Em entrevista à imprensa britânica, Olivier de Schutter diz que investimentos em bem estar social são 'insuficientes', e pede aumento do valor dos benefícios pagos à população
Em uma entrevista que já provoca abalos em Londres, concedida ao The Guardian, De Schutter afirma “não ser aceitável ter mais de um quinto da população de um país rico como o Reino Unido diante do risco da pobreza” — segundo dados oficiais, 14,4 milhões de britânicos estão em situação de pobreza relativa, quando a pessoa tem uma renda 50% inferior à média do local onde ela vive.
— As políticas em vigor não estão funcionando ou não estão protegendo as pessoas na pobreza, e muito mais precisa ser feito para que essas pessoas sejam protegidas — disse De Schutter ao Guardian.
Um ponto focal das críticas do relator foi o pagamento de um benefício semanal de £85 (R$ 515) a pessoas em situação de vulnerabilidade econômica. Para ele, o valor é insuficiente, e deveria ser reajustado o quanto antes — algo que ele pretende cobrar dos representantes do governo quando se reunir com eles.
— Se você olhar para o preço da habitação, eletricidade, os níveis elevados de inflação de alimentos ao longo dos últimos anos, acredito que £85 por semana para adultos seja muito pouco para proteger as pessoas da pobreza, e isso viola o Artigo 9 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais — disse ao Guardian. — É o que a lei dos direitos humanos diz.
A partir de 2021, a inflação no Reino Unido disparou — segundo o Escritório de Estatísticas Nacionais, a taxa anual em fevereiro daquele ano era de 0,7%, e chegaria a impressionantes 11,1% em outubro de 2022. O índice vem registrando queda desde fevereiro de 2023, e em setembro marcou 6,5%. E como apontou o relator da ONU, a habitação e a energia, um impacto direto da guerra na Ucrânia, vêm exercendo pressão adicional sobre esses números e, especialmente, sobre os bolsos dos britânicos.
Segundo estimativas do Banco da Inglaterra, existe a expectativa de que os rendimentos tenham uma alta modesta a partir do ano que vem, mas esses ganhos devem ser corroídos pela inflação, que deve continuar em um patamar elevado por mais algum tempo. De Schutter também afirmou que nem sempre o crescimento da economia será sentido da mesma forma por toda a população.
— Algo que precisamos parar de pensar é na ideia de que o crescimento econômico vai levantar todos os barcos. O que vimos na maior parte dos países da OCDE é que o crescimento do PIB está caminhando de mãos dadas com a crescente desigualdade e o fracasso em reduzir os níveis de pobreza relativa e absoluta — disse ao Guardian. — Deveríamos parar de focar em criar condições macroeconômicas para estimular o crescimento e, ao invés disso, centrar atenções em fornecer apoio aos lares de baixa renda.
O governo britânico refutou as declarações do relator da ONU, declarando que está fornecendo as condições adequadas para o combate à pobreza e para o crescimento sustentável do país. Ao Guardian, um porta-voz alegou ainda que o número de pessoas em situação de vulnerabilidade econômica diminuiu desde que os Conservadores chegaram ao poder, em 2010.
“Para ajudar mais pessoas para que saiam da pobreza através do trabalho, estamos investindo £3,5 bilhões (R$ 21,2 bilhões) para ajudar milhares de pessoas a encontrarem um emprego, ao mesmo tempo em que lutamos contra a inflação e nos comprometemos com o aumento da renda média nacional”, diz o governo ao Guardian. “Desde 2010 temos quase 700 mil crianças crescendo em lares sem uma pessoa trabalhando, transformando suas chances na vida.”
De Schutter não pareceu impressionado com as explicações. Na entrevista, ele lembrou de uma visita ao Reino Unido de seu antecessor no cargo, Philip Alston, em 2018. Na época, ele irritou autoridades em Londres ao acusar o governo de cometer um “deliberado empobrecimento de uma parte significativa da população britânica”, e ao afirmar que “boa parte da cola que uniu a sociedade britânica desde a Segunda Guerra foi deliberadamente removida e substituída por um ethos duro e insensível”.
— Os sinais que Philip Alston deu há cinco anos não foram abordados. Há uma distância enorme, que é cada vez mais preocupante, entre os tipos de indicadores que o governo escolhe para mostrar seu progresso por um lado, e as experiências das pessoas que vivem na pobreza — concluiu.
Fonte: O GLOBO
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