Grupos trocam lógica de rede pela de múltiplas bandeiras a fim de reduzir os custos e ampliar a chance de serem escolhidos pelo consumidor

Foi-se o tempo em que bastava um cardápio original aliado a uma boa decoração para turbinar o faturamento de um restaurante e logo multiplicar o negócio em uma lucrativa rede. Desde o fim das restrições da pandemia, o setor vem retomando musculatura com investimentos milionários dos grupos de gastronomia para conquistar a escolha dos consumidores ávidos por experiências fora de casa, mas agora com uma estratégia diferente.

Em vez de expandir redes padronizadas, as companhias estão investindo na criação de marcas com perfis diferentes, na tentativa de fisgar todos os tipos de clientes e seus diferentes gostos. Nesse cardápio, a localização dos estabelecimentos é um dos pratos principais: a ideia é aproveitar a mesma praça de alimentação de um shopping ou um bairro para ganhar em escala e reduzir os custos logísticos e com mão de obra.

Se em muitos lugares os letreiros distintos dão a falsa impressão de concorrência, em outros a estratégia é exposta ao consumidor em um único espaço com várias marcas de um mesmo grupo. O Best Fork, criado há 30 anos pelo empresário Marcelo Torres, investiu R$ 12 milhões há pouco mais de um ano na criação da Giuseppe Square, no BarraShopping, na Zona Oeste do Rio. Em 1.500 metros quadrados, reuniu seis redes da companhia: Laguiole, Yusha (japonês), Giuseppe (italiano), Giuseppe Mar (frutos do mar), Giuseppe Grill (carnes) e o café Nolita. Numa mesma mesa, clientes podem pedir pratos de restaurantes diferentes.

— A ideia é ter um mercado com serviço, oferecendo carnes, peixes e frutos do mar, massas e sushi. As cozinhas são independentes, e o desafio é a logística, de forma que os diversos pratos cheguem juntos à mesa dos clientes. Lá temos uma fábrica de massas e de torrefação de café, que atende outros restaurantes do grupo — diz Torres.

De onde vem a comida — Foto: Infografia/O GLOBO

Estratégia semelhante foi adotada no Village Mall, também na Barra, onde o grupo tem três restaurantes que são interligados somente na parte interna. Torres destaca sinergias como carta única de vinhos, estoque e administração. Em 2024, a companhia pretende lançar duas novas bandeiras, com investimento total de R$ 34 milhões. O Nolita Roastery, um café para lanches, terá a primeira unidade na Barra, e o São Miguel, um bar com parrilla, abre em Botagofo, na Zona Sul do Rio.

— Não adianta mais ter 20 unidades com a mesma marca. A tendência é diversificar e oferecer novas experiências ao consumidor. A pandemia gerou novos empresários, mas agora só vai sobreviver quem estiver com plano bem administrado — avalia o líder do Best Fork.

Barreira à concorrência

Também no Rio, Elia Schramm, dono de quatro marcas de restaurantes, entre eles o italiano Babbo Osteria e o asiático Si-chou, prepara o lançamento da quinta, de comida mediterrânea. Para ele, ser multimarca faz parte da nova estratégia do varejo gastronômico:

— É ter marcas que, de certa forma, conversam entre si, pois você tem a mesma equipe que opera. A maior parte dos consumidores não sabe que os restaurantes são do mesmo grupo. E essa é a única forma de ganhar musculatura, pois o setor está perto de um ponto de inflexão. Houve um grande movimento de expansão. Muitas vezes você abre um segundo restaurante no mesmo bairro até como forma de evitar que um rival entre na área e, assim, fortalece seu público-alvo.

A receita é seguida por Edu Araújo, que comanda cinco restaurantes diferentes, três deles só em Botafogo. No mesmo bairro carioca, ele pretende abrir mais duas casas, com aporte total de R$ 2 milhões. Para ele, o mercado de entretenimento cresceu no pós-pandemia e beneficiou restaurantes:

— Acho importante a construção de um hub em uma comunidade ou um bairro.

No Centro de São Paulo, o Grupo Torres Rueda mantém restaurantes como Casa do Porco, Bar da Dona Onça e Merenda da Cidade (de saladas e pratos variados), além da Sorveteria do Centro. A sócia Janaína Torres Rueda conta que um novo restaurante já está nos planos e explica que a vantagem de estabelecimentos diferentes numa mesma área é poder compartilhar custos e instalações:

— Com a diversidade, é possível utilizar a mesma estrutura administrativa. A proximidade entre as casas ajuda a manter o padrão de qualidade. A gastronomia é a maior ferramenta para o desenvolvimento econômico criativo. É uma oportunidade de conhecer e aprender com diversas propostas.

Em Salvador, o Grupo Soho, dono de restaurantes como Pepo (italiano), Lafayette (mediterrâneo) e Fira (grego), localizou suas unidades na Bahia Marina e bairros principais da capital baiana. Karine Queiroz, dona da empresa, diz que novas marcas estão nos planos com a mesma lógica, como Zepp Smash (hambúrguer) e Morea (asiático), que começam a operar até março de 2024. A empresa investe R$ 4,2 milhões na expansão, mas não cogitou se concentrar em uma marca só. Em comum, a empresa está criando um centro de distribuição para os estabelecimentos.

— Ter diferentes negócios é um reflexo do pós-pandemia. É um setor que sofreu muito com o que ocorreu, precisando lidar com desafios como resultados operacionais baixos, altos custos e escassez de mão de obra. Neste ano, vamos crescer 16%, e, em 2024, temos expectativa de avançar 18%.

Ambição nacional

Algumas redes reproduzem a lógica também na expansão nacional. No Rio e em São Paulo, o BFW Group comanda 13 marcas, do Bar do Zeca Pagodinho à Gruta do Fado, de culinária portuguesa, passando pelo Itacoa (de comida brasileira). Das 21 casas, nove estão na Barra, no Rio. No ano que vem, a empresa abre dez novas unidades, como duas do Bar do Zeca, em Vitória (ES) e Ribeirão Preto (SP).

— Trabalhar com casas de identidades diferentes nos dá um conhecimento muito vasto do público. Estar no mesmo local sempre facilita a logística. A central de distribuição do BFW nos permite o conjunto. As equipes administrativas e de logística apoiam todas — conta Paulo Pacheco, presidente do BFW.

Dono de redes como Spoleto, China in Box e Gurumê, o Grupo Trigo também quer seguir ampliando o menu de marcas. A próxima adição é a do Asa Açaí, marca que o CEO Antônio Moreira Leite está perto de tirar do forno. 

Ele conta que a rede Gurumê vai passar de seis para 11 unidades, com a abertura de restaurantes em Brasília e São Paulo. Para Leite, a diversificação permite maior escala na parte de suprimentos e poder de negociação com os fornecedores, reduzindo os custos para os clientes e franqueados mesmo para marcas que não são grandes redes.

— Ainda conseguimos transferir inteligência e know-how entre marcas. Ganhamos velocidade e continuamos inovando. Conseguimos exercer uma presença maior e crescer a custos menores. Cada marca tem seu público específico — explica o líder do Trigo, que tem 619 restaurantes em 25 estados e no Distrito Federal.

Consumidor exigente

Marcelo Malta, dono das marcas Malta Beef Club, Sabor D.O.C. e Sabor das Águas, que somam quatro espaços na Zona Sul do Rio, prepara a chegada em São Paulo também com portfólio variado. No Rio, vai lançar uma nova marca logo no início do ano que vem.

— Ter os restaurantes próximos ajuda na logística e na gestão. Também dá aos clientes a opção de escolherem a gastronomia que mais lhes agrada naquele momento — diz Malta.

O Bloomin’ Brands, grupo que controla 171 restaurantes das redes Outback, Abbraccio e Aussie Grill, tem planos de expandir as três bandeiras no país. Mauro Guardabassi, presidente da empresa, também avalia que gerenciar um portfólio diversificado permite aproveitar economias de escala, negociar em grande volume e obter dos fornecedores maior flexibilidade de preço e condições. 

E ainda fica mais fácil agradar um consumidor que ele classifica como “exigente” e constantemente interessado em novidades:

— Queremos chegar a cidades em que ainda não estamos presentes. Neste ano, abrimos 16 unidades. No caso do Abbraccio, retomamos a expansão em 2023, inaugurando duas novas unidades em São Paulo. Com o Aussie, em apenas dois anos, atingimos 100 operações pelo Brasil.


Fonte: O GLOBO