Aos 73 anos, empresária voltou ao cargo de CEO em agosto e quer recuperar o caráter aspiracional da marca com foco no varejo físico

A marca que democratizou o design de interiores no Brasil estava à deriva no início do ano: sem conseguir pagar o aluguel de seu único centro de distribuição, a TokStok vinha sofrendo com a queda nas vendas pós-pandemia, a escalada dos juros e os efeitos colaterais da crise da Americanas.

Em junho passado, contudo, a dívida de R$ 350 milhões foi repactuada. A empresa ganhou uma trégua de dois anos com os bancos e uma injeção de R$ 100 milhões de seu controlador, o fundo de private equity (participações) Carlyle. Equacionar as finanças era fundamental, mas estava longe de ser o único problema da companhia fundada em 1978 pelo casal francês Ghislaine e Régis Debrule.

— Era preciso reconquistar o “tok” da marca, seu caráter aspiracional. Foi terrível ver o que estava acontecendo e não poder interferir — diz Ghislaine.

Foi preciso também muita lábia para convencer o Carlyle de que ela seria a pessoa certa para arrumar a casa. O fundo estava buscando um novo CEO quando ela resolveu se candidatar. Até que em agosto, aos 73 anos, ela enfim reassumiu o posto de CEO, sucedendo nada menos do que cinco executivos desde 2017.

Não faltaram currículo nem diplomas de MBA nas mais conceituadas escolas de negócio do mundo para os ex-CEOs. Porém, a capacidade de encantar o cliente com novas coleções e colaborações com designers, uma característica da marca, acabou cedendo espaço para uma estratégia de gestão que se alavancou em demasia para fazer crescer o negócio, sem se preocupar com rentabilidade, mirando uma abertura de capital na Bolsa.

Durante as gestões dos CEOs apontados pelo Carlyle, o centro de distribuição, que funcionou por décadas em Alphaville (grande São Paulo), foi transferido para Extrema (MG), para se beneficiar de incentivos fiscais. Apostou-se todas as fichas nas vendas online, com altos investimentos: o time de TI passou de 70 pra 350 pessoas. A sede foi transferida para um coworking descolado na Vila Leopoldina.

O foco no digital se refletiu no catálogo, com a ampliação no volume de itens ofertados, com mais variedade de cores e modelos de objetos de decoração, e menos móveis. Um novo formato de lojas físicas, menor, batizado de Studio e com uma linguagem visual diferente da marca-mãe, pautou o crescimento. Foram abertos 14 Studios, num planejamento de cem.

— Foi um plano muito grande, enorme, que não deu certo por vários fatores. No Brasil é preciso ser cauteloso. Podia ter dado certo? Sim, não fosse o consumo que não voltou no pós-pandemia e os juros elevados que multiplicaram a dívida junto aos bancos em uma velocidade nunca vista — diz a fundadora, que tinha se mantido no comando da empresa por quatro anos depois da venda do controle para o Carlyle em 2012, por R$ 700 milhões, até ser substituída pelos “CEO profissionais”.

— São todos de mercado, de renome, e tiveram carta branca para fazer o que entenderam que tinham que fazer. Mas a gente já tinha governança, auditoria externa, já era uma empresa alinhada com as melhores praticas contábeis — diz.

Tirando o novo centro de distribuição em Extrema, todo o resto está aos poucos sendo desfeito pela gestão “back to basics” da fundadora. O Studio acabou. O digital, que saiu de 6% e chegou a representar 24% das vendas na pandemia, agora busca rentabilidade e não apenas crescimento pelo crescimento. E para o ano que vem, já estão contratadas oito novas coleções em parceria com grandes designers, como Alexandre Herchcovitch.

Novas aberturas de loja estão descartadas por ora. O foco é garantir a rentabilidade das atuais, valorizando os gerentes e a formação do time de cada unidade. — O varejo é a venda do dia a dia. Como um jogo de tênis. A bola vem, você tem que conseguir devolver. Mas o que importava para o plano de abrir capital era crescer na venda, não o resultado. 

Então faziam muita promoção, frete grátis. Isso é terrível para uma empresa que está presente de Norte a Sul. Esse é um negócio de lojas físicas. O cliente quer sentar no sofá. O digital é importante para a multicanalidade, mas é um complemento — diz ela, que chegou ao Brasil com o marido e um bebê de colo, atraídos pelo milagre econômico.

Ghislaine diz que não se arrepende de ter vendido 60% do negócio para o Carlyle (e outros 10% para outros investidores). — De forma alguma. Foi o certo a fazer. Passamos por muitas crises ao longo desses 45 anos. O Regis já pensava em IPO em 2010, como uma forma de realizar todo o investimento pessoal — afirma.

Mas a fundadora se arrepende, então, de não ter vendido 100% da TokStok?

— A gente fala isso todo dia — diz ela, que, no entanto, não pretende se aposentar enquanto a empresa não recuperar seu ‘tok’. — A marca representa muito para o Brasil. Foi algo inédito trazer um design mais acessível. É um legado. Enquanto não tiver boa transição para a marca continuar sorte e sólida, eu vou ficando.


Fonte: O GLOBO