De 2010 a 2019, houve aumento de 13,5% da mortalidade, contrariando o objetivo; especialista diz que previsão é negativa para nova etapa até 2030

O acidente na Bahia, que deixou 24 mortos neste domingo (7), é mais um caso que contribui para as graves estatísticas de trânsito no país e coloca ainda mais distante uma meta estipulada pela ONU: redução de 50% dos óbitos em uma década. O Brasil foi um dos países que se comprometeu a cumprir o objetivo global a partir de 2010, mas, o primeiro resultado foi um aumento de 13,5% das mortes em relação aos 10 anos anteriores. E a perspectiva é que na nova etapa da meta, até 2030, os números continuem negativos.

Em 2010, quando o Brasil era o quinto país com mais mortes no trânsito, a ONU criou a “1ª Década de Ação pela Segurança no Trânsito", com objetivo de conscientizar os países adotar medidas contra a alta mortalidade. Na década anterior - 2000 a 2009 - houve 346 mil mortes no trânsito no Brasil. Mas entre 2010 e 2019, o número subiu 13,5%, para 392 mil.
  • 2000 a 2009: 346 mil mortes no trânsito
  • 6.598 envolvendo caminhões e 1.650 com ônibus
  • 2010 a 2019: 392 mil mortes no trânsito (aumento de 13,5%).
  • 8.111 envolvendo caminhões e 1.802 com ônibus
Pesquisador do Ipea, Erivelton Pires Guedes foi coautor, no ano passado, de uma Nota Técnica sobre os resultados da primeira etapa do plano. O trabalho explica que, apesar da criação de políticas e legislações para o tema, como a Lei Seca e o Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito (Pnatrans), houve pouco avanço nas estatísticas. 

Enquanto o número de atropelamentos foi reduzido, a quantidade de óbitos em acidentes com motocicletas dobrou no período - de 60 para 120 mil. O único momento em que o Brasil teve redução de óbitos foi a partir de 2015, muito em função do desaquecimento da economia e a consequente menor circulação de veículos.

Guedes, que diz não se lembrar de um acidente "tão grande" como o da Bahia nos últimos anos, afirma que o Brasil não vai cumprir, novamente, a meta de redução de 50% até 2030.

Posição antes da colisão frontal — Foto: Editoria de Arte

— Infelizmente acho que estamos caminhando para pior, estamos quase na metade do tempo e muito pouco foi feito. Só vamos alcançar com o envolvimento de toda a sociedade, é necessário um esforço nacional — afirma Guedes, que cita como investimentos mais urgentes a fiscalização e a educação no trânsito. — A maior parte das causas de acidentes é voltada ao comportamento humano, então investir na educação no trânsito é muito importante. E precisamos de uma política forte de redução de velocidade.

Ao destacar que, com a pandemia, cresceu a quantidade de entregadores por aplicativo que circulam de moto, Guedes explica que a imprudência no trânsito está muitas vezes associada à pressão por entregas rápidas e o uso de veículos antigos e sem manutenção. Além dos óbitos, há os casos de sequelas longas e até casos de invalidez. De 2010 a 2019 houve cerca de 1,7 milhão de autorizações de internações hospitalares pelos SUS por causa de acidentes. Para cada morte no trânsito, houve cerca 4,33 internações no SUS frisa a Nota Técnica.



Guedes propõe a criação de uma Agência Nacional de Segurança dos Transportes a fim de se aprimorar as investigações sobre causas dos acidentes e assim melhorar a aplicação de medidas preventivas e políticas públicas. O acidente na Bahia aconteceu em uma colisão frontal, o tipo de ocorrência mais mortal nas estradas. Segundo os dados da década de 2010 a 2019, cerca de 13% das colisões frontais respondiam por quase 40% de todas as mortes.

— Colisão frontal indica erro humano. Não sabemos se decorrente de manutenção inadequada do veículo, ou cansaço dos motoristas. A via do acidente na Bahia, por exemplo, parece simples, uma reta, mas longa. Se eventualmente um dos dois estivesse dirigindo há muitas horas pode ter ficado com sono. Espero que se faça uma investigação séria, mas muitas vezes ninguém investiga a fundo acidentes de carros. Saber as causas ajudaria no trabalho de prevenção — explica Guedes.

Retirada de radares por Bolsonaro

Além do aumento da circulação de motos, o especialista lembra que os últimos anos foram marcados por medidas contra o controle da velocidade no trânsito, através da política de governo de Jair Bolsonaro, que lutou pela retirada de radares. Por outro lado, um ponto positivo é a melhora tecnológica dos veículos, o que diminui a chance de óbito em um acidente.

Acidente no BR-324 — Foto: Editoria de Arte

— Observamos um aumento nítido do comportamento inadequado no trânsito. Motoristas se sentem autorizados a correr — diz Guedes, que cita ainda aguardar transformações concretas pela gestão de Lula. — Vários estados brasileiros têm muito mais morte no trânsito do que homicídio. Na década de 90, a Suécia iniciou a "visão zero", de não aceitar mortes no trânsito. Zero é um número difícil, demorado, mas é alcançável. Temos que lutar por isso.

Entre as medidas de controle de velocidade e de segurança no trânsito, Guedes e Carlos Henrique Ribeiro de Carvalho, o outro coautor da Nota Técnica, propõem as expansões da fiscalização eletrônica de velocidade, sinalização viária adequada e iluminação das travessias de pedestre. Em especial nas áreas urbanas e trechos de rodovias com maiores índices de atropelamento.

Investimentos reduzidos

Um obstáculo para implantação de políticas públicas, porém, é a redução do orçamento para o setor. O Fundo Nacional de Segurança e Educação de Trânsito (Funset), por exemplo, arrecadou R$ 13,5 bilhões entre 2010 e 2019, mas 75% do total ficou contingenciado para formação de superávit primário. Com isso, apenas cerca de R$ 2,7 bilhões foram investidos nas ações do fundo.

Além disso, o governo de Jair Bolsonaro acabou com a cobrança do seguro DPVAT, que era a principal fonte de recursos do SUS para compensar os gastos anuais com os acidentes de trânsito. Assim, os repasses anuais ao SUS, que eram superiores a R$ 2 bilhões, se encerraram, mas os gastos com atendimentos hospitalares continuam altos.


Fonte: O GLOBO