Parlamentares, inclusive da base aliada, reagiram e cobraram mais diálogo com o ministro
O relatório do FMI foi concluído antes de o governo mudar a meta de resultado das contas públicas de 2025 — que saiu de um superávit de 0,5% do PIB para um resultado zero, ou seja, receitas iguais às despesas.
No relatório Monitor Fiscal, o FMI estima que a dívida bruta vai subir de 84,7% do PIB em 2023 para 86,7% neste ano. E seguirá numa crescente nos próximos cinco anos, mas em ritmo menor do que o previsto anteriormente. O FMI usa um critério para a dívida diferente do BC, que não considera títulos do Tesouro Nacional em posse da autoridade monetária — por esse entendimento, a dívida foi o equivalente a 74,3% do PIB em 2023.
Na última edição do relatório, de outubro, a previsão era que a dívida do país encerrasse este ano em 90,3% do PIB.
Já a estimativa do Fundo para o déficit das contas públicas para este ano subiu de 0,2% para 0,6% do PIB — a meta do governo é um resultado zero. E, agora, o Fundo prevê que o Brasil vai chegar a um déficit zero apenas em 2026.
O Fundo faz ainda um alerta para a tendência de crescimento dos gastos públicos este ano, quando serão realizadas eleições em vários países, e cita o Brasil entre os que vão às urnas. O país tem eleições municipais.
Haddad disse que avaliou como positiva a revisão da trajetória da dívida, mas reconheceu o desafio fiscal.
— O fato de que o FMI está dizendo que a nossa dívida está estabilizando num patamar menor do que eles supunham inicialmente é significativo, mas o desafio existe. Se tem uma pessoa que nunca negou que nós temos um desafio fiscal, é esse que vos fala — afirmou.
Recado ao Congresso
O ministro disse ainda que as projeções estão “mais próximas do que parecem” dos números do governo e que a avaliação deve contribuir para a melhora das notas de crédito do Brasil.
Indagado ontem sobre a mudança da meta fiscal, durante os intervalos das reuniões de primavera do Fundo, Haddad destacou o papel do Congresso no avanço da agenda de ajuste das contas públicas:
— Estamos acompanhando a evolução das votações no Congresso. Teve evolução positiva ontem (terça-feira).
O ministro se referiu à medida provisória (MP) que limita o pagamento de compensações, aprovada em comissão do Congresso, e que tem potencial de aumentar as receitas do governo. Mais tarde, Haddad reiterou que o cumprimento das metas está diretamente relacionado às decisões que o Congresso vai tomar nos próximos dias:
— Congresso e Judiciário têm muitas coisas que dependem deles para que nós possamos fechar as contas deste ano e do ano que vem.
Na véspera, ele havia afirmado que nem tudo que a Fazenda entende que é “justo, correto e vai na direção correta vai ser recebido pelo Congresso com a mesma sensibilidade”.
Enquanto isso, porém, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou proposta de emenda à Constituição (PEC) que concede um aumento salarial de 5% a cada cinco anos de serviço para membros do Judiciário e do Ministério Público. O texto ainda precisa ir para o plenário da Câmara e do Senado.
Parlamentares reagem
Parlamentares da base do governo afirmam que o ministro da Fazenda conquistou a aprovação de diversos projetos no ano passado na medida em que se aproximava diretamente de deputados e senadores.
— Acho que o melhor que o Haddad pode fazer é intensificar o diálogo com os parlamentares. Mensagem funciona pouco — disse o líder do PDT na Câmara, Afonso Motta (RS).
No Senado, líderes afirmam que estão abertos ao diálogo.
— Basta o ministro nos ligar. Ano passado ele falou mais conosco — afirmou o líder do PSD no Senado, Otto Alencar (BA).
O líder do União Brasil no Senado, Efraim Filho (PB), lembrou que Haddad conseguiu persuadir os parlamentares em diversas votações importantes para a Fazenda.
— Acredito que o Congresso contribuiu bastante ao aprovar a agenda econômica do governo que deu uma arrecadação extraordinária ao governo, bem maior do que eventual e pontual projeto de maior gasto — disse.
Haddad e sua equipe têm negociado a redução de benefícios do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), a reoneração gradual da folha de pagamento dos municípios e de setores da economia e o projeto que limita a compensação tributária para créditos oriundos de decisões judiciais. Um novo conjunto de medidas arrecadatórias já está no radar da Fazenda.
BC vê piora na expectativa
Também na capital americana, Roberto Campos Neto disse que a incerteza sobre a âncora fiscal deixa mais custoso o trabalho para o controle da inflação por meio da política de juros.
— Se você perde credibilidade ou se você está indo para um cenário de maior incerteza sobre a âncora fiscal, isso torna mais custoso o trabalho do outro lado — afirmou. — Nós sempre defendemos que se deveria permanecer com a meta e fazer o que fosse necessário para atingi-la. Entendemos que houve uma necessidade de mudança.
Em março, o BC reduziu a taxa básica de juros em mais 0,5 ponto percentual, para 10,75% ao ano. Desde então, as expectativas para os juros mudaram, e especialistas revisaram para cima suas projeções.
— Parte da deterioração (das expectativas) tem, diferentemente de outros países, e ao menos parcialmente, essa explicação (sobre fiscal). Temos outros ruídos, como Petrobras, Vale etc. Mas parte disso está relacionada à percepção de que a revisão do fiscal faz da sustentabilidade da dívida um objetivo mais difícil de atingir — afirmou o presidente do BC.
(*Especial para O GLOBO)
Fonte: O GLOBO
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