Centrais sindicais pediram adiamento da retomada do julgamento no STF sobre o tema para tentar chegar a um acordo

O governo tenta um acordo junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) na ação que pode mudar o índice de correção a ser aplicado nas contas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). A proposta do governo prevê a correção das contas do FGTS pelo índice da poupança a partir de 2025. Em 2023 e 2024, os cotistas teriam direito à distribuição integral do lucro anual do Fundo, tendo como piso de rendimento a inflação oficial, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do IBGE.

A proposta será levada aos ministros do STF. A mudança na remuneração das contas do FGTS valeria apenas para os novos depósitos, a partir da publicação da ata do julgamento. A Corte daria prosseguimento ao julgamento na próxima quarta-feira, mas as centrais sindicais pediram que ele seja retirado de pauta.

A ideia é que o assunto seja retomado dentro de 30 dias, a fim de garantir tempo hábil às negociações com representantes do Ministério do Trabalho, da Caixa Econômica Federal e da Advocacia-Geral da União (AGU).

No texto enviado à Corte, as centrais argumentam que se busca uma solução que não afete o uso do Fundo para políticas públicas, como habitação e saneamento, e que também preserve o patrimônio dos trabalhadores.

Os termos do acordo estão serão levados pelo ministro da AGU, Jorge Messias, ao presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, relator do processo. Barroso já deixou claro que não concorda com a atual fórmula de correção das contas do FGTS. Em abril, quando o julgamento começou, Barroso votou para que a rentabilidade dos saldos do FGTS correspondam, no mínimo, à remuneração da poupança.

Aplicação conservadora

Ele alegou que a poupança é uma aplicação conservadora, em referência a outros tipos de investimentos mais arriscados e que rendem mais. Destacou ainda que o FGTS é um direito social assegurado aos trabalhadores pela Constituição, como uma espécie de proteção em casos de perda do emprego. O julgamento foi paralisado após um pedido de vista do ministro Nunes Marques.

O governo alega que a correção das contas do FGTS pela remuneração da poupança vai encarecer os financiamentos habitacionais, como o Minha Casa, Minha Vida, que têm o Fundo do trabalhador como a principal fonte de recursos. Pela lei, os saldos das contas vinculadas são corrigidos pela Taxa Referencial (TR), mais 3% ao ano. Se as taxas dos empréstimos não forem ajustadas, pode haver um descasamento no balanço do FGTS.

As críticas à baixa rentabilidade do FGTS não são novas. Em resposta ao problema, em 2016 o governo passou a distribuir o lucro anual do FGTS entre os cotistas que tinham saldo em dezembro do ano anterior.

De lá para cá, o lucro chegou a ser distribuído pela metade, integralmente, e hoje o montante é decidido pelo Conselho Curador do FGTS — os valores são creditados nas contas de forma proporcional aos saldos pela Caixa Econômica Federal nos meses de agosto.

Entre 2016 e 2022, a remuneração total depositada para cotistas (3% ao ano, mais TR e parte do lucro) variou. Mas, no período acumulado, o ganho total superou a inflação e a poupança, segundo o Conselho Curador.

Integrantes do governo e da construção civil alegam que a sistemática atual de divisão do lucro melhorou a remuneração para os trabalhadores e deve ser mantida. Barroso, porém, não concorda. Segundo técnicos a par das discussões, o Executivo chegou a propor ao ministro a divisão integral do lucro, tendo como piso a inflação. Mas Barroso insiste na remuneração da poupança.

Para Barroso, a política habitacional não pode ser custeada pelos trabalhadores. Dessa forma, caberia ao Executivo encontrar alternativas no Orçamento da União, principalmente para atender famílias de baixa renda. Contudo, não há margem para isso, disse um ministro do governo.

Habitação popular

Técnicos do Ministério das Cidades alegam que a mudança da correção das contas do FGTS pela poupança pode reduzir financiamentos em 40% com aumento de juros nos contratos. A meta este ano é atingir 450 mil contratos do Minha Casa, Minha Vida.

A revisão do FGTS chegou ao Supremo em 2014, após estudo encomendado pelo partido Solidariedade e pela Força Sindical apontar perdas consideráveis ao trabalhador. Na época, o levantamento mostrou que a correção dos valores trouxe prejuízo de 88,3% ao dinheiro depositado no FGTS de 1999 até 2013. O pedido é para substituir a taxa por um índice de inflação. O argumento é que a TR não reflete o índice de preços, o que gera perdas para o trabalhador.

Ao votar, Barroso sugere mexer na lei do FGTS, que fixou como rendimento 3% ao ano, mais a TR. Mas obriga que o rendimento total seja no mínimo igual à poupança.

Segundo o voto do ministro, caberá ao Congresso e ao governo, em acordo com as entidades representativas dos trabalhadores, avaliar uma possível recomposição retroativa dos depósitos do FGTS, tendo em vista que “valores foram indevidamente apropriados pelo poder público em benefício da sociedade como um todo”.

Contudo, o pagamento dessas perdas poderia gerar um esqueleto para o FGTS e o próprio governo. A rentabilidade da poupança depende da taxa básica de juros, definida pelo Banco Central. Se a Selic for menor ou igual a 8,5% ao ano, a poupança rende 70% da Selic mais TR. Se a Selic estiver acima de 8,5% ao ano, a poupança rende 6,17% ao ano mais a TR. Atualmente, a Selic está em 12,25% ao ano.

Barroso foi procurado, mas a assessoria do STF informou que ele não iria se manifestar.


Fonte: O GLOBO