Deputados lançam mão de requerimentos e convocações fora do escopo dos colegiados para mirar governo Lula

No comando das mesas diretoras, deputados bolsonaristas têm desvirtuado as discussões das comissões de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado (CSPCCO) e de Fiscalização Financeira e Controle (CFFC) da Câmara. Os trabalhos desses dois colegiados, nos quais opositores do governo Lula são maioria, têm sido marcados pela aprovação de proposições que fogem de seu escopo.

Comissão que mais tempo deliberou este ano, com 276 horas de trabalho, a de Segurança Pública aprovou, por exemplo, moção de repúdio contra a vereadora Perla Muller (PT), de Ribeirão Preto (SP), por falar em entrevista “que a mãe do ex-presidente Jair Bolsonaro deveria ter morrido 66 anos antes”.

O colegiado também aprovou requerimentos questionando gastos no cartão corporativo do presidente Lula e o aluguel de carros durante viagem oficial à África.

O grupo hoje tem sua mesa diretora composta só por apoiadores de Bolsonaro, sendo o presidente o deputado Sanderson (PL-RS). Dos 76 deputados que compõem a CSPCCO, entre titulares e suplentes, 33 são bolsonaristas.

Entre os requerimentos apresentados está o da deputada Silvia Waiãpi (PL-AP), que pediu uma visita “in loco” da comissão à plantação de Trema micrantha Blume — espécie que também teria o canabidiol (CBD), substância terapêutica extraída da planta da maconha — na UFRJ.

— A visita foi pertinente por conta do efeito devastador que a legalização da maconha poderia causar na área da segurança pública. Na universidade obtivemos mais informações sobre o uso medicinal do canabidiol extraído da planta Trema micrantha Blume, que não contém psicoativos, como o THC, contido na maconha — justificou a deputada.

A Comissão de Fiscalização Financeira e Controle, por sua vez, tem aprovado uma série de convocações e convites a ministros. Depois do comparecimento do titular da pasta de Justiça, Flávio Dino, no último dia 25, os deputados esperam agora a presença de outros 15 nomes da Esplanada. Na audiência na CFFC, Dino fez questão de ponderar que não gostaria de tratar de assuntos fora do escopo da comissão.

— Quero que tenhamos um bom debate, em que seja respeitado o decoro parlamentar e possam ser respondidas todas as questões. Como seguidor do princípio da legalidade, me manterei fiel ao convite e prestarei informações inerentes às minhas atribuições e só tratarei dos temas que dizem respeito a esta comissão. Espero que os parlamentares entendam os limites deste colegiado — afirmou ao colegiado, presidido pela deputada bolsonarista Bia Kicis (PL-DF).

O pedido, no entanto, foi ignorado já no início da audiência, quando Dino foi questionado sobre ter faltado à Comissão de Segurança, na última terça-feira:

— Eu não responderei a assuntos relacionados à Comissão de Segurança Pública. Faltei por motivos já justificados. A ausência é um direito. Foram as polícias Militar e Federal que recomendaram que eu não fosse à Comissão de Segurança e me liberaram para estar aqui, na Comissão de Fiscalização e Controle.

Ao todo, dos 44 membros titulares e suplentes na CFFC, apenas 13 são governistas. O grupo, que tem como atribuição o acompanhamento e fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União, já aprovou requerimentos para a realização de audiência pública para debater “ataques às escolas e a tentativa da esquerda em culpar a direita”, e convites para a ida do ministro de Relações Exteriores, Mauro Vieira, para falar sobre o não reconhecimento do Hamas como grupo terrorista por parte do governo brasileiro e a guerra da Ucrânia.

O deputado Guilherme Boulos (PSOL-SP), que integra a CFFC como suplente, criticou a condução dos trabalhos pelos bolsonaristas que dividem com ele o colegiado:

— É lamentável que os bolsonaristas se apropriem das comissões para fazer politicagem rasteira. As comissões são um espaço privilegiado para um debate franco e aprofundado sobre temas que afetam todos os brasileiros. Fazer isso, porém, exige trabalho sério e comprometido, o que não interessa aos bolsonaristas, que estão mais preocupados em lacrar nas redes sociais e disseminar fake news.

Procurados, os presidentes de CSPCCO e CFFC, Sanderson e Bia Kicis, respectivamente, não quiserem se manifestar.


Fonte: O GLOBO