produtos feitos através dela, no processo industrial. Setores que tinham o desejo de importar partes da planta conseguiram fazê-lo. Isso foi um alerta.

Alguma denúncia de desvio para fins ilícitos chegou à Anvisa?

Tivemos apenas a notificação que estavam chegando flores, mas não sabemos o uso que foi dado.

O seu mandato foi marcado pela pandemia, e a Anvisa chegou a ser criticada pela demora no aval a medicamentos, já que as atenções ficaram concentradas nas vacinas. As críticas são legítimas?

Reclamações quanto à lentidão na pandemia não chegaram ao nosso conhecimento. Mas a democracia prevê a livre manifestação, então não vejo nenhum problema. O mundo todo entendeu que era importante priorizar o enfrentamento da pandemia, né? Todas as agências fizeram assim.

A agência aprovou o uso de uma nova vacina contra a dengue. Como está o acompanhamento dos efeitos adversos?

Há um acompanhamento por vários atores, somos um deles. Não temos notícia de nada que me chame a atenção. Quando há, isso é trazido pessoalmente pelos diretores.

A Anvisa está rediscutindo a proibição de cigarros eletrônicos. Qual é o estágio do debate?

Os dispositivos eletrônicos para fumaça são proibidos. O que a agência está fazendo é revisar, atualizar seus próprios atos. O mundo é dinâmico, estamos sempre vendo se precisamos acrescentar ou cancelar alguma coisa em função da atualidade.

Um projeto de lei tratando da regulamentação foi apresentado no Senado. Isso pressiona a Anvisa?

Temos os nossos prazos e nosso ritmo, que é sempre o mais rápido possível em favor do interesse público. Nosso próximo passo é colocar em consulta pública. Eu sou o relator e entendo que a consulta deve ter um prazo que permita uma manifestação bem ampla, não um prazo curto. Vamos emitir o relatório, que será levado à votação pelo colegiado. O Legislativo, na sua soberana atuação, também tem seus prazos. As ações acontecem, mas elas não podem influenciar o trabalho que é pautado na ciência. 

Nós tivemos exemplos de quanto é importante resistir a pressões não pautadas na ciência. Quando morriam quatro mil pessoas por dia na pandemia, não deixamos de receber pressões. Estamos bem resilientes. Se pudéssemos já ter o processo concluído até o final do ano, seria o ideal, mas o período máximo de uma consulta pública é 120 dias. Se a minha equipe e eu entendermos que é razoável este prazo, vamos chegar ao fim do ano com o final da consulta pública.

E a recomposição de servidores? A falta de concursos para a Anvisa é uma reclamação do senhor.

Temos um número muito pequeno. Nós tínhamos 120 vagas autorizadas para esse ano, fomos contemplados com 50 vagas de nível superior que não resolvem o problema. As 120 não resolveriam também. Nós estamos nessa interlocução com o governo. A gente precisa ter um fluxo, porque vai aposentando gente. Era um desafio dos meus antecessores, é meu e será dos sucessores.

O mandato do senhor vai até dezembro de 2024, mas há um processo em andamento no Tribunal de Contas da União (TCU) que pode antecipar o fim dos mandatos de cinco presidentes de agências reguladoras, entre elas a Anvisa. Qual é a expectativa do senhor?

É de total tranquilidade. Eu entendo que o mandato seja, de fato, até dezembro de 2024. Mas nós somos completamente submissos à lei e vamos trabalhar intensamente até o último minuto, seja em dezembro de 2024 ou se o entendimento for outro.

Qual é a prioridade da Anvisa no ano que vem?

É a inspeção da Organização Mundial de Saúde (OMS). Caso o Brasil seja aprovado, a Anvisa será elevada à categoria 4 das autoridades regulatórias, que é o nível máximo. Aqueles itens regulados pela Anvisa, como medicamentos que forem aprovados, não precisarão de nenhuma outra avaliação para serem incluídos nos programas da OMS.


Fonte: O GLOBO