Ministro indica que, com as eleições municipais, mudança na taxação da renda ficará para 2025. Regulamentar a Reforma Tributária e monitorar as medidas de arrecadação para cumprir a meta de déficit zero são prioridades neste ano

Indicado ao Ministério da Fazenda após a derrota para o governo de São Paulo, e sob a desconfiança do mercado, Fernando Haddad terminou o seu primeiro ano na pasta contabilizando a aprovação de duas grandes reformas, a melhora do rating do governo brasileiro e com a vitória na disputa interna com o PT pelos rumos da política econômica.

Em sua primeira entrevista exclusiva de 2024, ele revela ao GLOBO as prioridades para o ano: regulamentar a Reforma Tributária, cumprir a meta fiscal e elaborar uma medida para diminuir a volatilidade do dólar. A reforma do Imposto de Renda (IR) será um desafio, porque há uma “janela” curta para aprovação, em função das eleições municipais, e por isso ela pode ficar para o ano que vem.

Ele revela a origem das rusgas entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, durante a transição, mas garante que as relações já ocorrem “sem problemas”.

Ministro, ainda na transição o senhor afirmou ao GLOBO que as prioridades para 2023 eram a Reforma Tributária e o novo marco fiscal. E agora, quais as principais metas para 2024?

Há a obrigação por lei de regulamentar a Reforma Tributária, que são 71 assuntos que podem constar até na mesma lei complementar. Também precisamos monitorar as medidas para cumprir o arcabouço fiscal e queremos implementar um projeto para diminuir a volatilidade do dólar, um instrumento do Tesouro para atrair investimentos externos, uma espécie de hedge cambial, associado a projetos de transformação ecológica.

Há uma agenda ampla nas nossas secretarias, tem o mercado de seguros, que está com uma lei para ser votada, tudo associado à pauta verde, a regulação do crédito que o secretário Marcos Pinto encaminhou ao Congresso, regular o marco das garantias. São muitas medidas em andamento.

Haddad fala em agenda ampla; reforma do Imposto de Renda ficaria para 2025 — Foto: Maria Isabel Oliveira

O senhor não falou da reforma do Imposto de Renda, isso também está na agenda?

Está, pela Reforma Tributária, que colocou prazo para a gente apresentar essa proposta. Nós temos uma carga tributária sobre o consumo desproporcionalmente maior do que sobre a renda e o patrimônio.

Do meu ponto de vista, essa reforma deve viabilizar a redução da carga sobre o consumo, o que permitiria uma alíquota de IVA menor. Tributa mais a renda, diminui o peso sobre o consumo, e o efeito fica neutro sobre a carga tributária total. Tudo com transição para que não seja de um ano para o outro, seja diluído no tempo.

A ideia seria tributar quem ganha mais com uma nova faixa de cobrança de IR?

Não chegamos nesse ponto da formulação, acabamos de aprovar a reforma do consumo. O desafio de aprovar em 2024 a reforma do IR é que, como temos eleições municipais, há um prolema de janela, que vai ter que ser avaliado pela política. A regulamentação do consumo precisa ser votada primeiro, até porque em 2026 ela já entra em vigor.

A equipe econômica tem sido criticada por focar em medidas de arrecadação, sem cortes de despesas. Essa agenda ficará restrita à redução de gastos tributários?

No que diz respeito ao Ministério da Fazenda, sim. No que diz respeito ao Planejamento, não. A execução orçamentária e a avaliação das políticas públicas são feitas pelo Planejamento, que inclui a secretaria criada para esse fim.

O arcabouço estabelece que o gasto vai crescer entre 0,6% e 1,7% em termos reais em 2024. Isso é abaixo da média histórica. Como a despesa vai crescer sempre 30% abaixo da receita, a tendência do gasto é cair como proporção do PIB.

Estamos tomando medidas para cumprir a meta. Agora, mexemos pela primeira vez com muitas leis e há projeções de receita que demandam tempo para se medir os efeitos. O arcabouço vai ser cumprido como planejado.

Ministro da Fazenda garante que o novo arcabouço fiscal será cumprido neste ano — Foto: Maria Isabel Oliveira

O bloqueio máximo de R$ 23 bilhões no Orçamento deste ano foi criticado até por aliados.

Essa crítica não é a opinião da Advocacia-Geral da União (AGU), não é a opinião da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e não é a opinião do Congresso Nacional, que votou a LDO (lei de diretrizes orçamentárias) com esse teto. Então, não é opinião de ninguém.

Combinei com o Congresso, na mesa do presidente da Câmara, que as duas cláusulas anticíclicas do arcabouço deveriam funcionar.

Qual foi o argumento para convencer o presidente a não mexer na meta fiscal?

Disse que iria tomar providências em relação a isso. O objetivo da Fazenda é reorganizar o Orçamento, identificar o que está errado. Foi esse o argumento. Mostra as saídas e chega o momento que fala: “esse é o caminho, vamos por aqui que vai ser melhor”.

Às vezes me perguntam por que não mandar todas as medidas de uma vez. Porque cartela de antibiótico é de oito em oito horas. Você não toma a cartela inteira para se curar.

O presidente da Câmara, Arthur Lira, quer colocar em votação a reforma administrativa. O que falta para aprovar a proposta?

Quando fui candidato a presidente, defendi a reforma. O Ministério da Gestão está elaborando um projeto. Eu mudaria a natureza dos concursos públicos, o estágio probatório e as regras de progressão na carreira. E, obviamente, enfrentaria privilégios.

Infelizmente, a PEC 32, que foi encaminhada para o Congresso, não só não enfrenta, como piora o quadro. Minha impressão é que há um custo inicial com os regimes especiais. Estão falando de economia, mas não estou vendo isso. Na administrativa, os parâmetros ainda não estão bem fixados.

No início do ano, o presidente Lula ameaçou elevar a meta de inflação. Há quem entenda que isso postergou a queda da Selic.

Não acredito. Havia mesmo uma divergência técnica sobre quando iniciar os cortes. Creio que poderíamos estar com a taxa Selic (11,75%) um ponto abaixo da atual.

Os diretores que o senhor indicou ao BC têm votado como o presidente Roberto Campos Neto. As críticas a ele foram exageradas?

A transição foi atípica e delicada. E foi a primeira vez que um presidente do Banco Central foi indicado pelo governo anterior. Houve episódios que afastaram um pouco os atores envolvidos. Minha relação com o Roberto sempre foi profissional.

A do Lula, assisti ao primeiro encontro, em dezembro de 2022, e não foi um bom encontro, mas não quero entrar em detalhes. Já o segundo foi muito bom. A relação institucional da Fazenda com o BC nunca teve problemas. E a do Planalto passou a não ter.

Integrantes do governo sugerem mudar o mandato do presidente do BC. O senhor concorda?

Diria que um ano do mandato presidencial seguinte pode funcionar melhor do que dois anos, porque as decisões de política monetária têm efeito até 18 meses à frente. E há risco de um presidente indicado pelo governo anterior interferir na gestão do seguinte.

Também entendo que a quarentena (para voltar ao mercado) de seis meses no Brasil é curta. Poderia ser dois anos.

A última semana de 2023 foi marcada por um embate com o Congresso em torno da medida provisória (MP) que prevê novas ações para aumentar a arrecadação. No caso da limitação das compensações tributárias de empresas, a Fazenda não está dando um calote?

De forma alguma. Quem não quiser compensar pode ir para o precatório e receber de uma vez. A diferença é que fico sabendo um ano antes e consigo me planejar.

Essa MP já estava mais ou menos precificada com o Congresso. Conversei antes com os presidentes da Câmara (Arthur Lira/PP-AL) e do Senado (Rodrigo Pacheco/PSD-MG), uma vez que não estava prevista no Orçamento a renúncia da desoneração (sobre a folha salarial). Menos ainda a questão dos municípios (que passaram a ter novo regime de contribuição previdenciária).

Há entidades falando em contestação judicial, e o Pacheco diz que pode devolver a MP.

Contestação judicial é normal, tudo que a Fazenda faz é assim.


Fonte: O GLOBO