Após desentendimentos sobre o impacto da empresa em Maceió, que gerou acusações de desvios, risco de colapso faz deputado e senador unirem discurso por responsabilização da companhia e pedir ajuda federal

O agravamento nos últimos dias da situação das minas abandonadas da Braskem em Maceió fez os grupos políticos do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do senador Renan Calheiros (MDB-AL) ensaiarem uma trégua no discurso, em meio a uma disputa que envolve de acusações de desvios a pedidos de suspeição no Congresso. 

O risco de colapso mobilizou os líderes políticos e rivais históricos em Alagoas: Lira acompanhou o cenário desde anteontem junto ao prefeito João Henrique Caldas (PL), e pediu ao Planalto recursos, via medida provisória, para mitigar danos e atender famílias atingidas. 

O deputado se uniu ao senador licenciado e ministro dos Transportes, Renan Filho (MDB-AL), para cobrar a responsabilização judicial da empresa por danos materiais e ambientais. Nos últimos meses, os dois grupos trocaram ataques envolvendo fatias de indenizações a serem pagas pela Braskem, que diz ter reservado até R$ 14 bilhões para gastos em Alagoas.

A tentativa de deixar disputas em segundo plano começou com Lira, em reunião do gabinete de crise da prefeitura de Maceió, anteontem, quando afirmou que sua prioridade é “preservar vidas” e cobrou união de representantes do estado. 

O presidente da Câmara afirmou que Caldas, seu aliado, “herdou este problema e está lutando para minimizá-lo”. Renan Filho, por sua vez, afirmou que “não é hora de atribuir responsabilidade a quem não deve”, buscando isentar a prefeitura e o governo estadual, comandado por seu aliado, Paulo Dantas (MDB), além do governo federal.

“A Braskem precisa ser responsabilizada civil e criminalmente pelo crime ambiental cometido em Maceió, garantindo a reparação aos danos materiais e ambientais”, escreveu o ministro nas redes sociais.

Mapa de risco do afundamento dos bairros — Foto: Defesa Civil de Maceió

O prefeito de Maceió adotou tom semelhante, cobrando novas responsabilizações à Braskem, que fechou em julho um acordo para indenizar a gestão municipal em R$ 1,7 bilhão por danos estruturais. Nas redes, Caldas contou ter conversado ao telefone com o presidente em exercício Geraldo Alckmin para pedir ajuda na construção de novas moradias. 

Pelo risco de colapso da mina 18, que pode impactar outros dos 35 poços da Braskem na extração de sal-gema, a Justiça Federal determinou ontem a ampliação das áreas consideradas em perigo. As famílias obrigadas ou aconselhadas a sair de suas casas (o que depende do nível da gravidade) ficam aptas a pedir indenizações.

Lira reforçou o pedido da prefeitura por recursos para habitação e atendimento aos moradores afetados. O ministro da Integração e Desenvolvimento Regional, Waldez Góes, determinou anteontem o envio de equipes da Defesa Civil Nacional e do Grupo de Apoio a Desastres para acompanhar o caso, além de ter pedido a presença do Serviço Geológico do Brasil (CPRM), ligado à pasta de Minas e Energia.

“A grave crise ambiental, humana e estrutural em Maceió precisa de um amparo urgente do governo federal”, escreveu o presidente da Câmara nas redes.

O esforço conjunto não impediu, no entanto, que ressurgissem rivalidades entre o grupo de Lira e o do senador Renan Calheiros (MDB-AL), pai do ministro dos Transportes. Ontem, sem citar nomes, Renan disse que adversários “despertaram já com a porta arrombada” e cobrou uma Comissão Parlamentar de Inquérito, protocolada em setembro pelo senador, para investigar a Braskem.

A CPI, com o objetivo de investigar a atuação da empresa em Alagoas, a extensão dos danos e de possíveis indenizações, já foi instaurada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Não entrou em operação por falta de indicações de integrantes por líderes partidários no Senado.

A comissão foi um dos movimentos de Renan e de seu grupo político em contraposição à prefeitura de Maceió, que aliados do senador consideram ter sido leniente com a Braskem. Ao GLOBO, Renan indicou que avalia acionar o Supremo Tribunal Federal (STF) para garantir que a CPI entre em atividade:

— Espero que não seja necessário judicializar essa questão, até porque o precedente no STF é no sentido de que o presidente do Senado indique os integrantes de CPIs, quando os líderes não o fazem.

Disputa por indenizações

Há também a disputa pelas indenizações da Braskem. Em julho, quando o prefeito João Henrique Caldas anunciou a verba de R$ 1,7 bilhão, o governo de Alagoas pediu ao Tribunal de Contas da União a suspensão do acordo por ser “excludente” com o estado. 

Também houve contestação, por Renan e aliados, do valor desembolsado. Estimativas inicias no ano passado variavam entre R$ 5 bilhões e R$ 10 bilhões em indenizações. Lira, porém, elogiou o acordo e disse que “a reparação financeira chegará e será responsável por obras em Maceió”.

A indenização, dividida em cinco parcelas, supera o orçamento anual de Maceió e é uma injeção de recursos para a gestão de Caldas, candidato à reeleição em 2024, com oposição do MDB de Renan.

Com a verba, o prefeito anunciou em setembro a municipalização de um hospital privado em Maceió, por R$ 266 milhões. Aliados de Renan questionaram a legalidade da operação, feita sem licitação, e alegaram que o número de leitos anunciados pela prefeitura é superior ao existente. O ministro Renan Filho pediu que a aquisição fosse fiscalizada por órgãos de controle, alegando que “cheira a desvio de recursos da milionária indenização do caso Braskem”.

O governo de Alagoas também acionou a Justiça estadual para obrigar a Braskem a indenizá-lo, e obteve no início do ano um bloqueio de R$ 1 bilhão nas contas da empresa. O dinheiro foi destravado em outubro, com a apresentação da Braskem de garantias de que reservas para futuras indenizações, que ainda serão calculadas.

O cabo de guerra também envolve a Petrobras, uma das principais acionistas da empresa, que avalia adquirir a participação majoritária da Novonor (ex-Odebrecht). Interlocutores de Renan, que chegou a acionar o TCU no início do ano para tentar bloquear uma hipótese de venda da Braskem antes que o total de indenizações fosse recalculado, atribuem a demora na instauração da CPI a uma articulação do governo federal, através do líder no Senado, Jaques Wagner (PT-BA).

À época da instauração da CPI, o senador Rodrigo Cunha (Podemos-AL), adversário da família Calheiros e que concorreu ao governo estadual em 2022 com apoio de Lira, apresentou uma questão de ordem pela suspeição de Renan. Cunha lembrou que, na década de 1990, Renan presidiu a Salgema, que deu origem à Braskem em 2002. O senador alegou que haveria uma “confusão entre investigado e investigador” com a participação de Renan na comissão. Mas o pedido foi indeferido pela presidência do Senado.


Fonte: O GLOBO