Ministro da Fazenda quer limitar contingenciamento a R$ 23 bilhões no próximo ano, numa tentativa de manter a meta de déficit zero

Um estudo elaborado pela consultoria de Orçamento da Câmara dos Deputados deve trazer novas dores de cabeça ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

O entendimento de técnicos da Casa, obtido pelo GLOBO, é de que o bloqueio (contingenciamento) de despesas no ano que vem pode chegar a R$ 56 bilhões, e não ficar em no máximo R$ 23 bilhões, como defende a equipe econômica. Haddad, por sua vez, após a publicação do estudo, reforçou a sua visão de que a regra tem caráter "anticíclico".

Esse valor é importante porque Haddad tenta evitar que bloqueios atinjam o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o que poderia levar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e mudar a meta de zerar o déficit nas contas públicas no ano que vem.

No mês passado, a Fazenda anunciou que o contingenciamento de despesas em 2024 precisaria respeitar duas regras. Uma dessas regras limita o bloqueio a 25% dos gastos discricionários. E outra que limita a alta de gastos real (acima da inflação) um piso de 0,6% e um teto de 2,5%.

Essas duas regras combinadas, na visão da Fazenda, impediriam um bloqueio maior do que R$ 23 bilhões, sob risco de o crescimento da despesa no ano ficar abaixo de 0,6%.

A visão da consultoria da Câmara — em estudo assinado pelos técnicos pelos Dayson Almeid, Eugênio Greggianin, Márcia Moura e Ricardo Volpe — afirma que esse entendimento "subverte a lógica" do novo arcabouço fiscal.

"Para fins da execução financeira, a regra fiscal norteadora é a meta de resultado primário. Admitir que o montante a ser contingenciado deve atender à regra distinta da meta fiscal — isto é, a um mínimo de crescimento de despesas — subverte a lógica instituída pela própria lei (do arcabouço fiscal)", diz o estudo.

O contigenciamento serve para controlar a execução dos gastos e evitar o descumprimento da meta fiscal.

Deputados endossam nota

A Nota Técnica foi elaborada a pedido dos deputados Pedro Paulo (PSD-RJ), vice-líder do governo na Câmara, e Claudio Cajado (PP-RJ), relator do arcabouço fiscal. Os parlamentares fizeram dois questionamentos à consultoria: se o valor a ser contingenciado deveria também levar em consideração o crescimento mínimo de 0,6% da despesa, e se a LDO poderia ser o instrumento para fixar o limite máximo de contingenciamento. Para ambas as perguntas, a resposta foi "não".

Para o deputado Pedro Paulo, o estudo reforça a sua visão de que o entendimento da Fazenda não faz sentido. Segundo ele, a interpretação da pasta "extrapola" o limite legal do arcabouço.

— A transformação do limite orçamentário de crescimento real da despesa em um piso durante a execução extrapola o espaço interpretativo concedido pelo texto legal. Se desejam mudar a regra, enfrentem o problema de frente: proponha ao Congresso alteração do arcabouco, e não por pareceres frágeis, colocando em risco o próprio ministro Haddad e o presidente Lula. Sou da base do governo, trabalho para que dê certo e fica o alerta: não façam, já vimos esse filme antes — disse.

Cajado, por sua vez, está em viagem para a COP28 em Dubai e se limitou a dizer que a nota técnica é "autoexplicativa".

Haddad: 'lógica contracíclica'

Fernando Haddad, por sua vez, mantém a visão da pasta e diz que desde março reforça o caráter anticíclio do novo arcabouço fiscal. Ou seja, o objetivo da nova regra é fazer com que o piso para o aumento das despesas seja mantido em momentos de desaceleração econômica.

- A lógica contracíclica está presente em todas as minhas entrevistas desde março - afirmou o ministro após a leitura da reportagem.

Limite para elaboração do Orçamento

Os técnicos da Câmara afirmam que o intervalo de gastos de entre 0,6% e 2,5% diz respeito apenas à elaboração do Orçamento, ou seja, se trata de uma meta orçamentária. Já a meta de resultado primário é uma meta "financeira", está atrelada à execução dos gastos, propriamente dito.

"A transformação do limite orçamentário (teto) de crescimento real da despesa (0,6%) em um piso durante a execução extrapola o espaço interpretativo concedido pelo texto legal."

O estudo da Câmara também questiona a emenda apresentada pelo senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP) para limitar a R$ 23 bilhões os bloqueios. Segundo os técnicos, a lei de diretrizes orçamentárias (LDO) não pode se sobrepor a Lei Complementar que instituiu o novo arcabouço fiscal.

"O parâmetro que determina o montante exigível a ser contingenciado (25%) somente pode ser alterado mediante projeto de alteração da lei complementar, não sendo viável tal regulamentação pela LDO," diz o estudo.

A mudança na meta de déficit zero tem sido defendida por ministros como Rui Costa, da Casa Civil. Ele alega que a meta proposta pela Fazenda foi muito ousada, e agora poderá levar o governo a ter que contingenciar despesas com investimentos, principalmente do PAC.

Por isso, tem tentado fazer com que Lula muda a meta para um déficit em torno de 0,5% do PIB. Haddad, por sua vez, entende que uma eventual mudança poderia enfraquecer o regime fiscal e tem afirmado que o governo vai perseguir o número de forma "obstinada".

No mercado financeiro, investidores entendem que é preciso manter o número, ainda que ele não seja alcançado. É que o arcabouço fiscal já prevê o acionamento de "gatilhos" para contenção de despesas nos anos seguintes, caso a meta não seja alcançada. Mudar a meta impediria que essas medidas fossem colocadas em prática, e levaria a uma revisão para cima das projeções de endividamento do governo brasileiro.

A agência de classificação de risco Fitch, também alertou que uma mudança colocaria o Brasil mais distante de voltar a ter "grau de investimento".


Fonte: O GLOBO