Thaís Medeiros, de 26 anos, teve danos cerebrais que médicos consideram permanentes após crise asmática desencadeada pelo odor vindo de um pote de pimenta-bode

Nesta terça-feira foram completados 8 meses desde que a rotina da família da trancista Thaís Medeiros, de 26 anos, mudou para sempre. Na tarde daquele dia 17 de fevereiro, ela, que vive em Goiânia (GO), havia viajado cerca de 60 quilômetros até a casa dos pais de um rapaz com quem vinha se relacionando há um tempo, em Anápolis, e tudo parecia normal naquele almoço, até o momento em que o aroma de um frasco de pimenta-bode acabou provocando uma reação asmática tão grave quanto rara e inesperada. Levada às pressas ao hospital, sem conseguir respirar, já deu entrada desfalecida e com um quadro de edema cerebral. Lutou durante dias pela vida e conseguiu sobreviver, mas os danos cerebrais, segundo os médicos, se tornaram irreversíveis.

Em entrevista ao GLOBO, os pais, Adriana Medeiros e Sérgio Medeiros, contam sobre os desafios enfrentados hoje, a dificuldade da família para conseguir arcar com os altos custos dos tratamentos em casa e, principalmente, sobre a fé de que a mulher, aos poucos, volte a recuperar a consciência, mesmo contra quase todos os prognósticos. O principal objetivo deles agora é conseguir colocá-la sob os cuidados de uma das unidades da Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação e contar com um serviço de homecare (supervisão médica em casa).

— Estamos cuidando dela em casa agora e posso dizer que foi uma das melhores coisas, porque ela melhorou bastante. Infelizmente, no hospital ela já não estava mais respondendo bem. Ela vem evoluindo aos pouquinhos. As despesas são muito grandes, os cuidados também são enormes, o cansaço vem, mas eu sigo firme na fé — conta a mãe. — Ela fica calma com a nossa presença, mas a gente não sabe se ela está lúcida. Ela está em coma-vigil, mas entende as filhas dela. Pisca e abre a boca para as filhas... ela está começando a fazer isso. Antes, ela não estava fazendo nada, então mesmo uma pequena coisinha já me deixa feliz. Para quem não ia sobreviver, já são 8 meses que ela está aqui com a gente.

Thaís deixou a UTI do Centro Estadual de Reabilitação e Readaptação Dr. Henrique Santillo (CRER Goiânia) às vésperas de seu aniversário, no dia 6 de setembro. A mãe afirma que houve uma troca de gestão na unidade e isso fez com que o tratamento da jovem acabasse sendo prejudicado. Desde então, os pais se dedicam exclusivamente à filha e às netinhas e estão sem trabalhar desde que tudo aconteceu. "Aqui em casa ninguém tem a carteira assinada", desabafou o pai. Adriana é cabeleireira e atendia os clientes em casa, junto com a filha, que oferecia serviço de tranças. Essa era a principal renda da família. Sérgio trabalha com comércio on-line. (Para ajudar com a doação de qualquer valor para o tratamento de Thaís, basta acessar este link)

— Tivemos que montar uma mini UTI em casa, toda equipada. Ainda temos o que conseguimos arrecadar da vaquinha, mas são muitos os gastos com as despesas de alimentação especial, remédios caros, e nós não trabalhamos mais, ficamos hoje totalmente em função dela e das filhinhas dela, a Antonela e a Valentina, de 8 e 7 anos, que moram com a gente e me dão toda a força que eu tenho. Ainda não conseguimos ajuda do governo, porque tudo tem um trâmite, uma demora. Não conseguimos ainda o auxílio do homecare no SUS, que seria muito importante pelo menos durante o dia — desabafa Adriana. — Mas o Brasil abraçou a minha menina e continua abraçando, e nós estamos aqui.

Thaís antes do incidente envolvendo o pote de pimenta: jovem sempre brincou com "paixão" por refrigerante — Foto: Arquivo pessoal

A rotina de cuidados com Thaís é registrada e compartilhada quase que diariamente por Adriana na sua redes social e, principalmente, no Instagram da filha, que tem mais de 180 mil seguidores. A prática tem ajudado a amenizar a dor da mãe.

Segundo eles, entre a adaptação que precisou ser feita no carro da família, montagem da estrutura da mini UTI no quarto, fraldas, alimentação especial e profissionais de saúde contratados, já foram contabilizadas despesas em torno de R$ 70 mil — e os valores não param de aumentar. Um novo site para arrecadar doações foi colocado no ar por eles, desta vez sem um prazo de encerramento previsto, e Sérgio se prepara também para voltar a abrir uma lojinha on-line da família, para vender produtos locais, ajudar nas despesas de casa e não depender apenas das doações.

— Estamos lutando para ver se conseguimos o homecare pelo SUS, que não sabemos quando vai sair, mas não podemos ficar esperando. Enquanto isso já temos as despesas com fisioterapeuta, de cerca de R$ 4 mil por mês, fonoaudióloga, cerca de R$ 3,5 mil, entre várias outras — acrescenta Sérgio. — E é com o dinheiro das vaquinhas ainda que estamos mantendo tudo aqui em casa. O tratamento dela, alimentação especial... em relação ao material médico, conseguimos algumas doações da prefeitura, mas o resto tivemos que comprar. Estamos aí na luta. Esta semana agora devo colocar a nossa lojinha no ar.

Família de Thaís montou uma lojinha on-line para arrecadar dinheiro que permitirá manutenção do tratamento da jovem — Foto: Reprodução

Emocionado, o pai agradece por toda a rede de solidariedade que tem ajudado a família desde que o caso aconteceu e gerou comoção em todo o país.

— É algo que não tem tamanho, não tenho como expressar tamanha gratidão... tanta gente ter abraçado a causa dela, estar junto da gente.... tem gente que liga e nos pergunta se estamos bem, precisando de alguma coisa. Somos muito gratos.

'Não vamos desistir': mãe relembra dia em que tudo aconteceu

Adriana relembra que Thaís já estava com uma crise asmática naquele dia, apresentava desconforto, mas resolveu ir para a casa da família do rapaz em Anápolis mesmo contra a vontade dos pais. Se sentia suficientemente bem para fazer a viagem. Ninguém podia imaginar, no entanto, o que aconteceria. Ela almoçava com o jovem e parentes dele, no momento em que começaram a falar sobre as pimentas que a mãe dele produzia e conservava em potes na cozinha; todos cheiraram a especiaria para sentir o aroma que vinha de dentro do pote, mas quando chegou na vez dela, ela imediatamente levou as mãos ao pescoço e começou a passar mal.

— Ela teve uma crise asmática, mas resolveu ir para Anápolis mesmo assim. Chegando lá, aconteceu esse incidente com a pimenta. Ela abriu o vidro, já estava com uma crise de asma, e quando sentiu o cheiro aconteceu tudo aquilo... teve uma parada cardiorrespiratória. Naquele dia, a gente tinha dito para ela não ir, porque se a casa fosse longe e ela tivesse uma crise mais grave, ela não conseguiria socorro a tempo — lamenta.

Mesmo com dificuldade, Thaís ainda estava consciente quando foi socorrida pela família do garoto e colocada no carro. Imagens de câmeras da casa mostram que ela ainda conseguiu se sentar no banco da frente do carro sozinha e que, desesperadamente, abriu o vidro do veículo, buscando ar. No caminho do hospital, em trajeto que durou cerca de 10 minutos, ela desmaiou.

— Eles estavam se conhecendo, não eram namorados, mas era a terceira vez que ela ia para a casa dele em Anápolis... foi uma fatalidade. Vida que segue — comenta a mãe de Thaís.

A cabeleireira reforça que acredita que, com algum tipo tratamento, a filha possa atingir novas melhoras e recuperar a consciência.

— Eu confio nos médicos, mas acredito em Deus primeiramente. Se fosse para a minha filha ter ido, ela teria ido naquele dia 17, mas graças a Deus ela está aqui. Não é fácil a batalha, eles dizem que é irreversível, mas recentemente me encontrei com dois grandes neurologistas que me reforçaram que minha filha precisa de reabilitação, que não poderia ficar numa cama de hospital sem se mexer. Tenho esperança e tenho fé. Estamos cuidando dela com todo o carinho, não vamos desistir. Eu tenho que tentar, enquanto ainda existir algum tipo de tratamento possível. Conheci dois casos de rapazes que conseguiram se reabilitar. Eu tenho fé que a nossa menina, nem que seja um pouquinho, vai melhorar. Estou colocando todas as minhas forças.

— É doído, mas eu estou tranquila porque tenho fé. Eu quero que Deus faça o melhor para ela. E eu sou muito grata a todo mundo que nos ajuda, todo mundo que tem demonstrado esse carinho — conclui.



Fonte: O GLOBO