Levantamento do Globo indicou que cifra nas mãos de um deputado no ano que vem será maior do que a recebida por 79% das prefeituras do país
A ofensiva do Congresso para ter mais controle do Orçamento fez mais que dobrar o valor disponível para parlamentares indicarem a seus redutos eleitorais nos últimos dez anos. Em 2014, último ano em que as emendas não precisaram ser obrigatoriamente pagas pelo governo, congressistas tinham direito a R$ 26 milhões, em valores corrigidos pela inflação.
No ano que vem, cada um terá direito, em média, a R$ 58 milhões. Assim, a cifra nas mãos de apenas um deputado, por exemplo, será maior do que a recebida por 79% das prefeituras do país no ano passado, segundo levantamento feito pelo GLOBO considerando todas as transferências da União para as cidades.
O aumento do poder do Parlamento de definir o destino dos recursos públicos diverge, em larga medida, do que é adotado em outros lugares do mundo. De acordo com estudo feito pelo economista Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper e especialistas em contas públicas, o Brasil é um dos países em que o Legislativo mais realiza alterações no Orçamento.
Comparativo Brasil e Portugal — Foto: Editoria de Arte
Em 2022, 24% da receita foram emendados pelos deputados e senadores, índice superior a dados semelhantes de países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). No Brasil, em 2022, foram submetidas 7.014 emendas e aprovadas 6.522. Em comparação, em Portugal, em 2021, foram submetidas 1.547 emendas e aprovadas 291.
— A diferença é imensa. Não existe, no mundo, país em que o Congresso interfira tanto no Orçamento — afirmou Mendes.
O estudo compara também o que é classificado como “pork barrel” nos Estados Unidos, que seriam as emendas sem relação com o Orçamento e que beneficiam apenas a área de origem do legislador. Nos EUA, o percentual dessas despesas em relação aos gastos primários (excluindo o orçamento com Defesa) foi de apenas 2,3% nos anos de 2019 e 2021.
No Brasil, em 2022, as emendas de investimento direcionadas a localidades específicas representaram 11,6% das despesas discricionárias. “Nosso ‘pork’, portanto, é cinco vezes maior que o dos EUA”, compara Mendes no trabalho.
Linha do tempo emendas — Foto: Editoria de Arte
Deputados e senadores argumentam que são eles quem conhecem as necessidades imediatas da população de suas cidades, por meio do contato direto com prefeitos e lideranças locais.
Para Mendes, essa argumentação se sustenta até certo ponto, já que leva a uma excessiva “municipalização” das políticas públicas.
— Uma estratégia nacional de segurança pública, de saúde, requer planejamento e organização, o que depende da capacidade do governo federal de definir, por exemplo, onde é melhor e mais eficiente ter um hospital de alta complexidade. Mas com as emendas, o que acontece é uma pulverização desse recurso — diz.
Os R$ 58 milhões a que cada parlamentar terá direito levam em conta apenas as chamadas emendas impositivas, que o governo é obrigado a pagar. A conta poderia ser ainda maior se o Congresso tivesse levado adiante a ideia de também impor esta condição às chamadas emendas de comissão. A quantia reservada a essa modalidade em 2024 é de R$ 11 bilhões, o que elevaria a média de recursos para cada deputado e senador a R$ 81 milhões.
Embora o relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), Danilo Forte (União-CE), tenha recuado do plano de tornar a execução desses recursos obrigatória, um acordo entre o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prevê que elas não serão bloqueadas no ano que vem.
O acordo que manteve a liberação das emendas de comissão no campo da negociação política — e não uma obrigação legal — diverge da forma como o Congresso tem atuado nos últimos anos para aumentar seu poder de dizer como o Executivo deve gastar o dinheiro público.
Em 2015, por exemplo, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) tornou o pagamento das emendas individuais impositivo e garantiu que 1,2% de toda a receita corrente do governo fosse destinada à indicação dos deputados e senadores. Em 2019, uma nova PEC aumentou a obrigação para 2,2% ao incluir nesse rol as emendas de bancadas estaduais. Por fim, no ano passado, a chamada PEC da Transição aumentou os recursos disponíveis a deputados e senadores para 3% da receita do governo.
Além disso, nesse período, os parlamentares criaram outros mecanismos para inflar ainda mais seu acesso ao Orçamento: de 2020 a 2022, foram inchadas as emendas de relator, popularmente conhecidas como “orçamento secreto”. A modalidade foi considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no ano passado pela falta de transparência na indicação de seus beneficiários.
A alternativa para contornar a decisão da Corte foi apostar nas emendas de comissão, que já existiam, mas eram ignoradas pelos parlamentares pelo fato de o governo quase nunca pagá-las. Na prática, ficavam como se fosse letra morta na lei orçamentária. O cenário mudou diante de uma base aliada fragilizada, e esses recursos também passaram a ser usados como moeda de troca pelo Palácio do Planalto. Dos R$ 6,8 bilhões reservados neste ano, 80% já foram empenhados — a primeira etapa para o pagamento ser feito.
O crescimento dos recursos é o pano de fundo de uma disputa aberta com o governo federal pelo poder de direcionar recursos orçamentários. Desde as eleições, o presidente Lula demonstra incômodo com o aumento de poder dos deputados e senadores.
Em maio de 2022, Lula chegou a comparar Lira ao “imperador do Japão” pela sua ascendência política, em especial, no Orçamento. Sem conseguir, no entanto, reduzir essa influência, o governo mudou a tática e tenta convencer parlamentares a destinar suas emendas para projetos que considera prioritários, como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Mas, por enquanto, não tem conseguido. Como revelou O GLOBO, na contramão do que propôs o Planalto, congressistas sugeriram retirar cerca de R$ 9 bilhões do PAC para destinar a seus redutos eleitorais.
Melhorias dissipadas
Especialistas concordam que parlamentares destinarem recursos públicos para o caixa de prefeituras aliadas não é, por si só, um problema. Estudos apontam melhora em indicadores de qualidade de vida da população nos municípios mais agraciados. Entretanto, sem uma estratégia definida, esses avanços vão se dissipando com o tempo.
— Essas políticas têm o condão de, a curto prazo, melhorarem indicadores. O problema é que, à medida que o tempo passa, as localidades vão acumulando benefícios e eles vão ficando menos eficientes — afirma o cientista político Frederico Bertholini, da UnB.
Para Bertholini, é preciso tirar a carga negativa das emendas como um fator de barganha e tratá-las como mecanismo para políticas públicas eficientes:
— A barganha política é importante para o equilíbrio entre o Executivo e o Legislativo. E isso não é corrupção. Essa confusão é perniciosa até para a política, porque abre espaço para quem vende simplificação: se todas as relações políticas são corruptas, acabou o espaço da mediação.
Fonte: O GLOBO
O aumento do poder do Parlamento de definir o destino dos recursos públicos diverge, em larga medida, do que é adotado em outros lugares do mundo. De acordo com estudo feito pelo economista Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper e especialistas em contas públicas, o Brasil é um dos países em que o Legislativo mais realiza alterações no Orçamento.
Comparativo Brasil e Portugal — Foto: Editoria de Arte
Em 2022, 24% da receita foram emendados pelos deputados e senadores, índice superior a dados semelhantes de países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). No Brasil, em 2022, foram submetidas 7.014 emendas e aprovadas 6.522. Em comparação, em Portugal, em 2021, foram submetidas 1.547 emendas e aprovadas 291.
— A diferença é imensa. Não existe, no mundo, país em que o Congresso interfira tanto no Orçamento — afirmou Mendes.
O estudo compara também o que é classificado como “pork barrel” nos Estados Unidos, que seriam as emendas sem relação com o Orçamento e que beneficiam apenas a área de origem do legislador. Nos EUA, o percentual dessas despesas em relação aos gastos primários (excluindo o orçamento com Defesa) foi de apenas 2,3% nos anos de 2019 e 2021.
No Brasil, em 2022, as emendas de investimento direcionadas a localidades específicas representaram 11,6% das despesas discricionárias. “Nosso ‘pork’, portanto, é cinco vezes maior que o dos EUA”, compara Mendes no trabalho.
Linha do tempo emendas — Foto: Editoria de Arte
Deputados e senadores argumentam que são eles quem conhecem as necessidades imediatas da população de suas cidades, por meio do contato direto com prefeitos e lideranças locais.
Para Mendes, essa argumentação se sustenta até certo ponto, já que leva a uma excessiva “municipalização” das políticas públicas.
— Uma estratégia nacional de segurança pública, de saúde, requer planejamento e organização, o que depende da capacidade do governo federal de definir, por exemplo, onde é melhor e mais eficiente ter um hospital de alta complexidade. Mas com as emendas, o que acontece é uma pulverização desse recurso — diz.
Os R$ 58 milhões a que cada parlamentar terá direito levam em conta apenas as chamadas emendas impositivas, que o governo é obrigado a pagar. A conta poderia ser ainda maior se o Congresso tivesse levado adiante a ideia de também impor esta condição às chamadas emendas de comissão. A quantia reservada a essa modalidade em 2024 é de R$ 11 bilhões, o que elevaria a média de recursos para cada deputado e senador a R$ 81 milhões.
Embora o relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), Danilo Forte (União-CE), tenha recuado do plano de tornar a execução desses recursos obrigatória, um acordo entre o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prevê que elas não serão bloqueadas no ano que vem.
O acordo que manteve a liberação das emendas de comissão no campo da negociação política — e não uma obrigação legal — diverge da forma como o Congresso tem atuado nos últimos anos para aumentar seu poder de dizer como o Executivo deve gastar o dinheiro público.
Em 2015, por exemplo, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) tornou o pagamento das emendas individuais impositivo e garantiu que 1,2% de toda a receita corrente do governo fosse destinada à indicação dos deputados e senadores. Em 2019, uma nova PEC aumentou a obrigação para 2,2% ao incluir nesse rol as emendas de bancadas estaduais. Por fim, no ano passado, a chamada PEC da Transição aumentou os recursos disponíveis a deputados e senadores para 3% da receita do governo.
Além disso, nesse período, os parlamentares criaram outros mecanismos para inflar ainda mais seu acesso ao Orçamento: de 2020 a 2022, foram inchadas as emendas de relator, popularmente conhecidas como “orçamento secreto”. A modalidade foi considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no ano passado pela falta de transparência na indicação de seus beneficiários.
A alternativa para contornar a decisão da Corte foi apostar nas emendas de comissão, que já existiam, mas eram ignoradas pelos parlamentares pelo fato de o governo quase nunca pagá-las. Na prática, ficavam como se fosse letra morta na lei orçamentária. O cenário mudou diante de uma base aliada fragilizada, e esses recursos também passaram a ser usados como moeda de troca pelo Palácio do Planalto. Dos R$ 6,8 bilhões reservados neste ano, 80% já foram empenhados — a primeira etapa para o pagamento ser feito.
O crescimento dos recursos é o pano de fundo de uma disputa aberta com o governo federal pelo poder de direcionar recursos orçamentários. Desde as eleições, o presidente Lula demonstra incômodo com o aumento de poder dos deputados e senadores.
Em maio de 2022, Lula chegou a comparar Lira ao “imperador do Japão” pela sua ascendência política, em especial, no Orçamento. Sem conseguir, no entanto, reduzir essa influência, o governo mudou a tática e tenta convencer parlamentares a destinar suas emendas para projetos que considera prioritários, como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Mas, por enquanto, não tem conseguido. Como revelou O GLOBO, na contramão do que propôs o Planalto, congressistas sugeriram retirar cerca de R$ 9 bilhões do PAC para destinar a seus redutos eleitorais.
Melhorias dissipadas
Especialistas concordam que parlamentares destinarem recursos públicos para o caixa de prefeituras aliadas não é, por si só, um problema. Estudos apontam melhora em indicadores de qualidade de vida da população nos municípios mais agraciados. Entretanto, sem uma estratégia definida, esses avanços vão se dissipando com o tempo.
— Essas políticas têm o condão de, a curto prazo, melhorarem indicadores. O problema é que, à medida que o tempo passa, as localidades vão acumulando benefícios e eles vão ficando menos eficientes — afirma o cientista político Frederico Bertholini, da UnB.
Para Bertholini, é preciso tirar a carga negativa das emendas como um fator de barganha e tratá-las como mecanismo para políticas públicas eficientes:
— A barganha política é importante para o equilíbrio entre o Executivo e o Legislativo. E isso não é corrupção. Essa confusão é perniciosa até para a política, porque abre espaço para quem vende simplificação: se todas as relações políticas são corruptas, acabou o espaço da mediação.
Fonte: O GLOBO
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