Relatório revela que rede formada por ministros, executivos e advogados saqueou a petrolífera venezuelana para comprar apartamentos em Caracas e Miami

Casas luxuosas, coberturas dignas de revistas e apartamentos dos sonhos em arranha-céus. A trama envolvendo ex-altos funcionários chavistas que saquearam US$ 2 bilhões (cerca de R$ 9,9 bilhões) da Petróleos de Venezuela, SA (PDVSA) se fez com um império imobiliário avaliado em US$ 52 milhões (R$ 260 milhões), que inclui 21 propriedades exclusivas, de acordo com um relatório confidencial da Unidade de Inteligência Financeira de Andorra (Uifand) ao qual o El País teve acesso.

A modelo que representou a Venezuela no concurso de miss Universo de 2007, Claudia Paola Suárez Fernández, foi favorecida pelo esquema. O empresário Luis Mariano Rodríguez Cabello, suposto laranja da rede, deu à rainha da beleza um apartamento de US$ 950 mil (quase R$ 5 milhões) no edifício Parque Residencial Campo de Oro, em Caracas, em 2010. O contrato de compra foi assinado pelo casal venezuelano proprietário do apartamento e por Suárez Fernández.

Claudia Paola Suárez é modelo e apresentadora da TV venezuelana, mas conhecida principalmente pela participação em concursos de beleza. De pais argentinos, ela nasceu na Venezuela. Morou na Argentina até ser convidada para virar modelo no país natal. Representou o estado de Mérida no concurso Miss Venezuela 2006, onde obteve as faixas Miss Elegância e Miss Mundo Venezuela. Com isso, pôde representar o país no Miss Mundo 2007, na China, onde ficou entre as 16 semifinalistas.

Suárez Fernández também foi finalista do concurso Miss Atlântico Internacional 2008, no Uruguai, e apresentou o entretenimento do Noticias Globovisión até 2017. Ela tem 36 anos e 1,79 metro de altura.

Como era o esquema

A rede formalizou a maior parte de seus investimentos enquanto saqueava a empresa de energia (2007-2012), conforme comunicado aos bancos pelo suposto "testa de ferro" da organização, o empresário Luis Mariano Rodríguez Cabello. Através de um grupo de empresas fantasma, ele comprou, de acordo com seu relato, 19 propriedades exclusivas na Venezuela entre 2008 e 2014, com preços variando entre US$ 304 mil e US$ 5,5 milhões.

Rodríguez Cabello utilizou o disfarce de sua rede de 11 contas no Banco Privado d'Andorra (BPA) — onde movimentou US$ 1,14 bilhão entre 2007 e 2015 — para ocultar o rastro do dinheiro que acabou sendo investido em imóveis, conforme o documento confidencial da Uifand, datado de novembro de 2022.

O edifício Campo Norte, em Caracas, era o preferido da rede. Através de uma intrincada trama corporativa, o grupo adquiriu pelo menos seis casas neste complexo entre 2008 e 2012. O apartamento mais caro custou US$ 5,5 milhões e foi adquirido através da empresa Inversiones y Asesorías Aditus CA.

O suposto líder da organização também recorreu a esta empresa para comprar, em 2011, no mesmo complexo residencial, um pacote imobiliário avaliado em US$ 7 milhões, composto por dois apartamentos e duas vagas de garagem, conforme comunicado por ele ao banco.

Além disso, o intermediário ordenou a partir de sua instituição financeira, a BPA, três transferências no valor de mais de US$ 5 milhões entre 2008 e 2012 para adquirir outros três apartamentos no edifício Campo Norte. Um deles foi adquirido por meio de uma transferência de US$ 1,5 milhões para uma conta na Suíça.

Rodríguez Cabello comunicou ao banco que um envio de US$ 3,3 milhões, em setembro de 2008, para uma conta do Wells Fargo nos EUA, estava relacionado à aquisição de escritórios na Venezuela do International Bank for Reconstruction and Development (IBRD), uma organização afiliada ao Banco Mundial que combate a pobreza. Este jornal tentou, sem sucesso, obter a versão do IBRD.

Em 2007, quando o saque da empresa de energia venezuelana começou, ele também teria comprado quatro escritórios no valor de US$ 2,5 milhões no oitavo andar do edifício Torre Edicampo, em Caracas. A transação foi realizada por meio de uma transferência para a empresa Interquimica Ltd no Safra National Bank, de Nova York.

Rodríguez Cabello também informou ao banco que adquiriu em janeiro de 2008 um apartamento no edifício Villa Lucía de Caracas por US$ 629 mil. No contrato de compra, ele apareceu ao lado da venezuelana de origem espanhola Estíbaliz Basoa. Além disso, por meio da empresa Inversiones Powerball 550 CA, ele comprou uma cobertura por US$ 750 mil em outro complexo residencial da capital venezuelana em maio de 2009.

O rastreamento das transações também revela como os saqueadores da empresa pública compraram, em junho de 2009, um apartamento por US$ 600 mil no Edifício Residencias Torre Mar, em Caracas. Eles adquiriram outra propriedade por US$ 2,2 milhões no complexo Peña Blanca da capital. A transação foi realizada em setembro de 2012 através da empresa Inversiones y Asesorías Belloto.

Rodríguez Cabello não apenas usou sua complexa estrutura financeira em Andorra, um país que manteve o sigilo bancário até 2017, para adquirir propriedades de luxo. Ele também recorreu a essa rede financeira para receber fundos da venda de imóveis. Assim, ele recebeu US$ 1,7 milhões em dezembro de 2008 pela venda de um escritório na Torre JWM em Chacao, Caracas. Três meses depois, ele recebeu US$ 1,2 milhão de uma conta no Deutsche Bank, nos Países Baixos, pela venda de outro escritório no mesmo complexo administrativo.

Comprar propriedades para terceiros foi outra das práticas. Supostamente, Rodríguez Cabello adquiriu uma casa para uma mulher em agosto de 2009. "Estou anexando a ordem de transferência de US$ 500 mil para a compra de um apartamento com uma vaga de garagem para a Sra. Silvia F. na Argentina", explicou em um e-mail a um funcionário do BPA.

A artimanha também foi usada para presentear, em 2010, um apartamento no valor de US$ 950 mil no edifício Parque Residencial Campo de Oro, em Caracas, à modelo que representou a Venezuela no concurso Miss Mundo de 2007, Claudia Paola Suárez Fernández, conforme revelado pelo jornal.

O próximo investimento da rede que saqueou a PDVSA leva ao arranha-céu One Thousand Museum, em Miami. Este é um feito arquitetônico com 216 metros de altura, estilo futurista, projetado pela arquiteta iraniana Zaha Hadid. O edifício tem um heliporto, elevadores de vidro e um centro aquático de última geração. Comprar um dos cem apartamentos lá custa até US$ 20 milhões. A rede adquiriu mais de US$ 21 milhões em propriedades neste arranha-céu de Miami, que também chamou a atenção de celebridades como David Beckham.

Por meio de comissões de 10% para empresas chinesas que posteriormente recebiam contratos da PDVSA, a rede acumulou uma fortuna substancial, que foi escondida por meio de cerca de 30 empresas estabelecidas em paraísos fiscais, como Suíça e Belize.

Os ex-funcionários, que incluíam membros de alto escalão do início do chavismo, como os ex-vice-ministros de Energia da Venezuela Nervis Villalobos e Javier Alvarado, ocultaram suas comissões milionárias sob o pretexto de serviços de assessoria e consultoria que, segundo os investigadores, não foram realizados.

Desde 2015, um tribunal em Andorra tem investigado a intricada trama. Uma juíza deste pequeno principado processou o empresário Diego Salazar por lavagem de dinheiro em uma instituição bancária em 2018. Diego Salazar é primo do ex-ministro das Relações Exteriores da Venezuela, Rafael Ramírez.

Junto com ele, também enfrentam acusações em Andorra (onde a rede movimentou US$ 2 bilhões entre 2007 e 2012) o executivo da petrolífera Francisco Jiménez Villarroel; o ex-advogado da empresa Luis Carlos de León Pérez; o magnata venezuelano dos seguros, Omar Farías; o "testa de ferro" de Salazar, Luis Mariano Rodríguez Cabello; e o advogado de Salazar, José Luis Zabala.

Paralelamente, a Justiça andorrana também processou em 2018 cerca de uma dezena de ex-executivos do Banco Privado d'Andorra, a instituição financeira escolhida pela rede corrupta para ocultar seu espólio. O BPA sofreu uma intervenção em março de 2015 devido às suspeitas de que atuava como uma lavadora de dinheiro para grupos criminosos.


Fonte: O GLOBO