Davi Silva passou por cima de problemas em comunidade no Rio para deixar o Chile com prata e bronze

Com duas medalhas, uma de prata e outra de bronze, Davi Silva, de 20 anos, deixa os Jogos Pan-Americanos de Santiago, no Chile, como o melhor atleta do Brasil no badminton. Foi à final com Fabrício Farias, na dupla masculina, e terceiro colocado com Sânia Lima, nas mistas. A modalidade, que se despediu da competição ontem, teve mais um bronze, conquistado pela dupla feminina Sânia e Juliana Vieira.

E Davi tem muito o que comemorar: há cerca de um ano na seleção permanente adulta, ele foi descoberto em um projeto social na Chacrinha, Zona Oeste do Rio. Driblava tiroteios na comunidade para chegar nas quadras do Miratus, que hoje atende cerca de 200 crianças. Ontem, o atleta lembrou do “corre” para não perder os treinos, a dedicação e o foco em um futuro melhor.

Davi Silva: na decisão da dupla masculina dos Jogos Pan-americanos de Santiago-2023 — Foto: Foto de Miriam Jeske/COB @miriamjeske

— Eu e meu irmão, a gente ia treinar debaixo de sol, de chuva, ou chuva de bala. Não tinha tempo ruim. Nem gosto muito de lembrar. Foi bem complicado, ainda é complicado porque tem o tráfico. Tenho pavor do que acontece lá dentro — disse Davi, que chegou a perder um amigo Luan Madeira na guerra do dia a dia.

Filho de Márcio, segurança, e Luciana, empregada doméstica, Davi é gêmeo de Deivid, também atleta da seleção de badminton, e irmão de Beatriz, de 23 anos, que trabalha em um caixa de supermercado, e de Daniel, de 14 anos, que joga futebol na categoria de base do Flamengo.

Crianças do projeto Miratus, na Chacrinha, Zona Oeste. — Foto: Arquivo pessoal

Incentivo dos pais

Ele e Deivid começaram juntos no projeto, uma iniciativa pessoal de Sebastião Dias de Oliveira, pai de Ygor Coelho, ouro em simples no Pan de Lima-2019, primeiro da história do país. Também revelou Lohaynny e Luana Vicente, duas irmãs gêmeas, que deram ao Brasil a primeira medalha no badminton feminino na história do Pan, 2015.

Deivid e Davi: irmãos começaram juntos no badminton em projeto social da Chacrinha — Foto: Arquivo pessoal

Segundo Davi, os pais, que ainda moram na comunidade e estão desempregados, sempre os incentivaram:

— Foi forma de ficar ocupado e sem fazer besteira — diz Davi, que conheceu o badminton na creche, quando tinha três anos: — E graças a Deus entrei no Miratus e pude ter algo para fazer, uma carreira, um futuro.

O projeto surgiu em 1998. Dos 13 atletas da seleção brasileira permanente, cinco são oriundos da Chacrinha. Os irmãos grandalhões são conhecidos na comunidade. Quando há uma folga na seleção, eles voltam para a casa. Davi diz que gosta de ficar com os amigos, soltar pipa, fazer churrasco e ir à praia.

Gigantes da Chacrinha: Davi Deivid, atletas do badminton — Foto: Arquivo pessoal

— Para um pai dizer isso, você pode imaginar... Eu prefiro que eles fiquem em São Paulo, com a seleção permanente, do que aqui. Eles desciam o morro para treinar embaixo de tiroteio mesmo. Hoje acontece isso com o menor, que está jogando futebol no Flamengo. 

Mas é o que eu falo para eles: eles podem mudar o futuro deles mesmo — diz o pai, que se diz orgulhoso da conquista de Davi: — Só a gente sabe o que ele fez para chegar aí. E logo no ano de estreia no adulto. Espero que Deivid também tenha essa chance. Os dois inspiram outras crianças do projeto.

Golias e miniatura

Davi Silva, e Sânia Lima, um golias e uma miniatura, ao lado dos medalhistas Juliana Vieira e Fabrício Farias, no Pan-americano de Santiago — Foto: Miriam Jeske/COB @miriamjeske

Davi, de 2,02m e conhecido como Golias, e Deivid, de 2,03m, jogavam em dupla, mas por estratégia técnica ele se juntou a Fabrício (masculina) e a Sânia (mista).

Segundo Davi, o fato dele também ter se destacado recentemente criou uma rusga na relação entre os irmãos mas agora eles “estão bem”.

Davi e Sânia, atleta de 1,50m, contam que a diferença de altura é boa para o jogo, ela fica à frente e ele, atrás. Ela “o cobre” para que ele faça os pontos atacando dos fundos.

— Até outras duplas se espantam, riem porque eu sou uma miniatura perto dele — destaca Sânia, que também foi descoberta e um projeto social, no Piauí (Joca).

A classificação olímpica do badminton acontecerá pelo ranking mundial. Serão 38 vagas para o simples e 16 para as duplas (em cada naipe). Hoje, Ygor e Juliana estão próximos da zona de classificação do individual e podem se beneficiar pelo limite de atletas por país nos Jogos de Paris-2024.

*A repórter viaja a convite da Panam


Fonte: O GLOBO