Indicados para STF e PGR já se manifestaram sobre questões que podem ser exploradas em sabatinas no Senado

Com um longo currículo no serviço público, os indicados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino, e para o comando da Procuradoria-Geral da República (PGR), Paulo Gonet, já se pronunciaram sobre diversos temas polêmicos, como descriminalização do aborto, ativismo judicial e a forma de combate às fake news.

Em algum deles, como na questão das cotas para negros, eles divergem, enquanto têm opiniões convergentes sobre as discussões envolvendo fake news e ao condenar de forma veemente os atos golpistas de 8 de janeiro.

Os temas devem ser explorados nas sabatinas que os dois serão submetidos na Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) do Senado Federal, quando parlamentares tentam extrair compromissos e posicionamentos dos indicados.

Veja o que cada um já disse:

Aborto

No ano passado, pouco antes do período eleitoral, Dino afirmou ser “filosoficamente” contra o aborto e defendeu que a legislação atual não seja alterada.

— Eu sou filosoficamente, doutrinariamente, contra o aborto, e acho que a legislação brasileira não deve ser mexida nesse aspecto — afirmou, em entrevista ao jornal Valor Econômico em abril de 2022.

Caso seja confirmado ministro do STF, ele herdará a relatoria de uma ação que discute a descriminalização do aborto. Entretanto, ele não poderá votar nesse caso porque sua antecessora, Rosa Weber, já apresentou sua posição.

A posição de Dino vai na contramão de Gonet. Em 2011, o indicado a comandar o Ministério Público Federal publicou um artigo intitulado “Proteção do Direito à Vida: A Questão do Aborto”, em que se posiciona contra a descriminalização do aborto uma vez que, para ele, não há amparo na Constituição para que a prática possa ser realizada.

“Se firmamos que o ainda não nascido é um ser humano que se encontra no início do seu desenvolvimento natural, não lhe pode ser negada a proteção jurídica que resulta da opção constitucional por um Estado Democrático de Direito fundado no princípio da dignidade da pessoa humana”, disse.

De acordo com o Código Penal Brasileiro, o aborto é crime com pena de 1 a 3 anos de prisão. No entanto, a lei brasileira prevê exceções para os casos em que a gravidez é considerada ilegal. As hipóteses em que o aborto não é crime no Brasil são as seguintes: gravidez resultante de estupro, gravidez que coloca em risco a vida da gestante e gravidez de feto anencéfalo.

Fake news

Como ministro da Justiça, Flávio Dino defendeu a aprovação do chamado PL das Fake News, projeto que prevê regras para a atividade das empresas de tecnologia no país. Ele afirma que o objetivo é impedir crimes, e não limitar a liberdade de expressão.

— A regulação não se refere especificamente a conteúdo, não haverá uma espécie de censor universal. Teremos o que já acontece hoje, de modo aprimorado, ampliado. Não vai tolher a pessoa de dizer “eu não gosto do Botafogo”. 

A pessoa vai continuar a poder dizer que não gosta do Botafogo. Ela não poderá dizer “eu não gosto do Botafogo e por isso vou assassinar todos os jogadores do Botafogo”, porque isso é crime. Estou dando um exemplo simples, mas que ilustra como as fronteiras são muito nítidas — declarou, no evento "E agora, Brasil?”, evento promovido pelo jornal O GLOBO e pelo Valor Econômico.

No posto de vice-procurador-geral eleitoral, que ocupa atualmente, Gonet deu uma série de entrevistas sobre o tema das fake news, que permearam as eleições de 2022. Em seus posicionamentos, manifestou preocupação e ressaltou a importância de medidas tomadas pelo poder público.

"Fake news não são a mesma coisa que opinião sobre fatos. Tem a ver com a difusão maliciosa de notícias que não são verdadeiras. Opiniões com as quais eu não concordo sobre fatos que a realidade apresenta não são fake news", disse Gonet em 2021.

Ainda segundo o subprocurador, é preciso que haja regulação: "O acompanhamento das redes sociais é uma necessidade, e elas próprias estão imbuídas desse espírito de que têm que ter um mínimo de governança para evitar que o eleitor fique mistificado por dados que não são próprios. O grande problema das redes sociais está nos algoritmos. As redes sociais têm interesses econômicos, os algoritmos fazem com que você receba informações que são colhidas por essas redes sociais a partir das preferências que você revela quando você atua dentro dessas redes".

8 de janeiro

Desde os atos golpistas do dia 8 de janeiro, Dino, como ministro da Justiça, foi um dos integrantes do governo a repudiar de forma mais enfática o episódio. Ele já afirmou que houve um "itinerário de golpe de Estado", com a "máxima gravidade que o Direito Penal".

— Desde os eventos do segundo turno da eleição, onde explicitamente houve uma tentativa de interferência indevida na eleição, estamos com um quebra-cabeça. A figura hoje está quase completa e mostra um itinerário de golpe de Estado que deságua no 8 de janeiro, mas que teve várias etapas. Então, quão grave é? É a máxima gravidade que o Direito Penal tem. É gravíssimo. Rompe a institucionalidade que é premissa para todos os direitos — afirmou, em setembro.

Ainda no dia 8, o ministro afirmou que a "responsabilidade política" do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) era "inequívoca", mas que ainda seria necessário discutir a "responsabilidade jurídica".

Como vice-procurador-geral eleitoral, Paulo Gonet não atuou diretamente nos casos criminais relacionados ao 8 de janeiro. Entretanto, ao defender a inelegibilidade de Bolsonaro no caso da reunião com embaixadores, o subprocurador afirmou que houve uma "inédita mobilização de parcelas da população que rejeitavam aberta e publicamente o resultado das eleições", e ressaltou que "estão ainda muito presentes e nítidas as imagens do dia 8 de janeiro último de destruição e de acintosa violência dos Poderes constituídos".

Gonet ressaltou, contudo, que seu parecer não analisou os fatos do ponto de vista criminal, mas estritamente eleitoral, e disse que seu posicionamento não vincula as ações de Bolsonaro naquela ocasião aos atos golpistas de 8 de janeiro.

Ativismo judicial

Em artigo publicado no livro "Ativismo judicial e efetividade de direitos fundamentais", Gonet discorre sobre o conceito de "ativismo judicial", termo frequentemente usado para criticar a atividade do STF em decisões consideradas polêmicas ou que tratam de temas em discussão em outros poderes. Para ele, é preciso ter cautela ao empregar o termo "ativismo" apenas quando há decisões que saem do "esperado".

"Vale o reparo de que as críticas que se fazem a decisões do STF como ativistas, como destoantes do princípio da separação de poderes, carecem tantas vezes de uma exposição clara do parâmetro técnico adotado para estimar quando uma deliberação judicial escapa do seu domínio próprio", aponta.

"Dizer que é ativista uma decisão que destoa do esperado num sistema com separação de poderes é o mesmo que apenas iniciar o exame do problema, já que se requer o passo seguinte, nem sempre dado, de se definir o sistema de separação de poderes de que se está cogitando", ressalta.

Já Dino, quando era deputado federal, em 2008, afirmou à revista Época que o STF por vezes excedia suas atribuições.

— Há votos que parecem leis, normatizando o futuro com múltiplos parágrafos, incisos e alíneas, entretanto com um grave defeito: não são frutos de um processo legislativo — disse na ocasião.

O então deputado afirmou que era preciso “encontrar um meio-termo, no qual o Judiciário tenha protagonismo, porém deixe uma margem livre para o exercício razoável da política e valorize as opções legislativas ou governamentais.

Mandatos para ministros do Supremo

Ainda quando era deputado federal, em 2009, Dino sugeriu, por meio de uma proposta de pmenda à Constituição (PEC), a imposição de mandatos de 11 anos para ministros do STF. Em outubro deste ano, já como ministro da Justiça, ele voltou a defender a ideia:

— Defendi (em 2009) e defendo até hoje. Acho que esse é um modelo bom. É um modelo que a Europa pratica — afirmou, em entrevista à GloboNews. — Seria para os novos ministros. Um mandato acho adequado porque ele percorre três (mandatos de) presidente da República.

Cotas para negros

Como governador do Maranhão, Dino sancionou, em 2015, lei que destina 20% de vagas nos concursos públicos estaduais para negros. Anos antes, afirmou que “as cotas ajudam a superar a desigualdade no acesso à produção e circulação do conhecimento, quebrando privilégios de classe”.

O posicionamento público de Gonet sobre o tema é datado de 2002, antes da implementação da política de cotas no Brasil. Em um artigo intitulado “Ação Afirmativa e Direito Constitucional”, o subprocurador-geral aborda o conceito de "discriminação reversa", sob a perspectiva da experiência de outros países.

Para ele, "a discriminação reversa deve-se revestir de uma índole compensatória e não meramente garantir uma repartição de bens, sem levar em conta ouso da liberdade das pessoas e o esforço e mérito de cada um".

"Avaliadas sob o teste do princípio da proporcionalidade, as medidas de discriminação reversa devem ser adequadas para superar os obstáculos que o preconceito gerou para o grupo. Para isso devem-se dirigir a propiciar condições de acesso a bens e serviços que a discriminação vedou. Devem ter em mira o restabelecimento de uma igualdade de oportunidades tão efetiva quanto possível", sugeria, à época.

Descriminalização das drogas

Em novembro do ano passado, durante o período de transição de governo, Dino afirmou que não há “condições sociais e institucionais” para realizar a descriminalização das drogas no Brasil. Segundo ele, a maioria da sociedade brasileira se opõe a essa pauta, que é defendida por setores da esquerda e dentro do atual governo.

“Eu sou contra as drogas como princípio. Acho que, nesse momento, nem o Supremo conseguiu formar maioria para levar o julgamento adiante. A maioria da sociedade brasileira é contra a chamada descriminalização. Nós temos que levar isso em conta. Você não faz política pública contra a sociedade. Nós não temos hoje condições sociais e institucionais para descriminalizar drogas e, certamente, isso não vai ocorrer nos próximos anos”, disse, em entrevista à BBC Brasil.

Quarentena para juízes e procuradores

O indicado para comandar a PGR também já fez ressalvas a uma proposta em discussão no Congresso que prevê quarentena de quatro anos para juízes, policiais e membros do Ministério Público se candidatarem a cargos públicos. Na avaliação do subprocurador, para que essas medidas de quarentena sejam legítimas, "é preciso que haja um juízo de ponderação bem estrito e bem cuidado das vantagens e das desvantagens que elas impõem e das expectativas que se têm com essas quarentenas".

"Se for optar por impor uma quarentena, que ela seja razoável. Não se deve pôr restrição à participação política de cidadãos que não seja aquela estritamente necessária para o bom funcionamento do processo eleitoral", disse, em entrevista ao site Conjur em 2021

De acordo com ele, "é preciso ter sempre em mira que a quarentena impõe uma restrição significativa para o direito de pessoas e, no caso de juízes, promotores, delegados de polícia, são pessoas qualificadas, que podem emprestar a sua energia, o seu talento, a sua história de vida e a sua experiência profissional para o processo político".

Marco temporal

Após o Congresso aprovar um projeto de lei estabelecendo o ano de 1988, quando foi promulgada a Constituição Federal, como um marco temporal para a demarcação de terras indígenas, no sentido contrário de decisão do STF, o Ministério da Justiça recomendou, junto com outras pastas, o veto a diversos pontos da proposta. Dino já havia adiantado que o parecer seria na linha do que tinha sido decidido pelo STF. O Congresso ainda irá analisar a possível derrubada dos vetos presidenciais, e o STF pode ter que voltar a discutir a questão.

Responsabilização por ditadura

Na década de 1990, quando representou o Ministério Público Federal (MPF) na Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, Gonet votou contra o reconhecimento da responsabilidade do Estado sobre a morte de opositores do regime. 

Ele se posicionou dessa forma nos casos das mortes da estilista Zuzu Angel, do estudante Edson Luís e dos guerrilheiros Carlos Marighella e Carlos Lamarca. Ele considerou que, pelas vítimas não terem morrido em instalações policiais, não teria sido cumprido um requisito estabelecido em lei para ocorrer a responsabilização.

Prisão em segunda instância

Em 2018, Flávio Dino manifestou-se de forma contrária à execução da pena após uma decisão de segunda instância. A declaração ocorreu no dia em que a prisão de Lula foi decretada pelo então juiz Sergio Moro, após o STF negar um habeas corpus ao petista,

“Prisão antes mesmo de esgotados recursos em 2ª instância e antes de finalizado o debate constitucional no Supremo só se explica por ansiedade ou parcialidade. Ou os 2 erros simultaneamente”, escreveu Dino no Twitter (hoje X).


Fonte: O GLOBO