Nesta quarta-feira, ministra Cármen Lúcia deferiu liminar para suspender operação que realizou busca e apreensão de equipamentos de três profissionais de imprensa
Em 2021, um caso envolvendo um jornalista do Mato Grosso, um detetive particular e o governador do estado iniciou uma relação hostil entre a administração estadual e a classe jornalística. Na época, Alexandre Aprá, do site Isso É Notícia, denunciou que um detetive teria sido contratado pelo governador Mauro Mendes e sua esposa para forjar crimes que maculariam sua reputação.
No entanto, a polícia disse que não havia elementos para a acusação e indiciou Aprá por calúnia e difamação. Desde então, outros 17 jornalistas que produziram reportagens críticas ao governo foram alvos de inquéritos policiais ou ações judiciais.
Na semana passada, representantes do Sindicato de Jornalistas do Mato Grosso (SindJor-MT), da Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj) e do Instituto Wladimir Herzog realizaram uma reunião com a Secretaria Nacional de Justiça (Senajus) para denunciar a suposta "polícia paralela" de Mauro Mendes que perseguiria os jornalistas. Ao final, foi definida a criação de uma comissão para acompanhar os casos e produzir um relatório.
— Há intuito de nos propagar como disseminadores de fake news, na carona do tema nacional. Mas não é nosso caso, somos profissionais, só que nós desagradamos. Infelizmente no Mato Grosso não há veículo de comunicação que se atreva a escrever contra o governador, porque são retaliados economicamente. E nós estamos sendo retaliados ao máximo — afirma Alexandre Aprá.
Os numerosos inquéritos chegaram ao ponto que a Polícia Civil do Mato Grosso criou a operação "Fake News", para apurar suposta rede de disseminação de informações falsas contra a administração do governador Mauro Mendes. Nesta quarta (6), a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármem Lúcia, suspendeu os efeitos da decisão que criou a operação, após o SindJor-MT e a Fenaj ter protocolado uma reclamação constitucional, acusando violação do direito de sigilo da fonte jornalística.
No dia 6 de fevereiro, Alexandre Aprá, Enock Cavalcanti e Marco Polo de Freitas foram alvos da terceira fase da operação “Fake News”, suspeitos de crimes de calúnia e perseguição majoradas e associação criminosa. Eles precisaram entregar notebooks e celulares, que não haviam sido devolvidos até esta quinta (7).
Segundo Aprá, ele apenas compartilhou, em seu site Isso é Notícia, um artigo escrito por Cavalcanti que comentava uma matéria de setembro passado do Repórter Brasil. A reportagem em questão se debruçava sobre o fato do desembargador Orlando Perri, do Tribunal de Justiça do Mato Grosso (TJMT), ser sócio de uma mineradora e ter atuado em uma ação que julgava a constitucionalidade da lei estadual do Mato Grosso que autoriza o garimpo de ouro em áreas de Reserva Legal. Perri foi investigado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
No seu artigo, Cavalcanti chama Perri de "desembargador garimpeiro" e comenta sobre possíveis relações entre ele e o governador Mauro Mendes. Marco Polo de Freitas, irmão de Emanuel Pinheiro (MDB), prefeito de Cuiabá, também reproduziu o artigo. Nesta segunda, Pinheiro, que é rival político de Mendes, foi afastado do cargo por suspeita de corrupção e improbidade, após determinação do TJMT.
— Sou investigado por calúnia, injúria, ameaça e associação criminosa, mas não apreenderam um documento meu, apenas celular e notebooks. Demonstra que querem acesso às minhas fontes — afirma Aprá, que diz ser vítima de perseguição do estado.
Procurado, o governo do Mato Grosso respondeu que qualquer cidadão brasileiro "tem assegurado o direito de processar todos aqueles que praticarem o crime de calúnia e difamação".
"O governador de Mato Grosso exerce esse direito, recorrendo ao Judiciário para processar aqueles que mentiram, difamaram e caluniaram. Isso é perseguição ou o exercício de um direito constitucional?", respondeu o governo, em nota.
Já a Polícia Civil explicou que nas investigações da operação Fake News, instaurada pela Delegacia Especializada de Repressão a Crimes Informáticos (DRCI), "foram colhidos elementos informativos que possibilitaram estabelecer a conexão e coordenação entre os investigados".
A polícia diz que aguarda o "resultado da análise dos aparelhos celulares e o resultado de algumas perícias", que todas as ações obtiveram parecer favorável do Ministério Público e autorização da justiça. O inquérito corre sob sigilo.
A organização informou que ainda não foi oficialmente comunicada pela Justiça da liminar e que espera o recebimento da decisão judicial, por via hierárquica, para cumprimento das determinações.
Denúncia contra governo
A animosidade entre o governo e os jornalistas se intensificou em 2021, quando Aprá denunciou suposto esquema para macular sua reputação. Ele revelou um áudio de um detetive particular que teria sido contratado para forjar “falsos fragrantes” contra ele de tráfico de drogas e de pedofilia. Ele protocolou uma notícia crime na Polícia Federal, citando a suspeita de que os mandantes do plano seriam o governador do Mauro Mendes, a primeira dama Virgínia Mendes e o publicitário Ziad Fares, dono de uma agência de publicidade que tem contrato com o governo de Mato Grosso.
O inquérito foi remetido à Polícia Civil de Mato Grosso, que concluiu que não havia elementos para provar o envolvimento dos suspeitos no suposto plano. Já Aprá acabou indiciado por calúnia, difamação e associação criminosa após o casal Mauro e Virgínia ter protocolado registro de ocorrência contra ele. Não houve até aqui, porém, denúncia na justiça, mesmo depois da conclusão do inquérito.
Mas Aprá ainda responde a outros processos judiciais, e já foi condenado dois vezes. Todas as ações têm relações com reportagens suas com denúncias e críticas contra a administração estadual. Em duas das ações, o motivo foi uma matéria sobre a compra de uma aeronave pelo estado com dispensa de licitação durante a pandemia. Por isso, o secretário da Casa Civil, Mauro Carvalho, o acionou judicialmente. Na ação cível ele foi absolvido, mas no criminal foi condenado por injúria, em 1ª instância, e está recorrendo.
Outra condenação transitou em julgado, devido a uma matéria que citava indícios de irregularidade em leilões judiciais do TRT. A reportagem mostrava documentações suspeitas de empresas que pertenciam a Mauro Mendes. O jornalista foi condenado ao pagamento de cestas básicas, mas agora está pedindo a revisão criminal. Por causa dessas ações e, principalmente após a Operação Fake News, Aprá passou a receber apoio jurídico do Programa de Proteção Legal para Jornalistas da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji)
Em 2022, a Fenaj e o SindJor-MT protocolaram uma notícia-crime junto ao MPF pedindo a federalização do inquérito do caso do suposto plano de forjar crimes contra Aprá. Já no ano passado, foi feito um pedido à Procuradoria Geral da República para intervenção federal no estado do Mato Grosso.
Um dos temores recentes dos jornalistas foi a contratação, em 2022, de uma ferramenta israelense chamado GI2S que é capaz de monitorar celulares por meio de envios de SMS. O jornal A Pública revelou a compra, feita pela Polícia Civil do Mato Grosso, por R$4,6 milhões, sem licitação. O prefeito afastado de Cuiabá, Emanuel Pinheiro, requereu investigação sobre a compra, e o Ministério Público do estado abriu um inquérito. Mas a investigação foi arquivada meses depois.
Fonte: O GLOBO
Na semana passada, representantes do Sindicato de Jornalistas do Mato Grosso (SindJor-MT), da Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj) e do Instituto Wladimir Herzog realizaram uma reunião com a Secretaria Nacional de Justiça (Senajus) para denunciar a suposta "polícia paralela" de Mauro Mendes que perseguiria os jornalistas. Ao final, foi definida a criação de uma comissão para acompanhar os casos e produzir um relatório.
— Há intuito de nos propagar como disseminadores de fake news, na carona do tema nacional. Mas não é nosso caso, somos profissionais, só que nós desagradamos. Infelizmente no Mato Grosso não há veículo de comunicação que se atreva a escrever contra o governador, porque são retaliados economicamente. E nós estamos sendo retaliados ao máximo — afirma Alexandre Aprá.
Os numerosos inquéritos chegaram ao ponto que a Polícia Civil do Mato Grosso criou a operação "Fake News", para apurar suposta rede de disseminação de informações falsas contra a administração do governador Mauro Mendes. Nesta quarta (6), a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármem Lúcia, suspendeu os efeitos da decisão que criou a operação, após o SindJor-MT e a Fenaj ter protocolado uma reclamação constitucional, acusando violação do direito de sigilo da fonte jornalística.
No dia 6 de fevereiro, Alexandre Aprá, Enock Cavalcanti e Marco Polo de Freitas foram alvos da terceira fase da operação “Fake News”, suspeitos de crimes de calúnia e perseguição majoradas e associação criminosa. Eles precisaram entregar notebooks e celulares, que não haviam sido devolvidos até esta quinta (7).
Segundo Aprá, ele apenas compartilhou, em seu site Isso é Notícia, um artigo escrito por Cavalcanti que comentava uma matéria de setembro passado do Repórter Brasil. A reportagem em questão se debruçava sobre o fato do desembargador Orlando Perri, do Tribunal de Justiça do Mato Grosso (TJMT), ser sócio de uma mineradora e ter atuado em uma ação que julgava a constitucionalidade da lei estadual do Mato Grosso que autoriza o garimpo de ouro em áreas de Reserva Legal. Perri foi investigado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
No seu artigo, Cavalcanti chama Perri de "desembargador garimpeiro" e comenta sobre possíveis relações entre ele e o governador Mauro Mendes. Marco Polo de Freitas, irmão de Emanuel Pinheiro (MDB), prefeito de Cuiabá, também reproduziu o artigo. Nesta segunda, Pinheiro, que é rival político de Mendes, foi afastado do cargo por suspeita de corrupção e improbidade, após determinação do TJMT.
— Sou investigado por calúnia, injúria, ameaça e associação criminosa, mas não apreenderam um documento meu, apenas celular e notebooks. Demonstra que querem acesso às minhas fontes — afirma Aprá, que diz ser vítima de perseguição do estado.
Procurado, o governo do Mato Grosso respondeu que qualquer cidadão brasileiro "tem assegurado o direito de processar todos aqueles que praticarem o crime de calúnia e difamação".
"O governador de Mato Grosso exerce esse direito, recorrendo ao Judiciário para processar aqueles que mentiram, difamaram e caluniaram. Isso é perseguição ou o exercício de um direito constitucional?", respondeu o governo, em nota.
Já a Polícia Civil explicou que nas investigações da operação Fake News, instaurada pela Delegacia Especializada de Repressão a Crimes Informáticos (DRCI), "foram colhidos elementos informativos que possibilitaram estabelecer a conexão e coordenação entre os investigados".
A polícia diz que aguarda o "resultado da análise dos aparelhos celulares e o resultado de algumas perícias", que todas as ações obtiveram parecer favorável do Ministério Público e autorização da justiça. O inquérito corre sob sigilo.
A organização informou que ainda não foi oficialmente comunicada pela Justiça da liminar e que espera o recebimento da decisão judicial, por via hierárquica, para cumprimento das determinações.
Denúncia contra governo
A animosidade entre o governo e os jornalistas se intensificou em 2021, quando Aprá denunciou suposto esquema para macular sua reputação. Ele revelou um áudio de um detetive particular que teria sido contratado para forjar “falsos fragrantes” contra ele de tráfico de drogas e de pedofilia. Ele protocolou uma notícia crime na Polícia Federal, citando a suspeita de que os mandantes do plano seriam o governador do Mauro Mendes, a primeira dama Virgínia Mendes e o publicitário Ziad Fares, dono de uma agência de publicidade que tem contrato com o governo de Mato Grosso.
O inquérito foi remetido à Polícia Civil de Mato Grosso, que concluiu que não havia elementos para provar o envolvimento dos suspeitos no suposto plano. Já Aprá acabou indiciado por calúnia, difamação e associação criminosa após o casal Mauro e Virgínia ter protocolado registro de ocorrência contra ele. Não houve até aqui, porém, denúncia na justiça, mesmo depois da conclusão do inquérito.
Mas Aprá ainda responde a outros processos judiciais, e já foi condenado dois vezes. Todas as ações têm relações com reportagens suas com denúncias e críticas contra a administração estadual. Em duas das ações, o motivo foi uma matéria sobre a compra de uma aeronave pelo estado com dispensa de licitação durante a pandemia. Por isso, o secretário da Casa Civil, Mauro Carvalho, o acionou judicialmente. Na ação cível ele foi absolvido, mas no criminal foi condenado por injúria, em 1ª instância, e está recorrendo.
Outra condenação transitou em julgado, devido a uma matéria que citava indícios de irregularidade em leilões judiciais do TRT. A reportagem mostrava documentações suspeitas de empresas que pertenciam a Mauro Mendes. O jornalista foi condenado ao pagamento de cestas básicas, mas agora está pedindo a revisão criminal. Por causa dessas ações e, principalmente após a Operação Fake News, Aprá passou a receber apoio jurídico do Programa de Proteção Legal para Jornalistas da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji)
Em 2022, a Fenaj e o SindJor-MT protocolaram uma notícia-crime junto ao MPF pedindo a federalização do inquérito do caso do suposto plano de forjar crimes contra Aprá. Já no ano passado, foi feito um pedido à Procuradoria Geral da República para intervenção federal no estado do Mato Grosso.
Um dos temores recentes dos jornalistas foi a contratação, em 2022, de uma ferramenta israelense chamado GI2S que é capaz de monitorar celulares por meio de envios de SMS. O jornal A Pública revelou a compra, feita pela Polícia Civil do Mato Grosso, por R$4,6 milhões, sem licitação. O prefeito afastado de Cuiabá, Emanuel Pinheiro, requereu investigação sobre a compra, e o Ministério Público do estado abriu um inquérito. Mas a investigação foi arquivada meses depois.
Fonte: O GLOBO
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