Pesquisador da FGV afirma que os países emergentes sofrem mais diante do peso grande da agricultura e da maior dependência da chuva para gerar energia

O fenômeno climático que mais tem pesado sobre a economia brasileira é a seca, apontou estudo de Bráulio Borges, economista da LCA Consultores e pesquisador do FGV Ibre em novembro de 2021. Ele estimou que o impacto de estiagens na agropecuária e nas hidrelétricas tirou 1,6 ponto percentual do crescimento do PIB entre 2012 e 2021.

Em entrevista ao GLOBO, Borges diz que mudanças na matriz elétrica e as características dos fenômenos provocados pelo El Niño tendem a causar menos danos à economia neste ano.

Como mudanças climáticas afetam a economia?

Há pelo menos dois tipos de impactos negativos. Um é o próprio aquecimento global. Há vários trabalhos, publicados no FMI, no Banco Mundial, em revistas acadêmicas, documentando que o aumento da temperatura global tem impacto negativo sobre a atividade econômica, sobre a inflação. Diminui a produtividade das pessoas, aumentam o custo com ar-condicionado, com energia, e a incidência de mortes por incêndios.

E tem a questão das precipitações, nos dois lados. Falta e excesso de chuva são ruins, embora tenha uma assimetria. A seca tem impacto muito mais negativo.

Para as economias em geral, mas, principalmente, para as emergentes, onde ainda há um peso grande da agricultura e maior dependência da chuva para gerar energia. Essa dependência de hidroeletricidade do Brasil também acontece em muitos países da América Latina.

O impacto negativo da estiagem entre 2012 e 2021 ocorreu mais por causa da agropecuária ou do setor elétrico?

O peso do setor elétrico do Brasil é pequeno (no PIB), mas temos que lembrar que a eletricidade está em tudo. A principal consequência daquela estiagem crônica que tivemos entre 2012 a 2021 foi que o preço da eletricidade disparou. Encareceu o custo industrial, gerou inflação, o Banco Central (BC) teve que reagir a isso (subindo os juros, para esfriar a atividade econômica).

Qual a diferença para os eventos climáticos deste ano?

Há duas coisas acontecendo neste momento no mundo. Temos essa tendência de aquecimento global, que já vem há 150 anos, e toda a agenda de mitigação e transição energética, para limitar esse aumento de temperatura.

E, neste ano em particular, o El Niño está amplificando isso. Tem até uma discussão se a frequência de ocorrência dele está ficando maior por conta das mudanças climáticas, mas o fato é que, neste ano, tínhamos uma tendência de aquecimento e vem o El Niño.

Independentemente do aquecimento global, o El Niño gera, no Brasil, mais chuva no Sul, seca no Norte e no Nordeste e aumento da temperatura em boa parte do país.

Qual o efeito do El Niño para a economia?

Felizmente, no caso brasileiro, o El Niño vem num contexto muito diferente daquele que foi lá em 2015 e 2016, quando tivemos outro. Felizmente porque ele chegou com os nossos reservatórios de geração de eletricidade cheios. Choveu razoavelmente bem em 2022 e 2023. E nossa economia, entre 2015 e 2016 era muito mais dependente de chuvas. A nossa matriz elétrica mudou muito neste período.

Em 2000 ou 2001, antes do apagão, tínhamos 90% da eletricidade vindos de hidrelétrica. Entre 2011 e 2012, antes de começar a estiagem crônica, era 70%. Hoje, está em torno de 55%, pouco menos de 60%.

Ainda é alto, na comparação mundial, mas já mudou muito. Então, tivemos um período de chuvas próximas da média histórica, em 2022 e 2023, que contribuiu para encher os reservatórios, e, em paralelo a isso, teve essa adaptação da nossa matriz elétrica.

E o efeito na agropecuária?

No agronegócio teve alguma adaptação, com um aumento da irrigação. É algo mais previsível do que a chuva. Temos algumas estatísticas mostrando que o percentual de lavouras irrigadas cresceu, mas o percentual de terras irrigadas no Brasil ainda é pequeno, numa ampla comparação internacional.

A vulnerabilidade da economia brasileira ao clima está resolvida?

Não dá para dizer que está totalmente resolvida, mas acho que estamos caminhando rapidamente para superar isso. A CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica) solta um relatório bem extenso com projeções para os níveis dos reservatórios brasileiros.

No cenário base deles, projetam que os reservatórios vão chegar em meados do ano que vem com 85% de armazenagem, que é mais ou menos do que estavam agora em maio deste ano, no fim do período chuvoso.

E, mesmo num cenário em que as chuvas seriam bem menores que no cenário de maior probabilidade, chegaríamos ao ano que vem com níveis de armazenagem muito superior ao do fim de 2021, quando quase tivemos que fazer um racionamento.

Estamos caminhando para superar a vulnerabilidade por causa de investimentos em geração eólica e solar?

Exatamente. O que já temos contratado de novos investimentos em parques eólicos e solar significa dizer que esse 55% que eu citei de peso de hidrelétrica na capacidade de geração no Brasil vai continuar caindo.

A vulnerabilidade da agropecuária também diminuiu?

Olhando para a frente, nas mudanças climáticas, tendo a me preocupar cada vez menos com o impacto disso no setor elétrico brasileiro, mas acho que, no agronegócio, a adaptação evoluiu muito pouco. Vamos lembrar que o agronegócio, considerando a agroindústria e serviços, responde por quase um quarto do PIB brasileiro.

A adaptação do agronegócio a esse cenário de mais incerteza e de menos disponibilidade de chuvas tem sido muito lenta. É um setor que continua muito vulnerável.

Precisamos de uma política pública para, talvez, avançar mais rapidamente. Por exemplo, um mapeamento das reservas subterrâneas de água no Brasil, para estimular, de alguma maneira, a adoção de irrigação.

Os preços das commodities agrícolas estão em queda. Como o clima afeta isso?

São várias possibilidades de inter-relação. Suponha, num exemplo teórico, que o El Niño gere uma alta substancial de preço da soja no mundo. E suponha que o Brasil tenha soja para ofertar no mercado mundial. O que que vai acontecer? A gente vai se beneficiar desse El Niño. Se o preço sobe no mercado internacional, e a nossa produção não é afetada, quer dizer que vamos ter produto para vender por um preço mais caro.

Agora, essa lógica não necessariamente acontece, e não necessariamente acontece com todos os produtos. Tem alguns produtos, por exemplo, que o El Niño pode fazer com que o preço suba porque a oferta cai. Então, a receita, que é preço vezes quantidade, não necessariamente vai subir.

É muito difícil saber qual que é o impacto que o El Niño tem na renda agrícola no Brasil. Isso é muito mais evidente na Argentina. O El Niño vai ajudar muito a safra agrícola argentina em 2023-2024. Justamente porque faz chover mais, no Sul do Brasil, no Uruguai e na Argentina. Com isso, a safra argentina no ano que vem deve ter um crescimento assombroso.

Este ano, teve seca severa na Argentina. Foi uma quebra de safra espetacular. Mas, no ano que vem, seja por uma normalização, seja por conta do El Niño, a safra argentina vai crescer perto de 70%. E a Argentina é um grande exportador global. Então, no ano que vem, os preços de grãos devem continuar caindo, porque a oferta global vai crescer. Isso reforça um pouco que esse mini-boom de commodities, que tanto beneficiou o Brasil, de 2020 a 2023, está acabando. Essa festa está acabando.


Fonte: O GLOBO