Se a relação de aliados de Jair Bolsonaro com o ministro Flávio Dino era de guerra aberta, com articulação nos bastidores para barrar sua indicação ao Supremo Tribunal Federal (STF), a convivência do entorno do ex-presidente da República com Ricardo Lewandowski à frente do Ministério da Justiça deverá ser bem menos turbulenta.

Ao longo dos 17 anos em que atuou no Supremo Tribunal Federal (STF), Lewandowski deu decisões que livraram não só petistas, mas também os próprios bolsonaristas, de investigações incômodas.

Entre os beneficiados por decisões do ex-ministro do Supremo estão o ex-presidente Jair Bolsonaro, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e a deputada federal Bia Kicis (PL-DF). Questionados sobre Lewandowski pela equipe da coluna, não quiseram se manifestar.

Além disso, o ex-presidente do Supremo também possui bom trânsito com políticos da oposição, como o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil). Em dezembro de 2021, ele acompanhou um culto evangélico ocorrido logo depois da posse do ministro André Mendonça, em Brasília – foi o único ministro do STF a prestigiar, ao lado do colega, o evento na sede da Convenção Nacional das Assembleias de Deus do Brasil Ministério Madureira.

“Estou convencido de que André Mendonça tem caráter e prestará relevante serviço ao nosso querido Brasil”, discursou Lewandowski, ressaltando que, na sua visão, religião não é defeito. “Quem é religioso cultiva valores, cultiva princípios e saberá, como ministro, cultivar os valores e os princípios da Constituição Federal.”

Um dos casos de decisões de Lewandowski que caíram nas graças dos bolsonaristas foi o arquivamento, em maio de 2022, de um inquérito aberto contra a deputada Bia Kicis (PL-DF) por racismo. O arquivamento rendeu ao então ministro do Supremo elogios públicos feitos pela parlamentar.

“A Justiça só funciona com imparcialidade e isenção. Nesse caso o ministro Lewandowski atuou de forma sóbria, de acordo com os ditames do ordenamento jurídico, nossas leis penais e a Constituição. Quando nós temos juízes que se dizem garantistas, é importante que eles sejam garantistas para todos os lados, para todas as partes”, discursou Bia na tribuna da Câmara.

A ação contra a deputada foi motivada por uma postagem de setembro de 2020 na rede social X (ex-Twitter) em que ela fazia referência um programa de trainee da Magazine Luiza, que reserva vagas para candidatos negros. Na montagem, a imagem dos ex-ministros Sergio Moro e Luiz Henrique Mandetta com os rostos pintados de negro – prática racista conhecida como “blackface” -, acompanhada do texto “Não tá fácil pra ninguém! Vem ser feliz, prezado! Não dá mais pra ficar em casa”.

Um professor de Bauru acionou a Justiça sob a alegação de que a parlamentar induziu e incitou a discrminação e o preconceito de raça e cor, mas a Procuradoria-Geral da República (PGR) defendeu o arquivamento do caso, o que foi atendido por Lewandowski.

Lewandowski também arquivou um pedido de investigação contra Jair Bolsonaro pela suposta prática de peculato e prevaricação em pronunciamentos que haviam sido realizados no 7 de Setembro de 2022, em eventos em Brasília e no Rio.

A notícia-crime havia sido apresentada pelo então deputado federal Professor Israel Batista (PSB-DF), que acusou o então chefe do Executivo de usar a máquina estatal para atacar Lula e pedir votos na última eleição.

Tanto no caso de Bia Kicis, quanto no de Jair Bolsonaro, Lewandowski acolheu o parecer da então vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo. Lindora, que era braço-direito de Augusto Aras, o que reduziu a sua margem de manobra para decidir em sentido contrário ao arquivamento.

Mas mesmo nos casos em que não teve a sua posição “amarrada” pela posição do MP, o ministro decidiu a favor do clã Bolsonaro.

Foi o que ocorreu, por exemplo, no julgamento em que a Segunda Turma do STF decidiu manter o foro privilegiado do senador Flávio Bolsonaro no caso das rachadinhas e anular quatro relatórios de inteligência do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), por entender que houve quebra de sigilo fiscal e bancário, por parte do MP do Rio, sem a devida autorização judicial.

Lewandowski se alinhou à posição do relator Gilmar Mendes e do ministro Kassio Nunes Marques, formando maioria a favor do filho “zero um” do então presidente da República. O julgamento ocorreu em novembro de 2021.

“(Os relatórios) Foram produzidos sob encomenda, antes da prévia formalização da investigação do paciente (Flávio Bolsonaro). Esse procedimento foi levado e desenvolvido ao arrepio das regras e requisitos estabelecidos pelo Supremo”, criticou Lewandowski.

Se manteve posição alinhada aos interesses da órbita bolsonarista em matérias penais, Lewandowski contrariou o ex-ocupante do Palácio do Planalto nos casos que envolveram a pandemia do coronavírus.

Um dos julgamentos mais emblemáticos foi o que ele fez prevalecer no plenário da Corte a sua posição a favor da vacinação obrigatória, permitindo que Estados e municípios impusessem restrições àqueles que recusassem a imunização. Também exigiu do governo Bolsonaro um detalhamento do plano nacional de vacinação, com a definição dos grupos prioritários para a vacinação contra a Covid-19.

Ainda assim, o saldo entre os bolsonaristas é mais positivo do que negativo. Pelo jeito, até entre eles a “dívida de gratidão” está acima da ideologia.


Fonte: O GLOBO