Investidores reagem à perspectiva de adiamento do corte de taxa nos EUA com economia mais aquecida e possibilidade de conflito entre Irã e Israel. Dólar fechou na sexta-feira a R$ 5,12, maior patamar desde outubro
A expectativa do mercado de que o ciclo de queda de juros demore mais a começar nos Estados Unidos — e seja menos intenso — fortalece a moeda americana. O dólar chegou a bater em R$ 5,14 durante o pregão de ontem, e fechou em R$ 5,12, a maior cotação desde 9 de outubro do ano passado, com uma valorização de 0,61% no dia. No ano, a moeda americana já subiu 5%. Com isso, analistas começam a revisar para cima as previsões para a Taxa Selic, que pode não fechar abaixo de 10% este ano, e para inflação.
A saída de mais de R$ 25 bilhões de investimento estrangeiro da Bolsa este ano coloca mais pressão sobre o real, avaliam economistas. Eles atribuem a disparada do dólar globalmente também ao temor do mercado de um ataque iminente do Irã contra Israel, escalando a tensão no Oriente Médio. O ambiente de aversão a risco se intensificou e levou os principais índices acionários em Nova York ao campo negativo. No Brasil, o Ibovespa caiu 1,14%.
Camila Abdelmalack, economista chefe da Veedha Investimentos, afirma que os juros americanos são o principal foco do mercado. Dados mais fortes da economia dos EUA sugerem que a inflação não deve ceder dos atuais 3% para a meta de 2%. Por isso, a curva de juros subiu no país, com os títulos americanos atraindo recursos de emergentes, como o Brasil.
— O investidor estrangeiro saiu da Bolsa com força neste primeiro trimestre. Grande parte desse fluxo está sendo atraída para os títulos americanos. O superávit da balança comercial brasileira (que no ano passado chegou a US$ 100 bilhões) segurou a moeda americana abaixo de R$ 5. Agora, com esse movimento de saída de recursos da B3, há um repique no câmbio — explica a economista.
Ela projeta três quedas de juros nos EUA este ano, começando em junho. Mas se a inflação se mantiver elevada, afirma, o início do ciclo de corte dos juros pode começar apenas no segundo semestre.
Pressão nos preços
Camila diz que se o dólar ficar em torno de R$ 5,10, pode haver pressão sobre a inflação. Nesse cenário, a Selic (taxa básica de juros) corre o risco de não encerrar o ano abaixo de 10%. Ela projeta a moeda americana a R$ 4,95 no fim do ano.
Movimento do dólar na semana — Foto: Editoria de Arte
Para Silvio Campos Neto, economista e sócio da Tendências, não é possível afirmar que o ajuste no dólar— com a moeda batendo em R$ 5,12 ontem — se esgotou. Ele afirma que será necessário esperar o comportamento da inflação nos EUA nos próximos meses para saber como o Federal Reserve (Fed, banco central americano) vai se movimentar em relação à taxa de juros. A Tendências também estima que o dólar feche a R$ 4,95 este ano:
— Mudamos nossa perspectiva do início do ciclo de baixa de juros nos EUA de junho para setembro, mas é preciso que a inflação por lá, que parou de cair, dê sinais de que voltou a desacelerar. Se este cenário não se concretizar, o risco é o Fed não baixar juros este ano.
Campos Neto lembra que no quarto trimestre do ano passado, o real foi a moeda que mais se valorizou entre as divisas emergentes frente ao dólar. Mas, este ano, é a que mais está se desvalorizando. Neste primeiro trimestre, o dólar index (moeda americana frente a uma cesta de divisas) subiu 1,3%. Frente ao real, valorizou-se 3,3%, no mesmo período.
Ele explica que no fim do ano passado, quando investidores estrangeiros trouxeram R$ 45 bilhões para a Bolsa brasileira, além da expectativa de que o Fed iniciasse a redução de juros em março, existia uma visão mais positiva do Brasil — e isso mudou.
Por aqui, apesar do aumento da arrecadação do governo, o Executivo vem sinalizando com mais gastos — o que aumenta a preocupação com o quadro fiscal. Ele diz ainda que o intervencionismo do governo em Vale e Petrobras também pesa no humor do investidor.
Campos Neto lembra que a inflação no Brasil está comportada, mas há riscos, especialmente para 2025. Para o analista, a alta do petróleo no exterior deixa o preço da Petrobras defasado, e não se sabe com clareza como será o repasse feito pela estatal, já que a política de preços não é clara. Com o dólar subindo, esse cenário fica mais nebuloso:
— O petróleo já deu uma paulada lá fora, com as questões do Oriente Médio, mas aqui ninguém sabe como isso será repassado aos preços pela política obscura da Petrobras, que não poderá ficar muito tempo com uma defasagem de 20% no preço.
O petróleo teve nova valorização ontem. O barril do tipo Brent fechou a US$ 90,45, alta de 0,78%.
Ontem, o Itaú revisou sua projeção para o câmbio este ano: de R$ 4,90 para R$ 5. Com o aumento de incertezas no cenário externo, o Itaú também revisou sua projeção para a Selic ao fim deste ano: de 9,25% para 9,75%.
Juros futuros em alta
O economista-chefe do banco, Mário Mesquita, diz que o espaço para a apreciação da moeda americana frente ao real tende a ser limitado.
— A previsão para o país é de um superávit comercial de US$ 85 bilhões este ano. O espaço para apreciação da moeda tende a ser limitado — afirmou Mesquita.
Em relação à inflação, o Itaú também revisou para cima sua estimativa para o IPCA este ano, de 3,6% para 3,7%, mas não pela alta do câmbio. O banco avalia que os preços de serviços pressionam o índice, com um mercado de trabalho aquecido e alta dos salários.
Os juros futuros apresentaram alta, tanto para períodos mais curtos como para o longo prazo. A taxa dos títulos DI para janeiro de 2025 saiu de 9,97% no início da semana para 10,04% ontem. Para janeiro de 2029, pulou de 10,94% para 11,085%.
Fonte: O GLOBO
0 Comentários