Os três processos mentais mais importantes são: atenção, consciência e intenção. É um treinamento prático para uma mente saudável

A pandemia tirou a saúde mental das discussões acadêmicas e trouxe o assunto para as rodas de amigos, para o ambiente de trabalho e para a mesa de jantar.

— Precisamos entender como funciona a nossa mente para viver melhor — diz Daniel Siegel, um dos mais respeitados especialistas do cérebro e da mente humana.

Psiquiatra, escritor, pesquisador e professor da Universidade da California em Los Angeles (UCLA, EUA), Siegel está no Brasil para uma masterclass na primeira edição do Mind Summit São Paulo, que acontece hoje, no Teatro Renaissance, em São Paulo.

—Somos seres sociais e a mente humana se desenvolve e se transforma ao longo da vida à medida que interagimos com outras pessoas. Sabe-se, por exemplo, que os relacionamentos influenciam nossa personalidade, comportamento, cognição e até mesmo a nossa neurobiologia — explica Siegel, uma das maiores autoridades em desenvolvimento humano, saúde mental e saúde emocional.

O pesquisador fundou um campo específico do conhecimento, chamado Neurobiologia Interpessoal, que reúne profissionais de diferentes áreas com o objetivo de estudar o papel das relações interpessoais na constituição da mente humana.

Os estudos de Siegel demonstram que o ser humano não é apenas impactado pelos relacionamentos interpessoais, mas que somos produtos dos nossos relacionamentos. De todos, o relacionamento com os pais é o que mais influencia o desenvolvimento da mente humana, uma vez que os primeiros anos são responsáveis pelo surgimento de circuitos cerebrais que estruturam e organizam a mente.

— A mente é mais que atividade cerebral. Ela inclui o cérebro, mas não está limitada ao cérebro. Mente é tudo o que se relaciona com a nossa experiência de estar vivo, desde sentimentos e pensamentos, de idéias intelectuais e imersões sensoriais até as conexões entre as pessoas e com o planeta — afirmou o autor de “A Sabedoria do Agora” (editora Paidós) e “Mente Saudável: Conexão e Equilíbrio do Corpo e da Mente” (editora nVersos), em entrevista exclusiva.

Mas o que é uma mente saudável?

—É uma mente que promove a integração com o corpo e com o mundo em volta. Uma mente saudável é uma mente flexível, que atinge um estado de harmonia — diz.

Segundo Siegel, a mente saudável tem cinco características: é adaptativa, coerente (se mantém bem ao longo do tempo), resiliente, energizada (com vitalidade) e estável.

—É o meio do caminho entre o caos e a rigidez. Quando há caos ou rigidez, há sofrimento mental.

Ter saúde mental, no entanto, não significa estar feliz e satisfeito o tempo todo: a tristeza, as preocupações e outros sentimentos que estão longe de serem confortáveis têm o seu espaço.

—Quando falo sobre saúde mental e mente saudável gosto da palavra totalidade, porque, com ela, você abraça a felicidade e a tristeza. É uma questão de integração. A integração permite estar triste, ficar preocupado. Está tudo bem não ser feliz o tempo todo.

E o que podemos fazer para melhorar a nossa saúde mental?

Os anos de estudos e práticas clínicas resultaram no conceito que Siegel chama de Roda da Consciência. Trata-se de um diagrama que representa a forma da nossa consciência. No centro dessa roda está a experiência de estar consciente e, no aro, elementos como sensações, imagens e pensamentos. A partir do núcleo, podemos focar cada item do aro, fortalecendo nossa autoconsciência e experiências.

A prática está disponível aqui.

— Mas o segredo do resultado é a regularidade. E pratico todos os dias — conta.

Na prática de Mindfulness e em outras práticas meditativas trabalhamos a atenção plena no momento presente. É comum começar prestando atenção no ambiente, nos sons ao redor, na temperatura do lugar, no cheiro, na iluminação (se os olhos estiverem entreabertos). Enfim, ficamos atentos aos cinco sentidos — audição, olfato, visão, paladar, tato.

A Roda da Consciência propõe expandir essa atenção a oito sentidos. O sexto sentido é quando voltamos a atenção para o interior do corpo. Na respiração, observamos a entrada e saída do ar (nas narinas, no tórax ou no abdômen). No escaneamento corporal (bodyscan), percebemos as sensações em todo o corpo. No sétimo sentido, a atenção vai para as nossas atividades mentais. No oitavo, para a interconexão, ou seja, voltamos a atenção para o outro.

Siegel chama a Roda da Consciência de prática dos três pilares: focar a atenção, abrir a consciência e desenvolver boas intenções.

—Esses são os três processos mentais mais importantes: atenção, consciência e intenção. É um treinamento prático para uma mente saudável — diz.

E completa: “pesquisas mostram que quando treinamos a atenção para estar focada, a consciência para ser aberta e a intenção para ser gentil, conquistamos seis mudanças — cinco fisiológicas, relacionadas à saúde do corpo, e uma relacionada à saúde mental".

São elas:
  • Diminuição do cortisol, o hormônio do estresse.
  • Aumento da imunidade.
  • Melhora da saúde cardiovascular.
  • Redução da inflamação do organismo.
  • Otimização da telomerase, uma enzima que repara e mantém as extremidades dos cromossomos, retardando o envelhecimento.
  • Quando essas cinco mudanças fisiológicas acontecem, o resultado é um cérebro mais integrado, o que é a base do bem-estar.
Com a técnica, Siegel afirma ser possível fortalecer as ligações entre as diferentes regiões do cérebro, regulando melhor as emoções, os pensamentos e os comportamentos.

—Nos exercitamos para manter nossos corpos saudáveis, ativos e fortes. A prática da Roda da Consciência é como uma academia mental: um modo de manter a mente saudável, ativa e forte, de maneira duradoura — conclui.


Fonte: O GLOBO