Oito trabalhadores foram afastados após distribuírem carta na qual pediam que a empresa não corroborasse os comentários do bilionário nas redes sociais

Autoridades trabalhistas federais dos Estados Unidos acusaram a SpaceX de demitir ilegalmente oito funcionários por circularem uma carta criticando o fundador e CEO da empresa de foguetes, Elon Musk.

De acordo com uma queixa apresentada nesta quarta-feira por um escritório regional do National Labor Relations Board, a agência federal para relações trabalhistas, a empresa demitiu os funcionários em 2022 por pedirem que a SpaceX se distanciasse dos comentários de Musk nas mídias sociais, incluindo um em que ele zombava das acusações de assédio sexual contra ele.

A carta distribuída pelos funcionários também pedia que a SpaceX, que tem mais de 13 mil empregados, esclarecesse suas políticas de assédio e as aplicasse de forma consistente.

A reclamação do conselho trabalhista afirma que a presidente e diretora de operações da empresa, Gwynne Shotwell, restringiu ilegalmente a circulação da carta entre os funcionários e identificou infrações semelhantes por parte de outros executivos e gerentes.

O caso está previsto para ser apresentado a um juiz administrativo no início de março, a menos que a SpaceX concorde com um acordo antes dessa data.

Um porta-voz do conselho trabalhista disse que estava buscando soluções de compensação, como reintegração e pagamento de salários atrasados para os trabalhadores.

- Na SpaceX, os foguetes podem ser reutilizáveis, mas as pessoas que os constroem são tratadas como dispensáveis - disse Paige Holland-Thielen, uma das funcionárias demitidas. - Tenho esperança de que essas acusações responsabilizem a SpaceX e sua liderança por seu longo histórico de maus-tratos aos trabalhadores e de sufocamento do discurso.

Procurada pelo NYT, a SpaceX não respondeu a um pedido de comentário.

Longo histórico de controvérsias trabalhistas

Musk tem um histórico controverso de relações com os funcionários de suas empresas. No X, antigo Twitter, demitiu metade da força de trabalho logo após comprar a empresa em 2022. Mais tarde, demitiu cerca de 20 funcionários que eram críticos da nova gestão do Twitter. A plataforma perdeu cerca de 80% dos 7.500 funcionários que trabalhavam lá quando o bilionário assumiu o controle.

A Tesla, onde Musk é CEO, passou anos em litígio num caso em que o conselho trabalhista a acusou de demitir um funcionário por participar de atividades sindicais. O conselho decidiu, em 2021, que a demissão foi ilegal e ordenou que a fabricante de carros elétricos reintegrasse o funcionário com salários atrasados, uma decisão que foi confirmada por um tribunal federal. A empresa está recorrendo do caso.

Em agosto passado, o Departamento de Justiça processou a SpaceX, acusando-a de discriminar requerentes de asilo e refugiados em suas contratações, mas um juiz emitiu uma liminar impedindo o andamento do caso.

Em dezembro de 2021, uma ex-funcionária da SpaceX publicou um artigo detalhando casos de assédio moral e sexual por parte de colegas que, segundo ela, não foram solucionados depois que ela os denunciou. O ensaio provocou indignação na empresa, que disse que iniciaria uma auditoria de suas políticas de assédio.

Meses depois, o Business Insider informou que a SpaceX havia pago US$ 250 mil em 2018 para resolver uma reclamação em que uma funcionária acusava Musk de se expor e fazer propostas sexuais a ela. Musk negou a acusação e brincou com o fato no Twitter.

Funcionários criticavam tolerância com assédio

Pouco tempo depois, um grupo de funcionários começou a debater ideias para tornar a empresa menos tolerante ao assédio e redigir a carta. Gwynne Shotwell estava ciente do esforço e parecia apoiar o grupo, de acordo com comentários que ela deixou em uma plataforma de comunicação interna ao qual o The New York Times teve acesso.

Em meados de junho de 2022, vários funcionários distribuíram sua carta aos colegas. A carta chamava os comentários públicos de Musk de "uma fonte frequente de distração e constrangimento para nós" e pedia que a empresa "defendesse repercussões claras para todo comportamento inaceitável, seja do CEO ou de um funcionário que estivesse começando seu primeiro dia".

Demissões retaliatórias

Embora alguns gerentes tenham reagido com simpatia, em poucas horas Gwynne repreendeu dois funcionários envolvidos na redação e distribuição da carta, Tom Moline e Holland-Thielen.

"Por favor, parem imediatamente de inundar os canais de comunicação dos funcionários", disse a presidente da SpaceX em um e-mail, acrescentando: "Considerarei o fato de vocês ignorarem meu e-mail como insubordinação".

No dia seguinte, a empresa demitiu Moline, Holland-Thielen e três outros funcionários envolvidos na organização da carta. E demitiu outros quatro funcionários ligados à carta em julho e agosto de 2022. O conselho trabalhista considerou apenas oito demissões porque o nono funcionário não apresentou uma acusação formal.

Atividades com proteção legal

A reclamação do conselho trabalhista dizia que as demissões haviam sido retaliatórias e que Gwynne e outros funcionários da SpaceX haviam interferido nos direitos dos funcionários de se envolverem em atividades conjuntas que são legalmente protegidas.

A queixa também dizia que um vice-presidente da empresa havia violado a lei ao criticar a carta em uma reunião com os funcionários alguns dias após sua divulgação e "convidar os funcionários a se demitirem caso discordassem do comportamento do CEO Elon Musk".

O NYT informou anteriormente que um vice-presidente da empresa havia dito aos funcionários que a carta era um ato extremista e que Musk poderia fazer o que quisesse na empresa.

A queixa também dizia que um funcionário sênior de recursos humanos havia criado ilegalmente a impressão de vigilância quando mostrou aos funcionários envolvidos na elaboração da carta capturas de tela de um bate-papo que eles haviam realizado em um aplicativo de mensagens.


Fonte: O GLOBO