Jean Carlos de Souza está detido em ação da PF que apura recrutamento de brasileiros pelo grupo extremista Hezbollah; ele nega vínculos com o grupo extremista

O advogado de um dos homens presos na Operação Trapiche disse que o cliente viajou "umas cinco, seis vezes" para o Líbano e esteve acompanhado de Mohamad Khir Abdulmajid, principal alvo da Polícia Federal no caso. Neste domingo, o Fantástico, da TV Globo, revelou que o sírio, naturalizado brasileiro, é procurado pela Interpol por estar no centro das investigações sobre o suposto recrutamento de brasileiros pelo grupo extremista Hezbollah.

Jean Carlos de Souza, de 38 anos, foi preso na última quarta-feira (8), quando a Polícia Federal deflagrou a operação com o objetivo de interromper supostos atos preparatórios para ataques terroristas no Brasil. Natural de Joinville, em Santa Catarina, Jean afirmou às autoridades que viaja com frequência a trabalho. O advogado dele, José Roberto Timoteo da Silva, afirmou ao GLOBO que, segundo o cliente, o último contato com Mohamad ocorreu em fevereiro.

— Ele me disse: 'Eu prospecto negócios. Eu fui vender açúcar, café, ouro'. Ele falou que a última vez que falou com o Mohamad foi em fevereiro, para falar de negócios. Foi umas cinco, seis vezes ao Líbano. Ele disse que não falava a língua e não tinha parentes no país, então tinha que ir com algum libanês ou outro, alguém que falasse o idioma, então foi com ele [Mohamad] — afirmou o defensor.

Mohamad Khir Abdulmajid é principal alvo da Operação Trapiche; ele está foragido — Foto: Reprodução/TV Globo

Jean Carlos negou qualquer envolvimento com grupos terroristas durante audiência de custódia, realizada nesta quinta-feira. A prisão temporária, com prazo de 30 dias, foi mantida, e ele deve ser encaminhado ao sistema prisional nesta segunda-feira. José Roberto Timoteo da Silva destaca que a relação do cliente com Mohamad vem do trabalho.

— Jean não se considera amigo [do Mohamad], tem relações comerciais com ele. Ele não sabe da vida do Mohamad. Até conheceu a família do Mohamad, já que o povo no Líbano é muito afável. Claro que se tornou uma amizade, algo mais próximo, mas era amizade decorrente dos negócios — ressaltou o advogado.

De acordo com o Fantástico, Mohamad Khir Abdulmajid veio para o Brasil em 2008. Trecho da representação policial que pediu a prisão dos suspeitos na Operação Trapiche destaca "indícios" de que o sírio naturalizado brasileiro "integra o braço paramilitar do grupo libanês Hezbollah".

Além disso, para os investigadores, "o fato de constarem recentes registros migratórios de todos os citados para o Líbano, associado às evidências de falta de condições financeiras e antecedentes criminais dos brasileiros natos, corroboram com a tese de que estamos diante de uma possível fase de recrutamento de brasileiros para atuações ilícitas, inclusive na hipótese de objetivos terroristas".

'Me perguntou o que o Hezbollah fazia'

Até o momento, a apuração não aponta que os presos tivessem qualquer vínculo ideológico ou religioso com o Hezbollah. No entanto, para a PF, poderia estar em curso a formação de uma "rede de mercenários que prestariam serviços" para o grupo extremista. José Roberto Timoteo da Silva destacou que o cliente, por ir várias vezes ao Líbano, sabia que o grupo existia, mas não o que fazia.

— Ele só foi saber da gravidade do que é acusado depois que eu falei para ele. Ele me disse: 'Eu sei que existe o Hezbollah, doutor, mas o que ele faz? O que é?'. Eu disse para ele que ele tem o direito até de mentir em juízo, para a própria defesa, mas não para o advogado dele. Tem que falar a verdade. Ele me disse que não sabia o que o Hezbollah fazia — relatou.

Na audiência de custódia, Jean Carlos destacou que estava acostumado a ser parado pela Polícia Federal no aeroporto, mas nunca por suspeita de terrorismo. O advogado explicou ao GLOBO que o motivo das paradas nos terminais eram suspeitas sobre tráfico de drogas. O processo da Operação Trapiche está sob sigilo. No entanto, o advogado estuda pedir a quebra de sigilo já que imagens da audiência de custódia e informações sobre a apuração foram vazadas à imprensa.

— Isso não é um passeio no parque. A mãe do Jean Carlos chegou a ser internada, a convivente dele deu um pé na bunda dele. Os filhos estão recolhidos com a ex-esposa. Eu recomendei até que ela fosse para algum lugar que ninguém a conhecesse para preservar [a família]. A decisão [de prisão], tecnicamente, é risível. Não tem qualquer prova que Jean Carlos tenha sido cooptado pelo Hezbollah.

O advogado promete acionar os tribunais com pedidos de habeas corpus. Ele aponta uma suposta politização do processo, com pressão de Israel sobre autoridades brasileiras em meio à guerra contra vizinhos no Oriente Médio desde os ataques terroristas do Hamas, em 7 de outubro.

Na semana passada, o ministro da Justiça e da Segurança Pública, Flávio Dino, usou as redes sociais para ressaltar que nenhum representante de governo estrangeiro "pode pretender antecipar resultado de investigação conduzida pela Polícia Federal". 

A fala foi publicada nas redes sociais depois que o gabinete do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, informou que a Operação Trapiche contou com a cooperação do Mossad. A agência de inteligência internacional de Israel teria fornecido informações sobre a movimentação de pessoas ligadas ao grupo radical Hezbollah no Brasil.

O embaixador de Israel em Brasília, Daniel Zonshine, afirmou ao GLOBO que o Hezbollah planejou um ataque terrorista a entidades judaicas e sinagogas em território brasileiro, por contar com apoiadores no país. Zonshine citou como exemplo a tríplice fronteira entre Brasil, Argentina e Paraguai onde, segundo ele, há fugitivos do Oriente Médio e pessoas que apoiam financeiramente as atividades do grupo extremista libanês. Pelo Twitter, Dino destacou que o Brasil é um país soberano e que as investigação ainda estão em andamento.


Fonte: O GLOBO