Segundo analistas, compras unificadas, corte de privilégios e tecnologia ajudam, dizem especialistas

O governo federal pretende gastar R$ 2,18 trilhões no ano que vem — sem considerar as despesas com juros — o que corresponde a 19,2% do nosso PIB, segundo o Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa). Os números mostram o tamanho que o Estado brasileiro ocupa na economia e nos leva à seguinte questão: quanto poderia ser economizado apenas com a otimização de programas, o combate ao desperdício e uma gestão pública menos perdulária?

O debate encerra a segunda fase da série Estado eficiente, que convidou especialistas das mais diferentes formações e visões para discutir como aprimorar os gastos do governo.

Uma simples regra de três dá pistas sobre essa resposta. Se o governo fosse apenas 1% mais eficiente na gestão dos seus recursos, nada menos que R$ 21,88 bilhões deixariam de ser gastos.

A comparação com os projetos de aumento de arrecadação enviados pelo Ministério da Fazenda ao Congresso Nacional dá uma ideia do que significa esse valor. A taxação dos chamados fundos exclusivos (voltados para a alta renda) e offshore (no exterior) prevê um aumento de R$ 20 bilhões de recursos por ano.

Se ambas as agendas fossem combinadas — aumento de arrecadação, de um lado, e eficiência nos gastos, de outro —, o país superaria mais rapidamente o desequilíbrio fiscal que acompanha as contas públicas há quase dez anos, desde 2014.

Especialistas apontam que a economia de recursos poderia acontecer de diversas formas, desde a revisão de centenas de contratos de aluguel que o governo federal tem espalhados pelo país, passando pelo cruzamento e pela reformulação de bancos de dados e cadastros de programas sociais, até o uso da Inteligência Artificial (IA) para acelerar processos.

As margens para ganhos de eficiência são muitas. Por ser o maior consumidor de produtos e serviços do país, o governo federal poderia centralizar a sua gestão de compras para ganhar escala e ter maior poder de negociação com fornecedores para conseguir sempre os melhores preços.

No serviço público, é preciso rever a progressão de carreiras, por meio de uma reforma administrativa, e combater os chamados “penduricalhos”, principalmente no Poder Judiciário, que quebram o teto de remuneração do serviço público — atualmente em R$ 41.650,92 — e ajudam a criar uma “casta” de servidores a um custo bilionário para os cofres públicos.

No Ministério do Planejamento, o secretário de Orçamento, Paulo Bijos, elabora um projeto que vai estabelecer o novo marco orçamentário do país, para atualizar uma lei de 1964 que tem sido considerada ultrapassada.

O objetivo é implementar o que a literatura econômica chama de “orçamento por desempenho”, com revisões constantes de gastos, metas preestabelecidas de resultado sobre cada rubrica e o principal: fornecer ferramentas e criar a cultura dentro do serviço público de avaliação e realocação de despesas.

É necessário otimizar as despesas

Bruno Carazza é professor associado da Fundação Dom Cabral — Foto: Arquivo pessoal

O tamanho do Estado brasileiro reflete as escolhas feitas pelo país principalmente na Constituição de 1988. Temos um volume de despesas equivalente ao de economias desenvolvidas, o que também nos exige uma carga tributária elevada.

Vêm da Carta Magna a decisão de se ter um sistema público de saúde universal, para todos os brasileiros, o nosso esforço de inserir as crianças na escola e o aumento das despesas com assistência social, na tentativa de reduzir as desigualdades.

O país gasta demais com categorias que mantêm privilégios. A reforma administrativa não pode ser adiada

Esse é um lado da História que explica por que gastamos muito. Mas isso não afasta a discussão sobre a qualidade do gasto.

O país gasta demais com categorias de servidores que mantêm privilégios, o Orçamento aumenta por uma questão de “inércia” em relação ao exercício anterior, e carreiras do funcionalismo público têm salários de entrada elevados, com poucos degraus até o topo.

Além disso, há dezenas de programas de governo que não passam por reavaliações periódicas e que poderiam ser otimizados, para reduzir despesas ou aumentar resultados.

Um exemplo palpável do que podemos chamar de Estado perdulário está na locação de imóveis. O governo federal tem atuação em todos os estados do país, e muitas vezes aluga imóveis comerciais para instalar repartições públicas de diversas áreas. Mas, a exemplo do que aconteceu com o setor privado na pandemia, muitos órgãos estão atuando em home office. E os imóveis continuam sendo locados, quase sempre sem renegociação desses contratos.

Outro problema surte das compras governamentais. Desde material de escritório e passagens aéreas, a programas de infraestrutura, tudo poderia ter ganhos de escala na hora de realizar as compras, com sistemas centralizados e pesquisas de mercado para se negociar preços mais baixos.

Isso já vem sendo adotado, mas poderia ser ampliado para outras áreas, para compras de Saúde e Educação, por exemplo, pastas com orçamentos muito maiores.

Recuperar a autoridade do teto de salário do funcionalismo público, de R$ 41 mil (equivalente ao salário de um ministro do Supremo Tribunal Federal), é mais um ponto fundamental. Isso foi se perdendo ao longo do tempo, principalmente no Poder Judiciário.

Há uma criatividade muito grande para se justificar a criação de auxílios, benefícios, indenizações, tudo o que a gente chama de “penduricalhos”. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), só no Poder Judiciário foram R$ 6 bilhões gastos no ano passado com esses tipos de pagamentos extras.

A reforma administrativa é outro projeto que não pode ser adiado. É preciso reduzir o número de carreiras, com salários iniciais mais baixos e uma distância mais longa até o topo, para que o servidor público se mantenha motivado e avance na carreira de acordo com as suas entregas e produtividade.

O chamado “orçamento por resultado”, que está sendo elaborado pelo Ministério do Planejamento, é uma das iniciativas mais importantes deste governo. Hoje, o gestor apenas olha o quanto pagou no ano anterior e aumenta a despesa projetada para o ano seguinte, nem que seja para cobrir a inflação.

Com o novo arcabouço orçamentário, no entanto, será preciso repensar as rotinas, avaliar o que pode ser melhorado e, eventualmente, até eliminar e redirecionar recursos. É uma mudança de cultura na gestão, que precisará ser incorporada nos órgãos da administração pública.

Introduzir isso vai exigir do Planejamento um processo de treinamento dos servidores, além da disseminação de informações, sistemas e discussões sobre métricas. Há realidades distintas em cada pasta, cada uma tem uma lógica diferente. O processo tende a ser lento, mas isso não impede que o governo possa colher frutos imediatos.

Bruno Carazza é professor associado da Fundação Dom Cabral

IA pode ajudar na tomada de decisão


Tadeu Barros é diretor-presidente do Centro de Liderança Pública (CLP) — Foto: Divulgação

A eficiência do Estado brasileiro passa por três pilares: qualidade do gasto, combate a privilégios e modernização da gestão pública. Essas são as pedras fundamentais para que a gente tenha, de um lado, a transformação social que o país precisa e, de outro, serviços públicos eficientes para a população.

Uma das formas de se aprimorar a qualidade dos gastos é implementar os chamados “centros compartilhados de serviços”. Alguns estados já estão fazendo isso, e há estudos em andamento no Ministério da Gestão e Inovação, da ministra Esther Dweck.

Além de melhorar a eficiência, tecnologia mudaria a maneira como os governos operam e interagem com os cidadãos.

A ideia, basicamente, é ter ganho de escala nas compras governamentais e aumentar o poder de negociação junto aos fornecedores, para se conseguir preços mais baixos. Quanto maior o volume de compras, menor tende a ser o preço pago por cada unidade. Muitos materiais são comprados separadamente por vários ministérios. Por que não buscar centralização e padronização?

Dessa forma, o governo conseguiria fazer a gestão das demandas de materiais e produtos comuns, saber onde há desperdícios e redistribuir entre as pastas. Por exemplo: se o Ministério da Educação gastou tudo de um determinado material, mas no do Meio Ambiente há o mesmo produto, eu consigo repassar, fazer esse tipo de ajuste fino. É trabalhoso, não é fácil, mas os resultados são significativos em termos de eficiência.

Já há tecnologia disponível para isso, e a inteligência artificial (IA) se encaixa neste contexto: ela pode ver recorrência de preços, pesquisar materiais de melhor qualidade e ajudar o gestor a aprender a fazer melhores compras. A inteligência artificial depende de banco de dados, e o governo tem bases de informação gigantescas, que poderão ser utilizadas com essa finalidade.

A IA oferece uma ampla possibilidade de aplicações no setor público, da saúde à segurança pública, promovendo melhorias na eficiência e na tomada de decisões e reformulando a maneira como os governos operam e interagem com os cidadãos.

Um ranking dos países mais desenvolvidos em inteligência artificial, lançado pelo site britânico Tortoise Media, analisou mais de 140 indicadores de 62 nações e classificou o Brasil na 35ª posição — atrás de países como República Tcheca, Malta e Arábia Saudita, mas à frente de nações como Nova Zelândia, Hungria e Turquia. Há muito a avançar.

O combate aos privilégios é outro pilar importante, e isso passa pela reforma administrativa. Na pandemia, vimos a importância que os servidores públicos têm para o país, e muitos deles ganham R$ 2 mil, R$ 3 mil, enquanto uma minoria, uma verdadeira casta, recebe acima do teto do serviço público, de R$ 41 mil.

Estudo do Centro de Liderança Pública mostra que esses privilegiados, que são 0,29% do total de servidores, custam R$ 3,9 bilhões por ano. É o mesmo orçamento previsto para o Ministério do Meio Ambiente, por exemplo, e 25% de tudo que o governo gasta com projetos de infraestrutura.

A reforma administrativa precisa atuar em três pontos: rever a forma como realizamos os concursos públicos, eliminar as carreiras ultrapassadas e estabelecer critérios de meritocracia. Passar em uma prova não quer dizer que a pessoa tem um DNA para realmente servir a população.

Sobre as carreiras, vivenciamos uma torre de Babel. Há sobreposição de funções e posições totalmente defasadas, como pessoas que recebem para tirar fotocópias ou ascensoristas de elevador. Precisamos também saber como premiar os servidores que são mais produtivos, aqueles que mais entregam serviços de qualidade.

Desde 2014 o governo brasileiro vem registrando déficits primários recorrentes. E a solução proposta pela equipe econômica é o aumento de arrecadação, o que significa mais impostos pagos pela população. É preciso, antes, repensar o gasto público, com ganhos de eficiência.

Tadeu Barros é diretor-presidente do Centro de Liderança Pública (CLP)


Fonte: O GLOBO