Em entrevista ao GLOBO, criador do MP3 revela como fones do futuro vão mesclar sons reais e virtuais, criando a 'ilusão acústica plausível'

Em meados dos anos de 1990, o alemão Karlheinz Brandenburg ajudou a mudar os rumos da indústria musical ao liderar a equipe responsável por criar o popular formato MP3. E hoje, quase três décadas depois e com o crescimento dos serviços de streaming, o cientista ainda busca desenvolver novas experiências de áudio.

O fundador da Brandenburg Labs, com sede em Ilmenau, na Alemanha, vai apresentar sua nova aposta na edição deste ano da CES, a maior feira de eletroetrônicos do mundo que abre amanhã em Las Vegas, nos EUA. Antes de aterrissar por lá, o empreendedor falou sobre o tema com o GLOBO.

O plano dele agora é prover experiências realistas unindo sons reais e virtuais com o avanço da realidade aumentada e virtual. Ele mira ainda no uso da inteligência artificial (IA) de forma que os fones se adaptem automaticamente a cada situação do usuário com um sistema de câmeras, sensores e, claro, algoritmos.

“Alcançar um realismo de áudio que espelhe o mundo real tem sido apenas um sonho nos últimos 50 anos”, disse ele.

Depois de criar o formato MP3, como o senhor vê o futuro do áudio? O que os consumidores querem?

Há uma tendência geral para uma reprodução de áudio mais natural, que hoje é conhecido como áudio espacial, áudio 3D ou audição imersiva. Essas tecnologias já são muito difundidas em salas de cinemas e agora grandes empresas tentam obter a mesma experiência com os fones de ouvido.

Nós (Brandenburg Labs) também acreditamos firmemente nisso. Por mais de 30 anos, essas tecnologias, que começaram com a invenção da síntese de campos de ondas, vêm ganhando cada vez mais força.

E o que muda agora com a chegada da realidade aumentada? Qual tecnologia o senhor está desenvolvendo?

Atualmente, já podemos demonstrar a experiência de um áudio de realidade aumentada considerando a acústica atual de um ambiente com o rastreamento dos movimentos do usuário. Somos capazes de recriar (e combinar) sons reais e virtuais.

Assim, um usuário pode colocar os fones de ouvido e escutar alguém falando ou tocando uma guitarra e não conseguir distinguir se aquilo vem do ambiente ou através de uma fonte virtual. E vamos caminhar para a realidade aumentada personalizada em parceria com a Technische Universität Ilmenau e o Fraunhofer Institute for Digital Media Technology.

É um conceito que criamos ao estudar como o cérebro funciona ao ouvir sons. Ou seja, a tecnologia vai permitir que, por exemplo, durante uma ligação, a pessoa do outro lado pode ser percebida como se estivesse bem ao nosso lado. Ou, então, recriar um ambiente semelhante ao de uma conferência, com o som dos participantes cercando os ouvidos do usuário de acordo com a localização de cada uma das pessoas.

E como a inteligência artificial pode impulsionar isso?

Olhando para o futuro, nossa visão envolve desenvolver fones de ouvido equipados com sensores para incorporar inteligência artificial para um processamento adaptativo baseado em estímulos do ambiente. Isso significa que os fones de ouvido podem se ajustar dinamicamente às mudanças do espaço onde está o usuário, proporcionando uma reprodução de som altamente realista.

Os usuários poderiam controlar a experiência auditiva virando a cabeça ou fazendo gestos, que seriam então detectados pelos sensores de vídeo dos fones de ouvido, alterando a recepção de diferentes fontes sonoras.

Através de tecnologias avançadas de separação de fontes, o sistema pode reduzir ruídos de fundo indesejados, como alguém gritando, ao mesmo tempo em que aumenta a clareza das fontes sonoras desejadas, como uma pessoa que queremos ouvir, usando um pequeno número de microfones integrados.

Então, não haverá diferença entre o som real e o digital?

O que buscamos é uma reprodução de sons de tal forma que o ouvinte não saiba se está ouvindo sons reais de um ambiente ou os sons virtuais através dos fones de ouvido. É o que chamamos de ilusão acústica plausível.

Na verdade, observamos o investimento de diferentes fabricantes e muitas empresas reivindicam (o direito de usar) o áudio espacial e o áudio 3D. Mas, apesar dos avanços feitos por grandes companhias, alcançar um realismo de áudio que espelhe o mundo real tem sido apenas um sonho nos últimos 50 anos.

Estamos desenvolvendo essas novas tecnologias e podemos fazer parcerias ou desenvolver nosso próprio fone. Já recebemos interesse de grandes players do setor perguntando sobre a disponibilidade do nosso software. Embora já tenhamos clientes-piloto e estejamos pronto para as aplicações iniciais, o cronograma ainda é incerto.


Fonte: O GLOBO