Cúpula de 2025 em Belém (PA) precisará entregar agenda concreta para fim dos combustíveis fósseis e metas de corte de CO2 compatíveis com limite de aquecimento de 1,5°C

A COP28, a conferência do clima de Dubai, terminou nesta quarta-feira deixando uma sensação ambígua entre ambientalistas. A declaração final aprovada nesta madrugada evitou o pior, uma sabotagem na responsabilização dos combustíveis fósseis pelo aquecimento global. O texto não incluiu porém a cobrança de uma agenda clara para frear petróleo, carvão e gás, transferindo a pressão para a COP30, que ocorrerá no Brasil em 2025.

Uma relativa sensação de alívio foi relatada por especialistas que acompanharam a negociação durante as duas últimas porque na véspera do fim do encontro, houve uma tentativa de retrocesso. Os emiradenses, que presidem a conferência, tentaram fazer a plenária de 136 países passar uma resolução que retirava a menção à necessidade de zerar as emissões fósseis em algum momento para atingir os objetivos do Acordo de Paris de evitar um aquecimento maior que 1,5°C.

Num dia de negociações que avançaram na madrugada, uma reviravolta final levou a um texto que prevê um desvio (transition away) da trajetória de produção de combustíveis fósseis até 2050 de modo a acomodar a meta de Paris, mas sem mencionar números mais específicos. Esse item consta do Global Stocktake, um balanço mundial sobre a situação de combate à crise do clima que era a principal tarefa do encontro.

O Brasil chegou à COP28 com o discurso de liderar o processo para puxar a ambição dos países para prometer mais cortes de emissões, já que o desmatamento, sua principal fonte de emissões está em queda. O país perdeu parte de seu poder de influência, porém, após aceitar convite dos árabes para integrar a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP).

"O resultado da COP28, forte nos sinais, mas fraco na substância, significa que o governo brasileiro precisa assumir a liderança até 2024 e lançar as bases para um acordo da COP30 em Belém que atenda às comunidades mais pobres e vulneráveis do mundo e à natureza. Pode começar por cancelar a sua promessa de aderir à OPEP, o grupo que tentou e não conseguiu destruir esta cimeira", afirmou Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, a maior coalizão de ONGs ambientalistas do país.

Não ajuda o Brasil em sua busca de protagonismo, também, a coincidência de a COP28 ter terminado no mesmo dia em que a Agência Nacional de Agência Nacional do Petróleo (ANP) leiloa mais de 600 blocos de exploração de petróleo no Brasil. Apelidada pelos ambientalistas de "leilão do fim do mundo", a abertura de novos poços vai contra o que preconiza o IPCC (painel do clima da ONU) e Agência Internacional de Energia (IEA).

"É preciso liderar pelo exemplo, o que significa que temos um grande desafio interno, já que parte do governo ignora a crise climática e trabalha para alinhar o Brasil ao grupo das nações responsáveis pelo quase fracasso da COP28", afirma Maurício Voivodic, diretor executivo da divisão brasileira da ONG WWF.

O Brasil terá pouco mais de um ano para articular uma pressão de ambição que envolve combater, inclusive, contradições internas no governo federal. O interlúdio para isso será a COP29 a ser realizada no fim do ano que vem, que ainda estava sem hospedagem, mas foi acolhida pelo governo do Azerbaijão.

Internamente, a decisão da COP28 fortalece a ministra do Meio Ambiente do Brasil, Marina Silva, o setor do governo que mais pressiona pela ambição climática, mas ainda se vê ocasionalmente em conflito com ministérios da Agricultura e Minas e Energia.

— Nós estamos felizes com a decisão do estabelecimento de uma troica, Emirados Árabes Unidos, Azerbaijão e Brasil, para fazermos nestes dois anos o que a ciência nos diz ser a última janela de oportunidade para redirecionar nossas ações para 1,5°C — disse Marina em discurso. — Não podemos sair daqui sem a firme decisão de enfrentar o debate sobre o ritmo lento da descarbonização do planeta e trabalhar por uma economia menos dependente de combustíveis fósseis.

Apesar das críticas ao tom vago da declaração do Global Stocktake em relação aos fósseis, analistas dedicados a acompanhar as negociações climáticas internacionais afirmam que há algo de inédito no texto.

"Apesar de não termos um plano claro sobre como se dará a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis, o ganho real da COP28 foi colocar tais combustíveis no centro do debate, responsabilidade que nenhuma das 27 Conferências do Clima anteriores tinham assumido", diz Camila Jardim, especialista em política internacional do Greenpeace no Brasil, que aponta também avanços de financiamento na agenda climática.

Por ser vago, o texto da COP28 tem, porém, brechas para que a essência do texto seja desvirtuada no futuro, aponta Natalie Unterstell, presidente do think-tank Instituto Talanoa. Uma dessas lacunas é uma abertura para que o gás natural possa ser explorado como "combustível de transição" entre o fim do petróleo e as emissões zero de combustíveis fósseis.

"Há um parágrafo inteiro sobre combustíveis de transição sem alternativas claras ao gás fóssil. Ao que consta, sem ele, países grandes não topariam o texto", diz Unterstell, que destaca também a demora das COPs em tratar da questão de adaptação à mudança do clima que já vem sendo verificada. "A parte de adaptação ficou muito declaratória."

Cientistas que acompanharam a negociação manifestaram uma impressão similar à de ambientalistas.

"O que está na decisão não chega nem perto de garantir a limitação do aumento da temperatura em 1,5°C alinhado com Paris, mas é um passo importante nessa direção", diz Tasso Azevedo, coordenador do projeto MapBiomas no Brasil. "Uma transição para emissões zero até 2050 é muito pouco. O mais importante do texto foi a indicação de que ela precisa começar nesta década."


Fonte: O GLOBO