Relatório aponta que sem um forte arcabouço fiscal e uma reforma tributária que mude o sistema atual, a dívida pública continuará elevada em relação a outros mercados emergentes

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou nesta terça-feira a previsão da Organização para Cooperação e Desenvolvento Econômico (OCDE) que alerta que sem um forte arcabouço fiscal e uma reforma tributária que mude o sistema atual, a dívida pública, hoje de quase 75% do Produto Interno Bruto (PIB), continuará elevada em relação a outros mercados emergentes.

O relatório Economic Survey Brazil 2023 foi divulgado na segunda-feira em conjunto com o Ministério da Fazenda e foi concluído antes da aprovação da reforma na semana passada.

Lula afirmou que não é possível "dar palpite" sem saber da economia brasileira e que vai chamar a OCDE para um café para "provar que erraram" a previsão.

— Você fica vendo manchetes, e hoje eu vi uma manchete que me deixou irritado. Eu fiquei muito irritado. Eu vi uma manchete da OCDE fazendo julgamento da economia brasileira. Eu quero até aproveitar essa gravação aqui para dizer para o pessoal da OCDE que quando chegar no final do ano que vem eu vou convidar vocês para tomar um café para provar que vocês erraram em relação a previsão que vocês têm do Brasil. [...] Como vocês dão palpite se vocês não sabem?

O relatório

A OCDE traz um tom crítico à política fiscal brasileira. Ressalta que o processo orçamentário do Brasil é limitado pela ampla vinculação de receitas e pelos pisos obrigatórios de gastos para determinadas despesas.

"A Constituição de 1988 introduziu cotas mínimas separadas de gastos destinados à saúde, educação e previdência social. Por exemplo, pelo menos 18% da receita tributária deve ser alocada para a educação em nível federal e 25% em nível subnacional", destaca o organismo.

"Embora garantir financiamento suficiente para saúde, educação e previdência social seja compreensível do ponto de vista da política social, isso limita a flexibilidade da política fiscal para lidar com mudanças demográficas ou ajustar-se a choques econômicos adversos", completa o documento.

Para a OCDE, uma parcela significativa dos gastos obrigatórios é indexada, seja ao salário mínimo ou à inflação. Benefícios mínimos de aposentadoria, por exemplo, são vinculados ao salário mínimo, levando a aumentos com implicações fiscais significativas.

"A indexação levou a um aumento considerável nos gastos obrigatórios e reduziu o espaço fiscal. No fim de 2022, 91% do orçamento proposto para 2023 refletia gastos obrigatórios, deixando ao novo governo espaço fiscal muito limitado para implementar prioridades políticas e também para investimento público".

Dívida maior que emergentes

Segundo o documento, a dívida pública permanece elevada em comparação com outras economias de mercado emergentes e a tarefa a ser cumprida pela área econômica do governo Lula é ter um regime fiscal sustentável e com credibilidade. E isso deve ocorrer, principalmente, pelo lado das despesas.

A OCDE reconhece que o novo arcabouço fiscal, aprovado em agosto, pretende enfrentar esses desafios, combinando maior previsibilidade a médio prazo com flexibilidade adicional.

O arcabouço estabelece metas plurianuais para o saldo primário até 2026, define limites para o crescimento real dos gastos e prevê déficit primário zero a partir do ano que vem.

O organismo — chamado informalmente de "clube dos ricos" e para o qual o Brasil se encontra em processo de adesão — afirma que o sistema tributário brasileiro é "altamente complexo e distorce as decisões de produção".

Aponta que cinco impostos diferentes sobre o consumo de bens e serviços são cobrados de formas diversas e muitas vezes com sobreposição.

A Reforma Tributária, aprovada na última sexta-feira pelo Congresso Nacional, é elogiada pela OCDE no documento. O organismo destaca a consolidação dos tributos em um único imposto sobre o valor agregado, o IVA.

"O IVA teria regras simples e um âmbito comum e ampla base tributária harmonizada entre os estados, crédito fiscal total sobre todos os insumos e taxa zero para exportações. O governo fez desta reforma fiscal uma prioridade fundamental".

De acordo com a OCDE, os desafios políticos incluem a distribuição de receitas entre estados, mas uma transição gradual e mecanismos de transferência entre estados devem ajudar construir um consenso para a reforma tributária. Aumentar a produtividade será fundamental para país, afirma a Organização.

"Reformar as políticas regulatórias, um maior envolvimento no comércio internacional, o aumento da participação feminina no trabalho e um sistema de educação e formação mais forte permitiria impulsionar o crescimento potencial".

Regulamentações rigorosas altos níveis administrativos e encargos sobre os mercados de bens e serviços restringem a concorrência e a entrada de novas empresas, dificultando o crescimento da produtividade", diz a OCDE, acrescentando que, apesar das reformas recentes, ainda há barreiras elevadas em serviços para os padrões do organismo.

O documento também recomenda, entre várias medidas, a introdução de medidas de precificação do carbono e de adaptação climática será fundamental para lidar com os desafios das alterações climáticas, o fim do desmatamento ilegal e investimentos em tecnologias inteligentes.

Crescimento de 3% do PIB

A OCDE estima um crescimento de 3% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em 2023. A taxa estimada cai para 1,8% de expansão no próximo ano. Para o organismo, o consumo privado e o investimento crescerão a um ritmo mais moderado do que no passado em 2024, devido a medidas mais apertadas nas condições de crédito e o esperado abrandamento global.

O documento destaca que a economia brasileira se recuperou fortemente em 2021 e em 2022. Após uma forte expansão no início de 2023, destaca a OCDE, esse dinamismo está agora a convergir para o crescimento potencial da economia.

A OCDE ressalta que o Brasil dedicou 9% do PIB para medidas de emergência relacionadas à Covid 19 e que a maioria delas já terminou. O aumento do Bolsa Família é uma das exceções, por ter se tornado permanente.

Já a inflação recuou e a queda é explicada, principalmente, pela redução dos preços dos alimentos e da energia. A guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia e os consequentes aumentos de preços globais alimentaram as pressões inflacionárias, que acabaram diminuindo, segundo os técnicos do organismo.


Fonte: O GLOBO