A maioria formada ontem no Supremo Tribunal Federal (STF) pela possibilidade de o governo regularizar R$ 95 bilhões do estoque de sentenças judiciais sem esbarrar em regras fiscais é positiva, na avaliação de especialistas em contas públicas. Evita um efeito "bola de neve" à frente e dá mais transparência ao pagamento dos débitos, apontam.
A origem do problema foi a aprovação da “PEC dos Precatórios” durante o governo do presidente Jair Bolsonaro. A medida criou um teto para o pagamento dessas despesas, que são indenizações determinadas pela Justiça em decisões das quais a União já não pode mais recorrer, adiando os valores excedentes para os exercícios seguintes.
Na época, a PEC foi encampada como uma forma de abrir espaço para gastos sociais, em período próximo à disputa eleitoral.
Apesar de o Supremo ter formado maioria para autorizar o governo federal a regularizar o pagamento dos precatórios, o julgamento ontem foi interrompido porque o ministro André Mendonça pediu vista. Mas prometeu devolver o processo ainda nesta semana.
O relator, ministro Luiz Fux, deferiu a abertura de créditos extraordinários para quitação dos precatórios expedidos nos exercícios de 2022, 2023, 2024, 2025 e 2026, quando excedentes do subteto.
Caso a decisão seja confirmada, o governo pagará R$ 95 bilhões do estoque de precatórios represado nos últimos anos, por meio de crédito extraordinário, ainda em 2023. Isso significa que a dívida será paga fora do limite do teto de gastos e também fora do cálculo do resultado primário.
Se o STF aprovar o pleito do governo, a expectativa é que pessoas físicas e empresas, que estão há anos esperando as indenizações judiciais, recebam logo esse dinheiro. Além da questão fiscal e da justiça social, esses recursos vão irrigar a economia de um país que apresenta níveis elevados de endividamento.
— Permite que se resolva um passivo astronômico fabricado por uma PEC (proposta de emenda à Constituição) que, à época, avaliei como equivocada. O ponto positivo, se o Supremo avançar na linha do ministro Fux (Luiz Fux, o relator), é que se interrompe a rolagem da bola pela montanha antes de 2027. Lá, o passivo será muito maior — afirma o economista-chefe da Warren Investimentos, Felipe Salto.
O sócio-fundador da Oriz Partners e ex-secretário do Tesouro Nacional, Carlos Kawall, também avalia como positivo o atendimento de parte do pleito do governo pelo STF. Para ele, a “PEC dos Precatórios” não possuía base constitucional, podendo ser considerada um calote:
— A aprovação da PEC teve como consequência a formação de uma bola de neve e uma falta de transparência com relação à correta contabilização de um gasto primário que deveria estar contemplado no Orçamento. Na parte que o STF seguiu a proposta do governo, ele foi muito bem. Isso resgata a transparência das contas públicas e espero que sirva de desincentivo para que medidas desse tipo sejam tomadas no futuro.
Para o presidente da Comissão de Precatórios da OAB-RJ e ex-presidente da Comissão de Precatórios da OAB Nacional, Eduardo Gouvêa, a decisão do Supremo poderia ter sido tomada há mais tempo:
— Não se pode impor limite ao cumprimento de decisão judicial por qualquer medida legislativa, mesmo que por emenda constitucional. Isso já era um entendimento do Supremo em julgamentos anteriores. No momento que o Supremo admite que não se pode impor limite, ele está dizendo que o governo deve voltar a pagar os créditos o mais rápido possível.
Norma contábil
Fux não acolheu o pedido do governo para classificar parte os desembolsos com juros e correção monetária dessas sentenças como despesas financeiras, o que as deixaria fora dos limites do novo arcabouço fiscal e da meta de resultado primário.
— É esdrúxulo você querer que haja um pronunciamento sobre norma contábil, que segue padrão internacional, pelo Poder Judiciário — afirma Kawall. — Você contabiliza como primário, pois é despesa primária. Vamos ter nesse contexto um déficit primário maior do que aquele que se esperava, mas excepcionalidade tanto em relação à meta fiscal como ao próprio Orçamento. Porque você não pode pagar fora do Orçamento da União, exceto aquilo que é pago por crédito extraordinário.
Salto, da Warren, ressalta que é preciso tomar medidas para evitar que problemas dessa natureza voltem a ocorrer:
— O que precisamos ter é um trabalho de conter o nascimento dos precatórios. Por que aumentaram tanto? O que o governo poderia fazer para segurar, no nascedouro, novas bombas? Alinhavar bem a atividade da AGU, da Procuradoria e dos ministérios, para segurar essa avalanche de despesas novas, que são fabricadas hoje, mas aparecem depois de anos. O que se paga hoje é fruto de contendas de anos e, por vezes, de décadas atrás — disse.
Fonte: O GLOBO
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