Comparação com outros medicamentos também encontrou mais casos de pancreatite e obstrução intestinal decorrentes dos análogos de GLP-1, ainda que raros

Medicamentos com mecanismo de atuação do Ozempic, que estão cada vez mais populares devido ao efeito na perda de peso, aumentam o risco de certos problemas gastrointestinais graves, incluindo a paralisia estomacal. É o que aponta um grande estudo publicado ontem na revista científica Journal of the American Medical Association (JAMA), uma das mais prestigiadas no mundo.

O trabalho analisou a classe de medicamentos chamada de agonistas do GLP-1 a partir dos princípios ativos semaglutida e liraglutida, que inclui as marcas Ozempic, Wegovy, Rybelsus e Saxenda – todas da farmacêutica Novo Nordisk e aprovadas para uso no Brasil pela Anvisa. O Mounjaro, da Eli Lilly, que foi autorizado recentemente pela agência sanitária, não fez parte do estudo, mas tem ação semelhante por ser também agonista do GLP-1.

Na análise, a taxa de efeitos colaterais graves foi comparada com uma outra classe de medicamentos utilizados para perda de peso, a bupropiona-naltrexona. Os resultados indicaram que os agonistas do GLP-1 são associados a um risco quatro vezes maior de paralisia estomacal, um risco nove vezes maior de pancreatite (inflamação do pâncreas) e um risco quatro vezes maior de obstrução intestinal.

Essas condições foram raras, porém podem causar hospitalização e necessidade de cirurgia, dependendo da gravidade. “Dado o uso generalizado desses medicamentos, esses efeitos adversos, embora raros, devem ser considerados pelos pacientes que consideram usá-los para perda de peso”, disse Mohit Sodhi, principal autor do estudo e pesquisador de medicina da Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá, em comunicado.

“A estimativa do risco irá variar dependendo se o paciente está usando esses medicamentos para diabetes, obesidade ou apenas para perda de peso geral”, acrescentou. “As pessoas que são saudáveis ​​podem estar menos dispostas a aceitar estes efeitos adversos potencialmente graves”.

Os agonistas do GLP-1, originalmente desenvolvidos para tratar o diabetes tipo 2, ganharam popularidade nos últimos anos como meio de perda de peso, especialmente com uso off-label (diferente daquele presente na bula). É o caso do Ozempic.

Já o Saxenda e o Wegovy foram aprovados diretamente para perda de peso no tratamento da obesidade. Os pesquisadores responsáveis pelo estudo, no entanto, apontam que os ensaios clínicos usados ​​para lhes dar o sinal verde envolveram poucos participantes e em pouco tempo de acompanhamento. Por isso, pode não ter detectado essas eventualidades muito raras, explicam.

Segundo o epidemiologista e coautor do trabalho na JAMA Mahyar Etminan, o novo estudo foi o primeiro a examinar a questão em maior escala. A análise incluiu pacientes com histórico recente de obesidade, mas excluiu aqueles com diabetes ou que receberam outro medicamento antidiabético.

Pouco mais de 5, 4 mil registros foram incluídos na análise final. — Os resultados deste estudo destacam a importância de os pacientes terem acesso a estes medicamentos apenas por meio de profissionais médicos de confiança e apenas com apoio e monitorização contínuos — enfatizou Simon Cork, professor sênior da Universidade Anglia Ruskin, no Reino Unido, que não participou na investigação.

O que o Ozempic faz para emagrecer?

A semaglutida, princípio ativo do Ozempic e do Wegovy, é uma substância que simula um hormônio do corpo chamado GLP-1, que atua em diversos receptores pelo organismo. No cérebro, ativa a sensação de saciedade. No estômago, reduz a velocidade da digestão da comida. Esses mecanismos fazem com que o indivíduo sinta menos fome e perca peso. É a mesma forma de ação da liraglutida, presente no Saxenda.

Por isso, os principais efeitos colaterais associados ao remédio nos estudos clínicos foram de fato os gastrointestinais, como náuseas, vômitos, diarreias, dores abdominais e constipação. No entanto, foram geralmente leves a moderados e de curta duração. Com base nos testes e na avaliação e autorização de agências reguladoras como a FDA, nos EUA, e Anvisa no Brasil, o fármaco foi considerado seguro.

Outras queixas, como as observadas no novo estudo da JAMA têm surgido durante o monitoramento contínuo após a comercialização. Porém, de forma rara, e os fármacos continuam aprovados para uso de acordo com as indicações terapêuticas presentes na bula: diabetes tipo (no caso do Ozempic) e obesidade (no caso do Wegovy e do Saxenda).


Fonte: O GLOBO