Número de detentos que alcançaram a remição cresceu; apenas 11 das 27 unidades da federação declaram ter capacidade para implantação de bibliotecas nos presídios

Uma pesquisa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostra que, em 2023, 31,5% dos presos conseguiram reduzir dias de pena por meio da leitura, a chamada remição. O levantamento mostra que, apesar do crescimento nos anos recentes, ainda há entraves: apenas 11 das 27 unidades da federação declaram ter estrutura para implantação de bibliotecas nos presídios. O Censo Nacional de Práticas de Leitura no Sistema Prisional será apresentado nesta quinta-feira na Biblioteca Nacional.

Por lei, a remição permite que quatro dias de pena sejam reduzidos para cada obra lida, com um limite anual de 12 livros, o que totaliza uma possível redução de até 48 dias de pena por ano com a leitura. A leitura de qualquer livro de literatura emprestado da biblioteca da unidade prisional, por exemplo, poderá significar menos tempo de pena a cumprir.

As pessoas presas contam com esse direito desde 2021, quando a Lei de Execução Penal foi atualizada para passar a permitir que a educação – e não apenas o trabalho – também pudesse ser revertido em menos dias de condenação a cumprir. Em 2019, quando ainda não havia legislação, mas a remição já era aplicada em determinadas varas pelo país, o índice de presos que alcançaram o direito foi de 2,6%.

De acordo com o censo, 53% das pessoas privadas de liberdade possuem apenas o ensino fundamental incompleto ou são analfabetas. 
Para o levantamento, foram consultadas todas as 1.347 unidades prisionais com um universo de 656.725 pessoas presas. As unidades penitenciárias federais não aderiram à pesquisa.

Segundo a pesquisa, embora seja uma parcela ainda minoritária da população prisional, os números de presos que conseguem reduzir suas penas através da leitura vêm subindo com políticas articuladas pelo Judiciário e pelo Executivo nos últimos anos.

Um dos exemplos destacados pelo levantamento é a Resolução CNJ 391/2021, com procedimentos e diretrizes a serem observados pelo Poder Judiciário para o reconhecimento do direito à remição de pena por meio de práticas sociais educativas. Em 2019, o percentual era de 2,6%, e em 2015, de 0,6%.

O censo mostra que 78.5% das unidades com bibliotecas afirmaram não ter restrições de acesso às bibliotecas, contra 21.5% que disseram ter restrições, que incluem o empréstimo exclusivo de livros, acesso condicionado ao comportamento e restrições baseadas em participação em projetos.

Foram identificadas restrições ao conteúdo do acervo bibliográfico em 39.3% das unidades com bibliotecas, sendo os principais motivos violência e apologia ao crime ou pornografia.

Os dados também mostram que as mulheres presas consomem um volume muito maior de livros do que os homens. A média de obras por pessoa é menor nos estabelecimentos masculinos. A média é de 8.4 no feminino, 2.1 no masculino e 3.2 nos mistos.

Para conseguir o benefício da redução da pena, a pessoa presa deve apresentar um relatório de leitura que será remetido à Vara de Execuções Penais (VEP) ou Comissão de Validação instituída pela VEP. Via de regra, são os juízes responsáveis pelas varas de execução que examinam esses relatórios, com o intuito de comprovar que os livros foram de fato lidos.

Titular da Vara de Execuções Penais da Comarca de Mossoró, no Rio Grande do Norte, a juíza Cinthia Cibele Diniz é coordenadora do projeto "Círculos de Leitura e Escrita", que funciona no Complexo Penal Estadual Agrícola Mário Negócio. Ela observa que, ainda que muitos presos sejam atraídos para a leitura pela "recompensa" da diminuição da pena, o que inicialmente era uma obrigação acaba gerando novos leitores.

— É bem verdade que muitos são atraídos inicialmente pela “recompensa” da diminuição de pena. Todavia, observamos que esse estímulo à leitura, ainda que com as nossas limitações de acervo bibliográfico, vem despertando interesse cada vez mais crescente de pessoas no seguimento dessas práticas mesmo depois da superação do cárcere — contou ao GLOBO.

A magistrada explica que a ação social educativa no cárcere está fazendo gerar uma demanda fora dos presídios, quando as pessoas são colocadas em liberdade e passam a ter a condição de "egressos"

— Muitos desejam dar seguimento a essa prática, ter acesso ao livro, fazer os relatórios de leitura. Como é uma região longínqua e esquecida, temos alguns “arranjos” que vem dando resultados na área da educação. Nem eu mesma acreditava mais e hoje é uma causa muito cara para mim — diz.

Ao GLOBO, o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do CNJ, órgão responsável pela elaboração do censo, ressaltou o impacto de direitos como a remição de pena pela leitura para a melhoria do sistema penitenciário.

— É preciso esclarecer à sociedade que o ambiente desumano do sistema carcerário realimenta a criminalidade e amplia a violência no país. Portanto, melhorar o sistema prisional justifica-se não apenas pela necessidade de assegurar a dignidade dos presos, mas também para garantir a proteção da sociedade — afirmou.

Para Barroso, todas as iniciativas de educação e leitura envolvendo os presos são benéficas também para a sociedade.

A possibilidade da redução do tempo de pena pela leitura se relaciona com o que foi determinado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no início do mês, quando a Corte declarou o "estado de coisas inconstitucional" nos presídios, com uma "violação massiva de direitos fundamentais dos presos". Na decisão, os ministros deram seis meses para que o governo federal elabore um plano para melhorar as condições do sistema penitenciário brasileiro.

Após a homologação pelo STF, os estados e o Distrito Federal terão mais seis meses para entregarem seus respectivos planos, que também terão que ser homologados pela Corte. Esses planos terão que conter medidas que superem, em três anos, o cenário atual. Também deverão trazer indicadores que permitam acompanhar sua implementação.


Fonte: O GLOBO