Gasto de R$ 103 milhões irritou minoritários, que querem ampliar escrutínio; estatal alega ter fechado acordos similares com outros 12 estados
Na última reunião ordinária do conselho, ocorrida em 20 de novembro outubro, integrantes do colegiado não gostaram de terem sido informados a respeito do acordo apenas depois que ele já estava fechado e questionaram a sua conveniência. O governo potiguar é comandado por Fátima Bezerra (PT), aliada do CEO Jean Paul Prates.
Em consequência desse acordo, no último dia 31 o Rio Grande do Norte recebeu da petroleira R$ 103 milhões referentes a dívidas de ICMS.
Segundo a própria estatal, o programa de renegociação de dívidas do estado garantiu um desconto de 50% na dívida e de 90% sobre os juros e multas.
Mas as vantagens não convenceram parte dos conselheiros, incluindo representantes de acionistas minoritários.
Como o total das dívidas poderia atingir R$ 1,1 bilhão com juros e correção monetária, eles argumentaram que pagar apenas não traria vantagem à Petrobras.
Alguns deles inclusive levantaram a suspeita de que o acordo fosse uma espécie de pagamento fracionado em parcelas de menos de R$ 100 milhões para poder manter a decisão abaixo do limite em que não é necessário consultar o conselho para aprovar os pagamentos.
A suspeita tem a ver com a relação de Prates com Fátima Bezerra, do PT – ele foi suplente dela no Senado até 2019, quando ela foi eleita governadora do Rio Grande do Norte e Prates se tornou senador.
Por causa desse impasse, foi feita uma proposta para alterar uma alteração na chamada matriz de limites de atuação (MLA) da Petrobras, que delimita as competências do Conselho e da Diretoria Executiva da estatal.
Outra sugestão foi a inclusão de municípios e estados na política de transações com partes relacionadas da companhia, o que ampliaria a fiscalização do colegiado sobre esse tipo de renegociação e, por consequência, diminuiria a autonomia da cúpula em aderir a programas similares.
A proposta desagradou Prates, que chegou a questionar se havia falta de confiança dos conselheiros em relação à cúpula da petroleira.
Procurada pela equipe da coluna, a assessoria de imprensa da Petrobras confirmou que o acordo não foi submetido ao conselho por ser menor do que o necessário para ser avaliado ao colegiado – mas afirmou que o acerto “de forma nenhuma” representa um fracionamento de dívida. Também classificou o desconto como “vantajoso” para a petroleira “em função das perdas classificadas como possíveis”.
A companhia informou ainda que a negociação seguiu “aspectos técnicos, jurídicos e econômicos”, as regras de governança da empresa e os “limites de alçada estabelecidos nos normativos internos” e que “seguirá analisando tecnicamente” eventuais programas para regularização de dívidas.
A estatal ressaltou ainda ter aderido a acordos similares com 12 estados nos últimos anos, entre eles o Rio de Janeiro, além de seis municípios, e que estabelece análises técnicas toda vez que programas de regularização de dívidas são abertos em âmbito federal, municipal ou estadual.
A companhia também foi questionada a respeito da proposta de revisão da política de transações com partes relacionadas e da matriz de limites de atuação, mas não respondeu.
O programa de recuperação de créditos tributários do RN, batizado de Refis, foi aprovado por uma lei estadual em setembro com o objetivo de aliviar a situação fiscal do estado, mas também tem uma finalidade política.
O projeto tramitou em regime de urgência na Assembleia Legislativa, e parte da verba será usada para pagar emendas parlamentares que estão atrasadas há meses.
No fim de outubro, o governo de Fátima Bezerra precisou prorrogar o Refis por mais um mês após a meta de arrecadação de R$ 1,5 bilhão ter sido frustrada. Pouco menos de R$ 450 milhões entraram no caixa do estado – e a negociação com a Petrobras é quase um quarto deste valor.
O fechamento do acordo também provocou críticas no estado. A oposição ao governo do PT defendeu o pagamento integral da dívida pela Petrobras, enquanto a base petista argumentou que a renegociação oxigenaria as finanças potiguares.
Deputados também têm cobrado da gestão de Fátima Bezerra transparência em relação aos valores arrecadados pelo Refis – assim como conselheiros da Petrobras.
“Apesar de já ter enviado um requerimento à Secretaria de Tributação do RN solicitando informações sobre o valor total arrecadado através do Refis, o valor da dívida específica da Petrobras, o desconto concedido para a estatal na negociação e o valor referente ao ICMS repassado aos municípios, não obtive até a presente data qualquer resposta por parte da administração estadual”, crítica o deputado Tomba Farias (PSDB), vice-presidente da Assembleia e da Comissão de Finanças e Fiscalização.
Procurado, o governo do Rio Grande do Norte não respondeu por que os dados não foram disponibilizados para o parlamento. A Secretaria de Tributação do estado, responsável pelo Refis, não atendeu às ligações da equipe do blog.
O fechamento do acordo também não foi divulgado pela governadora e nem por Prates nas redes sociais, onde ele costuma ser bastante ativo.
Mas a injeção de dinheiro não é a primeira medida de Prates no comando da Petrobras que cria agenda positiva para o governo potiguar.
Na semana passada, a própria governadora anunciou que a Petrobras enviará à Bacia Potiguar uma sonda como parte de pesquisas para a exploração de petróleo em águas profundas da Bacia Potiguar e nos campos de Pitú e Anhangá.
Em fevereiro, Fátima também celebrou o anúncio de que a gestão Prates desistiu da venda de todos os ativos da Petrobras no RN e da transferência dos funcionários para outras regiões do país, anunciada no governo Jair Bolsonaro, e a criação de uma nova diretoria de energias renováveis sediada no estado.
Em outubro, Prates negou em entrevista ao programa Roda Viva a intenção de pretensão de concorrer ao governo do Rio Grande do Norte em 2026. Mas se mudar de ideia até lá ou, ainda, disputar a prefeitura de Natal em 2024, não faltarão feitos a apresentar ao eleitorado.
Fonte: O GLOBO
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