O presidente colocou o dedo na ferida ao dizer que é preciso trabalhar por uma economia menos dependente de combustíveis fósseis e de forma urgente e justa

Os discursos diplomáticos têm sempre um centro mais importante. Um recado. Conversei agora cedo com integrantes da equipe brasileira em Dubai, logo após o discurso de Lula, e perguntei onde estava o recado mais relevante, que levou mais tempo de negociação interna do governo. E eles me apontaram esse parágrafo: "É hora de enfrentar o debate sobre o ritmo lento da descarbonização do planeta e trabalhar por uma economia menos dependente de combustíveis fósseis. Temos de fazê-lo de forma urgente e justa."

É importante porque todo mundo fala em aumentar renováveis, mas pouco em reduzir petróleo. É importante porque o Brasil é grande produtor de petróleo também e deve aumentar a produção nos próximos anos. É importante porque foi dito na capital do petróleo. E é importante porque dentro do próprio Brasil tem o lobby do petróleo e a pressão dos ambientalistas em Dubai é exatamente para que se dê o passo na direção de tirar o petróleo gradualmente das matrizes.

Aí você pode me perguntar, e eu perguntei isso para as minhas fontes lá em Dubai: Mas a primeira coisa que anunciaram é que o Brasil vai entrar na Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), então o Brasil vai entrar no lobby do petróleo?

O que me disseram é que esta foi uma iniciativa do ministro Alexandre Silveira e não é uma declaração do presidente. E o que o Brasil seria um observador e isso é importante. Entrevistei recentemente o secretário-geral da Opep, Haithmam Al-Ghais, e ele disse o Brasil é muito importante, tem que estar mais próximo da Opep. Al-Ghais lembrou que a própria organização está tentando fazer sua transição.

Mas há uma sutileza aí, quando a Opep fala em transição pode estar tratando de várias coisas, como tudo no mundo sobre a questão ambiental. Há vários caminhos para descarbonização, pode-se falar em investir em mais energias renováveis, como solar, eólica, hidrogênio, verde e todas as outras que são baixas emissoras de gases de efeito estufa. Você pode aumentar essa parte limpa, mas não necessariamente se está falando em reduzir a parte suja, ou seja, o uso de petróleo, que foi o ponto central do que presidente Lula tratou em seu discurso.

Lula colocou o dedo na ferida ao dizer que é preciso trabalhar por uma economia menos dependente de combustíveis fósseis e de forma urgente e justa. Então isso é muito importante.

Outro tema importante, é a criação do fundo de perdas e danos. Nesse tema há duas informações, uma boa, uma ruim. A primeira é a importância de ter saído esse fundo. Acompanho esse tema há muito tempo e os países ricos, industrializados há mais tempo e portanto os que mais emitiram o gás de efeito estufa, achavam que se aceitar o princípio do perdas e danos seria admitir a própria culpa. Quem recebe esse dinheiro são os países mais pobres, vulneráveis e que já estão enfrentando perdas importantes por causa da mudança climática.

Na COP27, no Egito, aceitaram a criação do fundo, que ficou pronto em tempo recorde, criando uma nova trilha que leva dinheiro para os países mais pobres. E agora, no primeiro dia da conferência, o fundo virou realidade. Vários países, inclusive o anfitrião - que fez uma doação de US$ 100 milhões - já colocaram dinheiro no fundo. O volume de recurso até agora, ainda é muito pequeno para o tamanho dos desafios, da necessidade de acolher os países mais atingidos já pelos efeitos da mudança climática, mas vários países estão fazendo aportes.

Queria destacar ainda um documento lançando por um movimento inter-religioso - são 17 instituições entre católicas, de matriz africana, evangélicas, protestantes e judaicas - reafirmando que o Brasil precisa agir urgentemente para o combate à mudança climática.

Além disso, o Brasil vai lançar hoje à tarde a proposta da criação do fundo para preservação das florestas tropicais.


Fonte: O GLOBO