Evitar que o filme se repita é o primeiro passo na reconstrução que precisará vir em meio à reconstrução geral se o título realmente não vier para o Botafogo

Incapacidade crônica de manter o resultado. Falta de leitura de jogo, demora nas substituições e ineficácia quando elas acontecem. Passividade à beira do campo, nenhuma habilidade motivacional, colapso do equilíbrio emocional. Insegurança defensiva, desmantelamento físico, inaptidão em frear quedas individuais. 

Duas viradas surreais, uma vitória escapada nos acréscimos, 12 gols sofridos em cinco jogos por um time que até então tinha sofrido 18 em 28. Perda da liderança que vinha desde abril e sobreviveu à saída do treinador, contusão do craque, chegada de um forasteiro.

Lucio Flavio, técnico interino e inexperiente do Botafogo, alçado pelos jogadores ao comando com a incoerente missão de “manter o simples”, “fazer o feijão com arroz” para vencer uma das ligas mais difíceis do mundo, o que levou o alvinegro a uma triste rotina de um líder que derreteu cruelmente a cada rodada até perder a ponta, é o culpado por todos os fatores listados no primeiro parágrafo. Só não é culpado pela ideia. E tampouco é o pai da pior das trapalhadas: transformar esse devaneio em realidade.

O Botafogo, que contra o Bragantino fez o mesmo que fez nas quatro derrotas anteriores — lampejos de bons momentos com pontos escapando numa mistura de incompetência física e mental —, perdeu a liderança e provavelmente perderá o título mais ganho dos pontos corridos porque tomou uma série de decisões erradas, e quem participou disso precisará lidar com a ideia da culpa. Nem que seja para corrigir os rumos do futuro.

John Textor e o departamento de futebol do Botafogo conseguiram errar na contratação e na demissão de um mesmo treinador. Bruno Lage, que não era para ter chegado, mas já que estava aqui, não era para ter saído. Pós-Castro, a opção foi um técnico português que não tinha tempo para entender a realidade do futebol brasileiro, e a troca foi por outro, Lucio Flavio, que não teve (ainda) tempo para entender a realidade do futebol em lugar algum, como demonstrou a cada rodada.

As funções no futebol não existem por acaso. Quem diria que escolher não ter um nome razoável na mais importante delas levaria à derrocada? A vantagem de sete pontos que o Botafogo tinha quando jogadores tomaram de assalto o comando do time na figura de Lucio Flavio, com anuência de Textor, eram uma auto-hipnose na torcida de que aquela ideia maluca levaria à taça no fim do ano. Num estalo de poucas rodadas, após o transe das vitórias contra Flu e América-MG, a realidade.

A hipnose precisaria ser regressiva para a cúpula do futebol alvinegro poder desfazer decisões erradas que tomaram pelo caminho, algumas delas, reconheço, difíceis de identificar.

A chegada do novo técnico Tiago Nunes para 2023 e 2024 ainda é uma incógnita. Mas é um bom sinal o pensamento a longo prazo. É que talvez a ideia de confiar em um técnico que combine com o projeto, brasileiro e menos figurão, tenha ganhado vida para evitar perdê-lo para um melhor mercado no auge do trabalho, se ele for competente. Nisso, o Botafogo provavelmente demonstra que tenha entendido onde o caldo desandou. A liderança foi perdida na 34ª rodada não só porque Castro foi embora na 12ª. Mas também pelas decisões que o clube tomou nesse meio tempo.

Evitar que o filme se repita é o primeiro passo na reconstrução que precisará vir em meio à reconstrução geral se o título realmente não vier.


Fonte: O GLOBO