Nova ofensiva de Israel afetou principalmente população que já havia sido deslocada de regiões atacadas anteriormente no norte

A confusão e o medo tomaram conta de grande parte dos palestinos no sul de Gaza quando as Forças Armadas de Israel emitiram, no domingo, novas ordens de evacuação para a população civil, em uma região para a qual milhares de pessoas já estão como deslocadas, após deixarem o norte do enclave a mando dos militares israelenses, antes da invasão por terra contra o Hamas.

Os militares israelenses dividiram Gaza em 2,4 mil sub-regiões, e aconselhou os residentes a prestarem atenção aos anúncios sobre cada uma delas. No domingo, o número de áreas sob ordem de evacuação era de 34, todas agrupadas a sudeste de Khan Younis, para onde tanques israelenses parecem estar se deslocando nesta segunda-feira.

“Caros residentes de Gaza, obedecer às instruções de evacuação é a forma mais segura de preservar a vossa segurança, as vossas vidas e as vidas das vossas famílias”, escreveram os militares israelenses em contas em língua árabe no Facebook e no X no domingo. O mapa de evacuação dos militares israelenses mostrava grandes setas laranjas direcionando as pessoas para abrigos já lotados ou o que chamou de “zona humanitária” em al-Mawasi, uma área agrícola em direção ao Mar Mediterrâneo, mas não deixou claro se a zona fornecia suprimentos ou abrigo suficientes.

O alto-comissário da ONU para Refugiados, Filippo Grandi, descreveu a situação dos civis em Gaza como uma "crise de deslocamento".

Palestino ajuda jovem ferido em ataque israelense em Rafah, no sul da Faixa de Gaza — Foto: SAID KHATIB / AFP

— Os palestinos estão sendo empurrados cada vez mais para um canto estreito do já é um território muito pequeno — disse Grandi na Conferência do Clima de Dubai, a COP28, referindo-se aos cerca de 365 km² do enclave.

O mesmo alerta foi feito pelo alto-comissário da ONU para os Direitos Humanos, Volker Turk, que advertiu que, devido às ordens de retirada emitidas por Israel, "centenas de milhares de pessoas" estavam "confinadas em áreas cada vez menores", afirmando que não há "lugar seguro em Gaza".

O Escritório da ONU para Coordenação de Questões Humanitárias estimou neste domingo que cerca de 1,8 milhão dos 2,2 milhões de habitantes de Gaza estão deslocados internamente, o que corresponde a uma fração de quatro em cada cinco palestinos tendo fugido de suas casas.

Abu Yousef, de 42 anos, e a sua família estavam entre os palestinos que deixaram Khan Younis no sábado à noite e se dirigiram para al-Mawasi. Eles tinham visto nas redes sociais que o bairro onde estavam hospedados – no segundo abrigo temporário depois de deixarem sua casa no norte de Gaza – poderia estar marcado para evacuação, mas não tinham certeza.

Examinando o mapa fornecido pelos militares israelenses, ele não sabia se deveriam partir. Então eles receberam uma ligação gravada dos militares israelenses ordenando-lhes que saíssem.

— Você não pode imaginar a dificuldade da situação — disse ele, em entrevista ao The New York Times. — Sua mente para de funcionar, porque você tem filhos, tem idosos que tem que mudar.

Yousef diz que a primeira dúvida foi sobre o que eles deveriam levar consigo: Água? Baterias? Colchões? Enquanto isso, outros vizinhos, agarrados à esperança de que suas casas não entrariam no alvo do fogo israelense, decidiram ficar.

Antes de chegar em al-Mawasi, Yousef e sua família se mudaram duas vezes. Primeiro, da parte mais ao norte de Gaza para a Cidade de Gaza. Depois, de lá para Khan Younis. O terceiro deslocamento aconteceu na noite de sábado.

Em al-Mawasi, ele disse que se instalou com a família sob uma lona de náilon esticada sobre uma madeira e compartilhava um banheiro na casa de um parente próximo. Questionado sobre como planejava conseguir comida para sua família, ele respondeu:

— Não sei. Eu não tenho uma resposta.

Na tarde de domingo, um porta-voz do Ministério da Saúde de Gaza, Ashraf Al-Qudra, disse que 316 pessoas foram mortas em ataques israelenses “nas últimas horas”. Ele disse que mais de 15.500 pessoas foram mortas desde 7 de outubro, quando a guerra começou. Israel anunciou, na manhã desta segunda-feira, que 200 alvos do Hamas foram atingidos durante a retomada da ofensiva.

'Não estamos tentando deslocar ninguém'

Em meio à pressão internacional pelo número de deslocados do conflito, a liderança militar israelense tentou minimizar sua responsabilidade sobre a crise de deslocados. O porta-voz militar Jonathan Conricus afirmou que o país não está tentando obrigar os civis palestinos de Gaza a abandonar suas casas de maneira definitiva, mas reconheceu que as condições são "duras" no território, alvo de bombardeios e cercado por seu Exército.

— Não estamos tentando deslocar ninguém, nem tentando retirar ninguém de algum lugar de forma permanente — declarou Conricus. — Pedimos aos civis que deixem a área de combates. E designamos uma zona humanitária dentro da Faixa de Gaza.

A ideia de “zonas seguras” em Gaza, tal como foi imaginada por al-Mawasi, é contestada pelas Nações Unidas. No mês passado, agências da ONU e outros grupos afirmaram que não participariam na criação de tais zonas em Gaza. “Nenhuma ‘zona segura’ é verdadeiramente segura quando é declarada unilateralmente ou imposta pela presença de forças armadas”, afirmaram os grupos.

(Com The New York Times)


Fonte: O GLOBO