O número de invasões de terra registradas nos primeiros 12 meses do governo Lula superou o total contabilizado em quatro anos da gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro. É o que mostra um levantamento da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), que monitora regularmente as ocupações de movimentos sociais em propriedades rurais.
De acordo com a CNA, de janeiro até dezembro deste ano, foram registradas 72 invasões de terras públicas e particulares em todo o território nacional, ante 23 que haviam sido registradas em 2022, no último ano do governo Bolsonaro.
Somando os quatro anos em que Bolsonaro ocupou o Palácio do Planalto – de 2019 a 2022 –, a CNA mapeou 62 ocupações de terra durante todo governo do antecessor de Lula, ou seja, dez invasões a menos que o verificado só no primeiro ano da atual administração petista.
“Quando o MST está na cúpula do governo, sentado na mesa ao lado do presidente, nada diferente disso nós poderíamos esperar. Infelizmente, somos um país que ignora as leis. O governo acaba endossando, incentivando e financiando as invasões”, disse à equipe da coluna o presidente da Frente Parlamentar do Agronegócio (FPA), Pedro Lupion (PP-PR).
O comentário de Lupion faz referência à viagem à China do líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stédile, aliado histórico de Lula, a quem acompanhou durante visita oficial, em abril deste ano.
Na época, Stédile falou que naquele mês haveria “mobilizações (do movimento) em todos os Estados, seja marchas, vigílias, ocupações de terra, as mil e uma formas de pressionar que a Constituição seja aplicada e que latifúndios improdutivos sejam desapropriados e entregues às famílias acampadas”.
O “abril vermelho” é o mês historicamente caracterizado por uma mobilização mais intensa do MST. Até terras agricultáveis e de preservação da Caatinga, que pertencem à Embrapa, foram invadidas em Petrolina (PE).
Para conter o avanço das ocupações, a bancada ruralista instalou na Câmara dos Deputados a CPI do MST, com oposicionistas no comando do grupo.
Mas os trabalhos da comissão foram finalizados em setembro, após o governo articular para mudar a composição, substituir integrantes e impedir a prorrogação do grupo. Foi a terceira investigação contra o MST instalada no Congresso que terminou sem desfecho nos últimos 20 anos.
A oposição não conseguiu nem votar o relatório final da CPI, elaborado pelo deputado e ex-ministro do Meio Ambiente de Bolsonaro Ricardo Salles (PL-SP), que pedia o indiciamento de 11 pessoas, entre elas o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional Gonçalves Dias e de José Rainha, um dos fundadores do MST. Stédile acabou ficando de fora por falta de provas mais robustas, segundo fontes que acompanharam de perto os trabalhos da comissão.
“Durante a CPI do MST não tivemos nenhuma invasão, mas infelizmente após o término da CPI elas voltaram a ocorrer”, afirmou o presidente da comissão de assuntos fundiários da CNA, Marcelo Bertoni.
“O governo Lula tem que entender que é preciso organização financeira para tratar das questões fundiárias. Não adianta fomentar a discórdia sem ter um plano efetivo para concretizar as desapropriações desejadas, principalmente nas questões indígenas, o que acaba trazendo violência e insegurança jurídica no campo.”
Em vídeo publicado no site do MST na semana passada, Stédile disse que 2023 foi o “pior da história” em termos de famílias assentadas, mas responsabilizou Bolsonaro, alegando que faltaram recursos “porque o orçamento era do governo passado”. O governo Lula rebateu as críticas, sob a alegação de que assentou 7,2 mil famílias e regularizou a situação de outras 40 mil em 2023, o que seria o maior número desde 2015.
Para a deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP), que integrou a CPI do MST do lado governista, hoje “há liberdade para lutar por reforma agrária e buscar direitos”, o que justificaria o aumento de ocupações e ações dos movimentos sociais ao longo de 2023.
“Durante o governo Bolsonaro havia de fato receio de qual poderia ser a reação do governo, autoritário e explicitamente contra o direito de luta, assegurado pelas leis brasileiras”, avaliou a parlamentar.
“Esse argumento (de conivência do governo Lula com o MST) parte do pressuposto de que é papel dos governos reprimir violentamente quem participa de movimentos sociais. É correto o governo Lula respeitar o direito constitucional de organização.”
A CPI do MST não foi o único embate entre ruralistas e lulistas no Parlamento. Em uma derrota para o Palácio do Planalto, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) conseguiu no último dia 19 ampla maioria no Congresso para enxertar na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024 uma emenda que proíbe o governo Lula de destinar recursos para invasão ou ocupação de propriedades rurais privadas.
A emenda inclui outras bandeiras bolsonaristas, ao proibir gastos do governo Lula com abortos (exceto nos casos autorizados em lei), realização de cirurgias de mudança de sexo em crianças e adolescentes, além de ações para “diminuir ou extinguir o conceito de família tradicional, formado por pai, mãe e filhos”.
Segundo o líder do governo no Senado, Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), a emenda só serve para os “esgotos bolsonaristas nas redes sociais” – e será vetada por Lula.
Procurado pela equipe da coluna, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, negou que haja uma leniência do governo Lula com o movimento.
“Temos respeito por toda a sociedade brasileira”, afirmou o ministro. “Houve uma onda de ocupações no abril vermelho, mas o governo colocou como condição de negociação a saída das terras ocupadas. A prática demonstrou que o governo não foi conivente com ocupações, tanto que elas foram revertidas.
O MST, por sua vez, sustenta que seus números divergem das estatísticas compiladas pela CNA e disse, ainda, que a confederação “nunca foi referência na criação desses parâmetros”.
Já sobre a quantidade de invasões durante o governo Bolsonaro, o movimento alega ter feito 191 ocupações entre 2019 e 2022, mais do que o triplo contabilizado pela CNA. O MST, porém, não informou quantas ocupações ocorreram neste ano e se limitou a comunicar que o balanço só será divulgado em abril de 2024.
Fonte: O GLOBO
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