Nova legislação e colapso de grandes empresas aquecem filão das gestoras. Até outubro, 1.128 pediram proteção contra credores. Número de gestoras no segmento saltou de 6, em 2015, para 39
Americanas, Starbucks, Marisa, M.Officer são algumas da longa lista de empresas que entraram com pedido de recuperação judicial este ano. Entre janeiro e outubro, segundo a Serasa Experian, foram 1.128 companhias no país a pedir proteção contra credores. O número já supera todos os 833 pedidos registrados no ano passado.
A combinação de empresas em dificuldade financeira e crédito mais restritivo fomentou o mercado da crise composto por gestoras, consultorias e advogados especializados em lidar com as adversidades corporativas.
São gestoras que se concentram nas chamadas “situações especiais” ou special sits. Elas atuam no financiamento para empresas em recuperação, contam com fundos voltados para a compra de precatórios (débitos da União para os quais não cabe mais recurso na Justiça) e dívidas. Muitas acabam concedendo crédito nos casos em que os bancos não chegam.
R$ 13,4 bi para investir
— Você tem no Brasil um ambiente muito frutífero para essa estratégia. Do lado das disputas judiciais, há um estoque de ações gigantesco que pode ser alvo de aquisições de fundos. Com juros altos, isso gera um impacto na capacidade de pagamento das empresas — destaca o sócio da gestora Spectra Investments, Renato Abissamra.
Recuperação Judicial — Foto: Criação O Globo
Levantamento da Spectra Investments mostra que há 39 gestoras independentes nesse segmento, número que corresponde a quase oito vezes as cinco casas existentes em 2015. Juntas, têm R$ 13,4 bilhões de capital disponível para investimento. Em 2012, esse valor era de R$ 1,2 bilhão.
As gestoras não são as únicas a explorar o filão da crise. Grandes empresas em turbulência abriram caminho para batalhões de advogados especializados em lidar com a Lei de Recuperação Judicial e consultorias que atuam para intermediar contatos de quem quer manter seu negócio de pé e credores que buscam receber o mais rápido possível.
O foco desse mercado é criar soluções mais adequadas às necessidades de cada companhia, que, por sua vez, poderão ver luz no fim do túnel por meio do acesso a crédito, mesmo que a custo maior.
—Uma construtora que tenha ações na Justiça ou precatórios, por exemplo, pode vender esse ativo judicial e se capitalizar — afirma a responsável pela estratégia de “situações especiais” da JGP, Luiza Oswald, explicando que normalmente o trabalho envolve ativos que requerem análise aprofundada do ponto de vista jurídico e financeiro.
A JPG lançou seu primeiro fundo de special situation em junho de 2021, que já está com recursos totalmente alocados. Desde então, outros dois já foram lançados, com cerca de R$ 300 milhões investidos.
Quase 4 mil no regime
Segundo dados do Monitor RGF de Recuperação Judicial, desenvolvido pela RGF, o número de empresas no regime no Brasil atingiu a marca de 3.872 no terceiro trimestre. O estoque no fim do primeiro semestre era de 3.823 processos.
Segundo Rodrigo Gallegos, sócio da consultoria e especialista em recuperação judicial, esse aumento nas empresas no regime já era esperado. Muitas se endividaram no período em que os juros estavam baixos e o crédito era mais abundante. E não conseguiram lidar com a mudança de rumo.
A pandemia drenou receitas e a crise da Americanas, no início do ano, teve impacto no mercado de crédito, com bancos mais rigorosos na hora de conceder recursos e alongar dívidas.
— Com a questão da Americanas, as companhias pararam de conseguir essa renegociação de dívida ou até dinheiro novo de forma muito abrupta. A taxa Selic baixou, mas segue elevada e as empresas ainda não vão conseguir pagar esses custos financeiros. Devemos ver mais recuperações judiciais — destaca Gallegos.
Mudança facilitou operações
A reforma da Lei de Recuperação Judicial (RJ), que entrou em vigor em 2020, facilitou os processos de proteção contra credores. Uma delas é o chamado empréstimo DIP. Trata-se de um financiamento para empresas que estão no regime que permite que esses credores passem para a frente na fila para receber os valores devidos. O DIP precisa ser aprovado pelo juiz que cuida do processo e pelos credores.
— Antes, o financiador que colocasse dinheiro em um plano de recuperação judicial não tinha segurança que teria o dinheiro de volta, caso a decisão que autorizasse o financiamento fosse alterada em segunda instância. O instrumento foi aperfeiçoado para dar mais segurança ao investidor — disse a especialista em RJ, Falência e Arbitragem e sócia do Dias Carneiro Advogados, Laura Bumachar.
Crédito mais caro
O sócio-diretor de assessoria financeira da consultoria Alvarez & Marsal A&M, Eduardo Gallardo, afirma que as melhorias na legislação permitiram que os processos ficassem mais rápidos:
— O crédito está mais difícil, mais caro, mas a oferta está maior, com a entrada de novos agentes. É difícil não conseguirmos levantar dinheiro para uma empresa, o que falta são estruturas mais sofisticadas.
Segundo Gallardo, o montante de financiamento via DIP deve passar dos R$ 4 bilhões até o fim do ano nos casos tocados pela A&M. A expectativa é que o número seja maior em 2024.
Lojas Marisa: foram fechadas 88 lojas — Foto: Divulgação
— É um mercado de crédito que não existia e é atraente pelas taxas de retorno. Você consegue cobrar caro e trazer acesso a crédito a uma empresa que antes não tinha — destaca Mateus Tessler, o sócio da Jive, empresa que deve terminar o ano com R$ 11 bilhões sob gestão em seus fundos.
Para os profissionais desse mercado, a tendência é que ainda haja demanda, mesmo com o ciclo de queda nos juros já iniciado pelo Banco Central (BC).
— A taxa de juros está diminuindo, mas não na velocidade que seria necessário. E ainda há o problema de crédito. A maioria dos nossos clientes quando vai pedir crédito é para capital de giro e não para investimentos e aquisições, e os bancos estão pedindo garantias enormes e com os juros superando 2% ao mês — afirma o especialista em recuperação e reestruturação de empresas, Salvatore Milanese.
Fonte: O GLOBO
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