Moradores relatam dificuldade para conseguir alimento e água potável em seca histórica na região
A maioria das comunidades do Amazonas sofre o forte impacto da seca histórica que atinge a região nas últimas semanas. O transporte de pessoas, predominantemente realizado pelos rios, se torna impossível. Nesta segunda-feira, uma operação de resgate noturno mobilizou o Samu e o 4º Batalhão de Aviação do Exército (4º Bavex) no atendimento a um bebê da etnia Baré, que apresentou falta de ar e febre na Comunidade Indígena Terra Preta, próximo a Manaus, isolada pela estiagem.
O estado de saúde da criança era considerado crítico. A saturação de oxigênio no sangue era baixa e uma aeronave do Exército precisou ser acionada por volta das 20h30. Segundo a força militar, a operação teve riscos significativos, devido à falta de iluminação e instabilidade climática do local. A bebê e a mãe foram levadas para o Pronto Socorro Infantil da Zona Sul, onde receberam atendimento adequado.
Apoio aéreo noturno salva vida de bebê da etnia Baré — Foto: Divulgação/Comando Militar da Amazônia
Segundo o Exército, este não é o primeiro salvamento realizado em meio à seca. Na última semana, o Fundo Amazônia Solidária pediu auxílio no resgate de um indígena que havia sido picado por uma cobra. Ele foi transferido para Manaus e atendido por profissionais de saúde. Na mesma semana, militares também realizaram um parto.
Indígena e professor da aldeia Santo Antônio, Herton Mura explica que o leito do Rio Amazonas chegou a encher, mas muito pouco. Na região onde mora, o rio Apipica segue em situação crítica.
— Por aqui, inclusive, o rio está secando mais. Geralmente, quando a cheia está próxima de vir, os afluentes secam mais, enquanto os outros começam a criar um pouco mais de volume de água — explica o professor.
A aldeia Santo Antônio fica entre o baixo Amazonas e o baixo Madeira. Com a seca intensa dos rios, a locomoção fica praticamente impossível. A população precisa andar longas distâncias e, em casos extremos de saúde, a comunidade precisa se reunir para ajudar no resgate.
— Quando há algum caso de saúde em que é preciso fazer a remoção do paciente da aldeia, todos têm que carregar e colocar a pessoa dentro de uma rede. Se não for uma situação grave, ela até chega com vida no pronto-socorro. Mulheres grávidas, no mês de ter o bebê, já vão logo pra cidade, porque, se ficarem aqui, pode acontecer algo adverso e elas perderem o filho — relata.
Às vésperas da prova do Enem, estudantes inscritos terão que se deslocar para a sede do município ou algumas escolas do estado. Para chegar, precisam viajar um ou dois dias antes e ficar na casa de algum conhecido. Por não terem onde ficar, o professor diz que muitos não conseguirão fazer a prova.
Dificuldade para comer e beber
Herton Mura explica que, para as comunidades indígenas, os ribeirinhos e quem vive no interior, a seca dos rios afeta diretamente a alimentação e o dia a dia. Com os rios mais rasos, alguns peixes morrem. Outros vão para os lagos.
— Como secou o rio, fica difícil pescar. Então, é preciso comprar. Quem tem dinheiro vai atrás de um frango ou uma carne em uma vila vizinha. Para chegar, é em torno de 1h, 1h30 andando pelo que sobrou do rio, na lama mesmo — diz Mura.
O único lago no qual ainda há possibilidade de pesca é o Murutinga. Até lá, são 45 minutos a pé “para pegar peixe pequeno”. Além das pessoas da aldeia, outras comunidades ribeirinhas também pescam no local, e há concorrência para conseguir alimento.
Já na aldeia Soares, no município de Autazes, a comida não está em falta, segundo o morador Sérgio Freitas, pela região ter um lago com peixes. No entanto, a falta de água potável é um grande problema.
— A nossa luta é constante. Dentro do lago, está muito seco e estamos lutando por água potável. Os poços que tínhamos aqui estão secando e não dá mais para encher as caixas d’água da comunidade. Então, temos que puxá-la de outros lugares para conseguir tomar banho, fazer comida e tudo mais — detalha Freitas.
Cientistas do projeto MabBiomas, que mapeia a ocupação do solo no Brasil, indicaram que a seca deste ano já fez com que o estado do Amazonas perdesse em setembro uma área de superfície de água de 530 a 630 mil hectares, medida semelhante à área do Distrito Federal.
O levantamento foi feito a partir de imagens de satélite, e mostra que apenas o município de Barcelos, o maior do estado, perdeu 69 mil hectares em superfície de água em relação ao nível médio dos últimos anos para o mês.
Fonte: O GLOBO
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