Ferramenta traz resumo de texto como respostas a perguntas feitas pelos usuários em vez de apenas links. Mas sistema menciona fontes de informação, o que o concorrente ChatGPT não faz

O novo sistema de busca do Google, o SGE, que usa inteligência artificial (IA) para gerar respostas, promove uma mudança estrutural num dos espaços mais importantes da internet. Quando uma pergunta é feita, o usuário recebe, em três parágrafos de texto, um resumo do assunto buscado, antes de aparecerem os links.

Especialistas observam que a novidade abre uma frente de preocupação: a ferramenta, se usada em larga escala, pode derrubar tráfego usado por empresas ou até pessoas físicas para oferecer anúncios ou vender seus produtos. Há ainda o temor de que aumente a circulação de informações errôneas.

— A IA generativa usa o conteúdo espalhado pela internet para produzir um novo texto e gera a informação que o usuário quer. Hoje sabemos que muita gente se informa apenas por um resumo de um texto ou notícia. Na prática, os links podem ser deixados de lado, e o tráfego cai. Além de perda de receita, as empresas deixam de saber o que é relevante para o usuário com essa queda de audiência — explica Carlos Rafael Gimenes, professor do curso de Sistemas da Informação da ESPM.

O SGE começou a funcionar esta semana no Brasil para usuários que optarem pelo sistema em caráter experimental. Em testes realizados pelo GLOBO, o sistema cumpriu a promessa de mencionar as fontes de informação da resposta — algo que o concorrente ChatGPT não faz.

Mas o usuário não precisa clicar numa reportagem, por exemplo, para ter ideia de qual é seu conteúdo interno. Parte da informação está no resumo redigido com IA.

Reação nos EUA

O Google SGE, por enquanto, só está disponível no navegador Chrome para desktop. Numa tela grande, é possível exibir links de reportagens e outras fontes de informação lado a lado com o texto gerado por IA. Numa tela de celular, mais apertada, o navegador provavelmente terá de optar se exibe primeiro links ou o texto criado roboticamente.

A ordem das primeiras informações na tela pode parecer um mero detalhe para os usuários, mas tem grande impacto no tráfego de sites que hoje dependem do Google para buscar mais audiência. Na versão desktop, o SGE também exibe as fontes de informação em uma aba que pode ser aberta dentro do texto.

Esses links, porém, ficam escondidos quando a tela inicial carrega, e só aparecem quando a aba se desdobra.

— Foto: Criação O Globo

Quando o Google SGE estreou nos EUA, em maio, logo em seguida grandes veículos de imprensa, entre eles o New York Times, reagiram à mudança e afirmaram que não autorizariam o uso de seu conteúdo para treinar/alimentar o sistema de IA. No Brasil, o Google afirma que deverá oferecer aos sites a opção de recusar o uso de conteúdo para alimentar o SGE.

Isso é prática relativamente comum na indústria para proteção de dados. Todo website pode embutir em seu sistema um arquivo chamado “robot.txt”, pelo qual dá instruções para os crawlers, os robôs que o Google e outros sites de busca usam para vasculhar a internet.

Quem não quer que o Google indexe seu conteúdo pode usar o comando disallow, com alguns outros parâmetros nesse arquivo de texto, e seu site cai em uma espécie de buraco negro da internet e não é exibido pelo Google. O SGE provavelmente obedecerá algum comando similar.

Gimenes, da ESPM, observa que este é outro ponto de discussão. Ele questiona se a gratuidade de uma informação que um jornal oferece para um ser humano vale também para um robô, que vai usar o dado para produzir outro texto. Na prática, o usuário deixa de fazer uma assinatura para ter acesso à matéria, mas pode ler seu resumo.

Não está claro ainda, contudo, se ao optar por sair do SGE um veículo jornalístico pode perder exposição na busca normal do Google. Esse recurso ainda está em fase de implementação no Brasil.

Controvérsias envolvendo possível violação de direitos autorais e potenciais conflitos com a indústria da mídia não são novas para o Google. Um debate similar ao que ocorre agora colocou grandes jornais americanos contra a empresa há quase duas décadas, quando a companhia resolveu destacar trechos de reportagens em seu sistema agregador de notícias Google News.

Exemplo de como funciona o SGE pelo celular — Foto: Divulgação/Google

Assim como naquela época, o sistema atual do SGE exibe uma quantidade maior de informação extraída de jornais e outros sites do que uma página comum de resultados de busca.

A presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Samira de Castro, avalia como “preocupante” a nova ferramenta, nos moldes em que foi apresentada. Ela alerta para o risco de informações que não foram tratadas com o rigor de uma apuração jornalística, com independência e fontes diversas, acabarem passando pelos filtros da IA, levando a uma maior disseminação de desinformação:

— Acho que isso dificulta ainda mais o acesso da população ao trabalho jornalístico, que tem essa preocupação de apurar, de checar a veracidade dos fatos. É preciso não só estabelecer mecanismos legais para tratar da inteligência artificial, mas também buscar um diálogo maior entre os atores.

Samira observa que a IA não dialoga com quem já estava nesse ecossistema de produção de conteúdo, o que pode atrasar também as discussões sobre a remuneração de quem produz aquilo que alimenta esses buscadores. A nova ferramenta é mais uma questão em que a tecnologia se apropria do trabalho dos jornalistas e se coloca como um limitador, em vez de ser um facilitador, afirma ela.

Google: ‘web aberta’

Especialistas ressaltam ainda que, apesar de o SGE parecer ser transparente com a origem dos dados que usa, para dirimir dúvidas sobre o fluxo de qualidade de informação na internet será preciso entender quais recursos serão oferecidos quando ele deixar a fase experimental.

Em nota, o Google Brasil informou que “continua a priorizar abordagens que enviem tráfego para os sites de um amplo número de criadores de conteúdo, incluindo veículos de comunicação, para continuar a promover uma web saudável e aberta.”

A empresa disse ainda que o SGE mostra “mais links para uma gama mais ampla de fontes, criando novas oportunidades para a descoberta de conteúdo.”


Fonte: O GLOBO