Ministro tem mais de 1,4 mil processos em gabinete, mas decidiu priorizar nas férias caso da empreiteira

Dos 1.426 processos do acervo do gabinete do ministro Dias Toffoli no Supremo Tribunal Federal (STF), apenas um ganhou especial atenção do magistrado em pleno recesso da Corte: o que trata do pedido da Odebrecht para suspender as multas determinadas no acordo de leniência firmado com a Lava-Jato em 2016.

Em dezembro, a assessoria do STF informou que Toffoli se mantinha em atividade “apenas para a adoção de medidas ou petições relacionadas a uma ação específica”, que era justamente a da Vaza-Jato. Ou seja, os outros mais de mil processos no gabinete do ministro não seriam priorizados até a retomada das atividades regulares da Corte.

Aparentemente, o caso da Odebrecht/Novonor tem um grau especial de prioridade. Na manhã da última quinta-feira (31), Toffoli divulgou uma decisão de 62 páginas, das quais 48 se resumem a descrever os pontos apresentados pela empreiteira.

Entre outras coisas, a empreiteira alega que as trocas de mensagens entre o ex-juiz federal Sergio Moro e procuradores da então força-tarefa da Lava-Jato, que vieram à tona após a atuação ilegal do hacker Walter Delgatti Neto, “revela um quadro de atuação comum de todas essas autoridades visando à derrocada da Novonor, tendo isso se dado por meio de procedimentos ilícitos”.

O acordo foi homologado em maio de 2017 por Moro, que corre o risco de ser cassado pela Justiça Eleitoral ainda neste ano no âmbito de duas ações, movidas pelo PT de Lula e pelo PL de Jair Bolsonaro.

Procurado pela equipe da coluna, Toffoli não quis esclarecer por que priorizou a ação da Vaza-Jato durante o recesso, nem por que assinou a decisão que suspendeu os pagamentos da multa da Odebrecht/Novonor em pleno 31 de janeiro, antes mesmo da abertura do ano Judiciário no STF, que só ocorreu um dia depois.

A ação chegou às mãos de Toffoli, um dos expoentes da ala mais contrária à Lava-Jato, após uma manobra interna do STF. Em maio do ano passado, o ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato, provocou estranhamento dentro do tribunal ao abrir mão da relatoria "interina" do caso e entregar o processo de mão beijada para Toffoli.

O relator original era o ministro Ricardo Lewandowski, que se aposentou em abril de 2022 por completar 75 anos.

O caso em questão é, originalmente, uma reclamação apresentada pela defesa de Lula em agosto de 2020 – na época, capitaneada por Cristiano Zanin Martins – com o objetivo de garantir ao petista acesso a documentos e provas do acordo de leniência da Odebrecht.

A ação ganhou novos contornos depois que vieram à tona as mensagens entre Moro e procuradores da Lava-Jato de Curitiba, captadas pelo hacker Delgatti Neto e apreendidas na Operação Spoofing, da Polícia Federal.

Como Zanin foi escolhido para ocupar a vaga aberta com a aposentadoria de Lewandowski no STF, ele herdou o acervo do ministro, mas ficaria impedido de assumir a relatoria de uma ação da qual ele mesmo é o autor.

Em tese, o processo deveria então ser redistribuído para um novo ministro, mas a manobra de Fachin impediu que isso ocorresse e evitou os riscos de a ação, acompanhada com lupa pelo meio político e a classe empresarial, cair nas mãos de um magistrado mais simpático ao legado da Lava-Jato.

Depois disso, entre maio e setembro do ano passado, Toffoli anulou as provas da Odebrecht utilizadas contra o advogado Tacla Duran, o ex-ministro Paulo Bernardo, os ex-governadores Anthony Garotinho Sérgio Cabral e Gilberto Kassab, e o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, entre outros.

O ministro anulou então todas as provas obtidas no acordo de leniência da Odebrecht em todas as esferas e para todas as ações, ainda que a ação inicialmente seja apenas referente a Lula.

Em dezembro, as mensagens obtidas pelo hacker Walter Delgatti Netto levaram Toffoli a suspender a multa de R$ 10,3 bilhões que foi parte do acordo firmado em 2017 pelo grupo J&F com o Ministério Público Federal no âmbito da Operação Greenfield. A decisão fez a Odebrecht “pegar carona” na ação da J&F e também pedir a suspensão dos pagamentos, com base nos mesmos argumentos.

Resume um integrante da cúpula da Procuradoria-Geral da República (PGR) ouvido reservadamente pela equipe da coluna: “Toffoli abriu a porteira para passar a boiada.” Nem que para isso tenha que trabalhar em pleno recesso.


Fonte: O GLOBO