Armas produzidas no país precisam de autorização do Departamento de Estado e notificação ao congresso para serem exportadas

O pedido do governo de Israel para que os Estados Unidos enviem 24 mil fuzis de assalto ao país chamou atenção de parlamentares e alguns funcionários do Departamento de Estado. Eles temem que as armas terminem nas mãos de colonos e milícias civis que tentam forçar palestinos a saírem de terras na Cisjordânia, onde a violência vem aumentando, dizem autoridades americanas.

As três remessas de fuzis semiautomáticos e automáticos estão avaliadas em US$ 34 milhões (R$ 166,5 milhões) e estão sendo encomendadas diretamente de fabricantes de armas nos EUA, mas precisam de aprovação do Departamento de Estado e notificação no Congresso. Israel afirma que as armas seriam usadas pela força policial nacional, mas também indicou que poderiam ser entregues a civis, disseram pessoas que tem informações sobre os pedidos de armamentos ao New York Times.

O Departamento de Estado notificou comitês do Congresso informalmente, na semana passada, sobre a venda, o que provocou preocupações e pedidos de que o departamento faça perguntas mais duras ao governo israelense sobre como pretende usas os armamentos. Dentro da chancelaria americana, autoridades ligadas a questões de direitos humanos expressaram reservas, enquanto as que supervisionam vendas de armas querem aprovar as vendas e anunciá-las nos próximos dias.

A polícia de Israel busca reforçar seu arsenal após autoridades prometerem fornecer milhares de armas a civis israelenses na Cisjordânia ocupada. Cerca de 500 mil israelenses se mudaram para assentamentos na região nos últimos anos, que, junto a postos de fronteira, cercas e outras medidas impostas por Israel, mantêm os 2,7 milhões de palestinos da área vivendo em pequenos enclaves separados.

Apesar de muito da crítica global às ações recentes de Israel se centrarem nos bombardeios à Faixa de Gaza, o presidente dos EUA, Joe Biden, e seus auxiliares, estão, cada vez mais, preocupados com a violência crescente na Cisjordânia.

Assentamentos ilegais

Mesmo antes dos ataques terroristas de 7 de outubro do Hamas provocarem a guerra atual, a violência de colonos israelenses na Cisjordânia contra palestinos já tinha aumentado bem mais do que o nível dos últimos anos.

Autoridades americanas atribuíram esse movimento ao estímulo da extrema direita, que integra o governo do primeiro-ministro israelense, Benjamim Netanyahu, aos colonos, e a declarações de autoridades apoiando a anexação da Cisjordânia, onde 150 palestinos foram mortos desde 7 de outubro — quase o mesmo número de mortes em todo o ano passado, de acordo com o Ministério da Saúde palestino.

Muitas das mortes ocorreram durante embates com militares israelenses, mas algumas foram nas mãos de civis armados. Biden disse, no mês passado, que a violência de “colonos extremistas” estava “botando gasolina no fogo”. O secretário de Estado, Antony Blinken, levantou as preocupações em conversas com lideranças israelenses durante viagem a Tel Aviv, na sexta-feira. Ele também falou com o presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mahmoud Abbas, em encontro na cidade de Ramallah, na Cisjordânia, no domingo. Os dois discutiram “esforços para restaurar a calma e estabilidade na Cisjordânia, incluindo a necessidade de parar a violência extremista contra palestinos e responsabilizar” os envolvidos, de acordo com a declaração do Departamento de Estado.

Tanto Biden quanto Blinken frisaram, nos últimos dias, que a existência de um Estado palestino ao lado de Israel é a melhor solução de longo prazo para o conflito de décadas. A intimidação de colonos a palestinos, provocando a sua retirada de áreas estratégicas da Cisjordânia, torna qualquer perspectiva deste cenário mais difícil.

Autoridades do Departamento de Estado que supervisionam as vendas de armas discutiram possíveis preocupações com seus homólogos israelenses. “Recebemos garantias dos israelenses de que estas (armas) irão apenas para unidades controladas pelo INP”, disse Jessica Lewis, secretária assistente do departamento de assuntos político-militares, em comunicado ao New York Times, referindo-se à Polícia Nacional de Israel (INP na sigla em inglês).

As autoridades não deram detalhes sobre o que significa “unidades controladas pelo INP”, embora uma delas tenha dito que tais unidades não operam na Cisjordânia. E disseram que a agência não faz comentários específicos sobre vendas comerciais licenciadas de armas.

No entanto, o ministro da Segurança Nacional de Israel, Itamar Ben-Gvir, um político de extrema direita que supervisiona a polícia, prometeu fornecer armas aos colonos, no mês passado.

'Passo muito perigoso'

Os Estados Unidos vendem regularmente uma vasta gama de armas a Israel, incluindo as poderosas munições que os militares israelenses estão usando agora para atacar Gaza. Biden pediu ao Congresso mais US$ 14 bilhões em ajuda militar para Israel, apesar das críticas crescentes a sua postura vindas de dentro do Partido Democrata.

Israel está comprando mais de três quartos dos fuzis pendentes da Colt’s Manufacturing. Os pedidos incluem os modelos M4 e MK18, e alguns estão prontos para serem enviados enquanto outros ainda precisam ser produzidos.

Questionada sobre as intenções para o uso das armas, a Embaixada de Israel em Washington disse que, “estas questões e outras surgiram e foram devidamente abordadas no processo de obtenção da aprovação do governo dos EUA para o licenciamento e aquisição de armas de fogo”.

Autoridades e colonos israelenses dizem que a distribuição em massa de armas a civis é necessária para evitar uma repetição dos ataques liderados pelo Hamas no mês passado em cidades do sul de Israel, quando civis desarmados foram forçados a se defender durante horas antes da chegada das forças de segurança. O Ministério da Segurança Nacional, que supervisiona a polícia e é dirigido por Ben-Gvir, afirma que os civis recém-armados serão organizados no que descreve como “esquadrões de segurança” em cada cidade, treinados pela polícia e colocados sob o controle da polícia local.

“Armas nas mãos certas salvam vidas! Nós vimos isso no primeiro dia da Guerra”, disse Bem-Gvir, que já foi condenado criminalmente por incitação antiárabe e por apoiar um grupo terrorista. “Todo lugar onde havia armas, o escopo da catástrofe foi menor”, completou em uma publicação em redes sociais.

Os críticos dizem que as novas medidas vão criar milícias civis que podem mirar integrantes da minoria palestina em Israel, que corresponde a cerca de um quinto dos 9 milhões de cidadão israelenses, além dos palestinos da Cusjordânia.

— É um passo muito perigoso — disse Rula Daood, codiretora do movimento Standing Together, que promove a igualdade entre cidadãos judeus e palestinos em Israel. — Eles estão usando a guerra para dar aos civis o que eles chamam de proteção contra o perigo, mas quando falam em perigo, eles querem dizer os cidadãos árabe palestinos de Israel As pessoas recebendo essas armas são extremistas de direita que acreditam que deve haver cidadãos de primeira e de segunda classes — completou.

Esses temores aumentaram porque o processo foi supervisionado por Ben-Gvir, que foi impedido de servir nas forças armadas quando era adolescente, na década de 1990, por preocupações nos serviços de segurança sobre as suas opiniões extremistas. Até 2020, Ben-Gvir exibia na sua sala de estar uma grande fotografia de um assassino em massa judeu que matou 29 palestinos em uma mesquita na Cisjordânia, em 1994.

O ministério de Ben-Gvir e o gabinete de Netanyahu não responderam a perguntas sobre quantas armas seriam fornecidas aos colonos na Cisjordânia.


Fonte: O GLOBO