Masaomi Iyo, neuropsiquiatra japonês, alerta que a pressão pelo sucesso permanente e pela produtividade no trabalho é um fardo cada vez maior para a saúde mental dos jovens
Masaomi Iyo, neuropsiquiatra da Universidade de Chiba (Japão), não gosta muito de Haruki Murakami, um dos principais autores japoneses. “Às vezes parece literatura para adolescentes”, diz ele. Iyo falou esta semana, em uma conferência no hospital Bellvitge, na Universidade de Barcelona, sobre os jovens, suas dificuldades e os transtornos mentais que surgem cada vez mais. Especialista em saúde mental, ele alerta que os “hikikomori”, como são chamados os jovens japoneses que se isolam da sociedade durante meses ou anos no quarto, se tornarão cada vez mais comuns em todos os lugares.
—Eles não são personagens fictícios. Eles são muito reais e vivem numa sociedade cada vez mais individualista — afirma.
O que leva um jovem ao confinamento solitário?
Fatores diferentes. Alguns sofrem de distúrbios sociais de base, outros sofrem de depressão ou têm um entorno desestruturado. Existe uma carga genética, mas as coisas mudaram muito em pouco tempo e não é fácil se adaptar a essa transformação.
O que mudou?
Principalmente o mercado de trabalho e os valores sociais. A situação econômica e o acesso ao trabalho são um problema para os jovens: a pressão pela produtividade é sufocante e lhes falta estabilidade. Isto cria um clima de insegurança que os afeta. Antes, as empresas faziam um contrato com você e você ficava lá o resto da vida com mais ou menos dificuldades; agora você acaba indo embora porque não aguenta mais.
Estudos atribuem um em cada cinco casos de depressão ao estresse no trabalho.
É que exigimos dos jovens que tenham sempre sucesso e não permitimos que falhem. Não entrar na melhor universidade, por exemplo, pode ser uma grande decepção. É tudo pressão. No Japão, as horas de trabalho foram reduzidas e o estresse deveria ser menor, mas não foi o que aconteceu . A instabilidade está aumentando e os jovens não veem futuro.
O que devemos oferecer a eles?
Um sistema de apoio para aqueles que falham e que permita que cometam erros. As empresas devem permitir erros.
A sociedade está se tornando mais individualista?
Sim. As pessoas crescem cada vez mais com esses valores. É também característico do êxodo rural para as cidades. Nas cidades acontecem mais coisas, mas estamos mais sozinhos. Nas zonas rurais há sempre uma família por perto, alguém a quem recorrer ou uma comunidade. As crianças estão agora mais sozinhas do que antes nas cidades. Avós, tios ou primos muitas vezes estão ausentes. E isso cobra um preço. Nós nos comunicamos cada vez menos.
O que foi perdido neste processo?
O suporte. Se os pais trabalham, quem cuida dos filhos? Tudo isso leva ao isolamento e, quando há algum distúrbio, um dos piores casos é o hikikomori.
Como são tratados esses casos?
Existem muitos tipos de situações. Alguns recebem profissionais psiquiátricos que vão até suas casas por uma ou duas horas por semana, mas muitos deles não querem ajuda. Conversamos com eles pela porta para tentar ganhar sua confiança, mas não respondem. É difícil. Às vezes só fazemos o primeiro contato um ano depois. O que queremos é que expressem o seu desconforto e sejam ouvidos.
Quando vai ser encontrada uma solução?
Depende de cada um, mas talvez daqui a dois ou três anos. O governo japonês criou um sistema de ajuda, mas nem sempre é um sucesso.
O que as famílias devem fazer?
Esperar, nunca os repreender pela situação. Apoiá-los e não criticá-los por terem chegado tão longe.
Os hikikomoris estão se espalhando?
Sim, é um fenômeno cada vez mais global.
Que influência os videogames e as telas tiveram no isolamento?
Eu não diria que é um fator chave. É verdade que na escola e nos clubes esportivos (que costumam ser frequentados por jovens no Japão) têm um professor que se ocupa deles e quando chegam em casa começam a jogar videogame. Mas o hikikomori existia antes da internet. A diferença é que agora eles podem se comunicar com as pessoas pela rede.
No Ocidente, cada vez mais esforços estão sendo feitos para afastar os celulares e as telas das crianças mais novas.
Depois da Covid, o uso da tecnologia acelerou e é verdade que houve um pico de casos clínicos. Mas não podemos atribuir tudo à tecnologia. O crescimento do fenômeno hikikomori tem sido gradual.
Como será daqui a 50 anos?
Terá aumentado. As pessoas que sofrem com isso podem viver muitos anos e até ganhar dinheiro com a tecnologia. E o individualismo também crescerá. Com a pandemia houve um grave problema de comunicação devido à falta de contato e ao uso da máscara. Isso trouxe à tona o sofrimento dos jovens. Não sabemos claramente os motivos, mas os fatos são estes.
Foi dito que sairíamos mais fortes.
(Risos) No Japão também. Estamos acostumados com infortúnios lá. Se não for uma pandemia, é um terremoto e, se não for, um tsunami. A verdade é que acho que estamos na mesma e ninguém ficou mais forte. No máximo melhoraram alguns projetos públicos, nada mais.
Educamos os jovens para terem sucesso ou para serem felizes?
As pessoas geralmente pensam que ter dinheiro é a melhor coisa da vida.
Fonte: O GLOBO
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